Isadora Rupp
O consultor de educação e tecnologia, Eduardo Chaves, costuma dizer que sua paciência para assistir palestra alheia é mínima: não consegue se prender por muito tempo e logo fica entediado se o que está sendo dito não for extremamente interessante. É esse o paralelo que ele faz com a escola: a informação e as possibilidades atuais fizeram com que ela ficasse ainda mais desinteressante. Por isso, Chaves, que também é membro do programa Parceiros na Aprendizagem, da Microsoft, e já foi presidente do Instituto Lumiar, de São Paulo (SP), acredita que as escolas e os professores devem focar cada vez mais nas competências dos alunos e em uma educação individualizada. Ele conversou com a Profissão Mestre sobre as características desse novo formato e criticou o modelo “supermercado” de escola.
Profissão Mestre: No Brasil, já existe espaço para escolas inovadoras?
Eduardo Chaves:Estamos explorando isso. Passamos por uma série de mudanças na nossa sociedade, onde aquele modelo industrial foi encerrado. Não está muito claro quais características vão prevalecer, mas é evidente que aquele modelo antigo não vai funcionar. A nossa vida foi estruturada durante a sociedade industrial em estágios: até os sete anos a gente brincava. Do sete aos 21, aprendia. Depois trabalhava até os 60, 65 anos e, se ainda desse tempo, se divertia depois. Era tudo dividido em compartimentos: uma hora você se diverte, na outra aprende, depois trabalha e aí se diverte de novo. O que acontece na sociedade hoje é que esses limites entre diversão, trabalho e aprendizado ruíram. Na maior parte do tempo, você não sabe o que está fazendo. Muitas vezes você está trabalhando, divertindo-se e aprendendo. E acho que a chave para encontrarmos uma educação inovadora está aí. Do mesmo jeito que quem trabalha fazendo o que gosta o faz até se não fosse pago, temos de encontrar formas de realizar coisas interessantes e que contribuem para nosso crescimento e desenvolvimento pessoal.
Profissão Mestre: A educação individualizada é o caminho?
Chaves:A educação era personalizada antes da sociedade industrial. Nós não tínhamos megaescolas. Antigamente, aprendíamos no contexto da família e da comunidade. Se a criança queria aprender outras coisas, a família arrumava um tutor, um artesão, enfim, que ensinasse a habilidade. Não havia um algo que todo mundo deveria aprender. Aí veio a sociedade industrial; veio e regimentou tudo, dizendo que para aprender a criança deveria ir para a escola. A primeira grande falha é que antes se aprendia o tempo todo, agora é necessário ir para a escola. É como se fosse: até os sete anos você “não aprende”. E a escola ainda parece com a sociedade industrial. Tem aula de Português, Matemática, História, Geografia... E quando a criança pergunta: Por que eu tenho de estudar tudo isso? Não se sabe responder. A educação personalizada tem que ser assim: o que você gosta de fazer e aprender? É o interesse que dá motivação. Se um aluno diz que gosta de escrever poesia e o professor vai contra ele, vai talhar a vontade e fazer com que a criança não fique boa em Matemática e outras áreas. O docente deve construir o tempo todo em cima dos pontos fortes da criança. Quando um aluno vai bem em Literatura e mal em Matemática, o professor sempre diz: “vai estudar mais Matemática que é o seu ponto fraco, deixa o forte para lá”. E essa é a receita para o fracasso. A educação personalizada leva a sério o projeto de vida de cada um.
Profissão Mestre: Não é cedo enfatizar isso na infância?
Chaves:Cedo nunca é. Trabalhei com o Instituto Ayrton Senna por 10 anos e vi fotos do Ayrton Senna menino. Ele sempre estava segurando carrinho, depois tinha um de pedalar, com quatro anos ganhou um kart do pai. O menino era vidrado em carro. Ou seja, eles construíram em cima daquilo. Muitas vezes aprendemos elementos no decorrer do caminho que vira um subproduto do principal interesse. Não há uma idade “muito cedo”. Claro, podemos mudar sempre. Eu mudei de interesse. Várias vezes você muda o seu projeto de vida. Isso pode começar a ser conversado com as crianças muito cedo. Fazemos correções de rumos a vida toda. O principal desafio da educação é definir um projeto de vida e transformar ele em realidade.
Profissão Mestre: Mas o direcionamento na vocação não restringiria a possibilidade de mudar o rumo?
Chaves:Houve uma época em que isso poderia ser verdade. Quando eu cresci em Marialva, nos anos 1940, havia poucas universidades e poucos modelos de profissões para observar. Era preciso que a escola apresentasse várias possibilidades, porque, fora da escola, não tínhamos oportunidades de travar conhecimento. Funcionava em um contexto supermercado: vamos mostrar tudo o que é possível e ele decide. Hoje a sociedade é diversificada, com uma imprensa rica, com televisão e internet.
