domingo, 11 de setembro de 2011

A deficiência que não é um defeito

Fábia Gomes

Você já parou para pensar, qual é a deficiência que se pode dizer pior? Será aquela que ninguém consegue imaginar em perder, que já se apavora?

Se pensou na audição, talvez tenha razão. Mas viver no silêncio tantas vezes é a vontade de muitos. Aqueles ambientes chatos e cansativos, onde se fica esperando por horas alguma coisa e ouvindo reclamações e desalentos, para que no final da espera ouvir uma resposta negativa ou um: Volte amanhã que lhe atenderemos. Ou então, aguarde que entraremos em contato, ou até um belo fora da namorada que num eufemismo inacreditável tenta apaziguar a situação dizendo: - É melhor nós darmos um tempo.

Já a fala é tão importante para conseguirmos nos comunicar, não é? Ela nos ajuda achar alguma coisa no meio do nada – pois quem tem boca vai a Roma -, não nos deixa adoecer por não conseguirmos bradar aos quatro cantos aquilo com que não concordamos, e é sem dúvida um belo instrumento de trabalho para muitos. Você já pensou num professor, num vendedor, numa recepcionista ou telefonista e aí por diante?

Também há o lado negativo de sermos dotado da fala. Ouvimos muitas vezes coisas que nos obriga a discutir, a reclamar, a chiar. O som que produzimos muitas vezes é reclamado por alguns, mas não somos nós que mandamos nisso; é a genética.

Há situações que compartilham conosco da mesma angústia. Não saber pra onde ir, nem com quem ficar, ou até mesmo se devemos conversar... Imagine repartir o que não se tem, o que não se recebe e também não nos convém. Parece poético, mas é assim que ele se mantém. Aquele que espera por horas um atendimento oportuno, ou aguarda ansioso um emprego digno ou a ajuda de alguém que não o conheça, para assim ter sua sobrevivência.
De poesia nada tem, apenas um monte de rimas que nada, nada nos cai bem. Não é emotivo de beleza, mas emotivo de dor e tristeza.

Não somos cegos, nem surdos nem mudos; mas somos deficientes nas nossas atitudes. Não ajudamos, não socorremos àqueles que realmente necessitam de nós. Falamos alto que o erro vem lá de cima, que se tem que mudar o governo, mas não damos o nosso grito de socorro, porque é cômodo estar onde estamos. Aguardando e aguardando. Culpando e culpando. E acreditando que fazemos de tudo para melhorar. E a eleição vem e vai e nós nada melhoramos. E então acha mesmo que gritamos por socorro?

Ter a visão nos possibilita fazer várias coisas. Apreciar as cores, os nossos filhos crescendo e se tornando homens de bem, ver o passar do tempo nas rugas que nos convém e olhar a paisagem que sempre embeleza a vista de algum lugar, ou fazemos a opção de não ver. Simplesmente, não ver.
E assim fechamos os olhos para nossas deficiências. Somos deficientes sim.

Como seria participar da vida sem ter o que ver nela. Viver na escuridão, perceber no lugar de enxergar; sentir no lugar de apreciar. A beleza também se sente e se pensar bem até que seria bom não poder ver a pobreza, a miséria e a falta de compostura daqueles que colocamos lá.

E assim imaginemos a falta de visão. Plena e suprema. Somos cegos sim e quanto à conversão nada podemos fazer para acontecer, se continuarmos surdos e mudos para os fatos.
Brademos enquanto podemos bradar. Atendemos enquanto podemos escutar e veremos assim um mundo como os daqueles que nada podem observar. Sentiremos a beleza, escutaremos o som mais profundo e mais puro, e usaremos a voz para assim proferirmos palavras de amor ao próximo e ao mundo.

Fábia Gomes é educadora e participa do programa Jornal, Escola e Comunidade do jornal A Tribuna, de Santos

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