Profissão Mestre: Para chegar ao ensino de competências, é interessante que o currículo mude?
Chaves:Absolutamente. O que aconteceu no Brasil com os Parâmetros Curriculares Nacionais foi tentar mudar, mas preservando o legado anterior. A escola trabalha as matérias, temas transversais e mais um monte de coisas. Dificilmente ela acerta. Não há tempo disponível para o professor e eles nem estão preparados. Não há a menor dúvida de que o currículo tem de mudar, esquecendo essas disciplinas e focando em competências. O que eu preciso para viver bem? Certamente é necessário saber ler, escrever e calcular, mas é preciso, essencialmente, conviver bem. Saber seus direitos, negociar objetivos, resolver conflitos, administrar o tempo, comunicar-se bem em uma ou mais línguas estrangeiras. Se você quiser saber nadar ou andar de bicicleta, o que tem de fazer? Pular numa piscina e subir em uma bicicleta. Não adianta eu ler sobre isso, tenho que fazer, provavelmente cair e ter medo de me afogar, com alguém que me apóie.
Profissão Mestre: A escola perde tempo ensinando coisas que não são mais úteis?
Chaves:Claro. Por que a escola não dá condições para a pessoa aprender a falar em público? Resolver conflitos, administrar tempo, negociar objetivos? Que é o que interessa no mercado de trabalho. Hoje você chega na empresa e precisa fazer cursos sobre tudo isso. As pessoas pagam caro para desenvolver habilidades que poderiam ser estimuladas na escola.
Profissão Mestre: Não estão jogando responsabilidade demais para a escola?
Chaves:Estão jogando demais porque se fazem coisas que não precisariam mais ser feitas. A escola gasta 75% do seu tempo dando informações ao aluno que ele pode achar com extrema facilidade na internet.
Profissão Mestre: O fácil acesso alcança todas as classes sociais? Muitas escolas públicas, por exemplo, ainda estão longe de tal realidade. Qual a sua avaliação?
Chaves:É um problema que será resolvido com extrema rapidez. Os preços das máquinas estão barateando tão rápido que não vai demorar nem metade do tempo que levou para todo mundo ter uma televisão em casa. Em 2000, 98% dos brasileiros tinham TV, em 50 anos da chegada dela no Brasil. Computador será muito mais rápido. O governo federal está sendo um pouco conservador, prometeu comprar milhões e não comprou grande coisa até agora, mas os programas que existem já ajudaram muito. O que aconteceu é que quando foi proposto um computador de US$ 100 para cada aluno, a suposta medida assustou a indústria de modo que todo mundo começou a fazer máquina mais barata. Hoje você compra por R$ 500 no supermercado para pagar em 10 vezes. O preço de um computador, levando em conta que se pode comprar em prestação, é acessível.
Profissão Mestre: Existem problemas na hora de ensinar elementos mais próximos dentro da tecnologia?
Chaves:Sim, e isso é errado. Temos que ensinar aquilo que o Excel ajuda a fazer. Para que serve isso? Para fazer planilha. Mas para que serve a planilha? Você tem que mostrar contextos em que aquilo é útil. Mesma coisa com o Word. Serve para escrever. Mas o aluno argumenta que não tem nada para escrever. Então, se o estudante não tem esse estímulo por parte do professor para contar histórias, não adianta. Em suma: tem que mostrar que aquilo é útil.
Profissão Mestre: Temos uma estrutura hierarquizada na educação. Geralmente as escolas que tentam algo novo são modelos isolados. No Brasil, é mais difícil montar currículos fora do padrão?
Chaves:Primeiro, a lei de diretrizes e bases abriu uma série de possibilidades para inovação. É possível trabalhar de uma maneira totalmente diferente das outras escolas e ainda cumprir o que ela exige. Trabalhei com a Escola Lumiar por muito tempo, que não é nada tradicional, e o currículo foi aprovado, já que englobava o ensino essencial. Não aproveitamos os espaços que a lei deixa, por costume, por inércia. Mas existem experiências inovadoras no Brasil. Trabalhei com escolas de Araxá (MG) e Rio das Ostras (RJ), que questionaram muito a Secretaria de Educação para colocar o mínimo do que é obrigatório. Esse pessoal negociou a redução. Se a escola não fizer isso, todo o espaço é ocupado com o que é obrigatório.
Profissão Mestre: Os professores reclamam muito do desinteresse dos alunos em relação à escola. Como o senhor enxerga esta questão?
Chaves:Se a pessoa não quer fazer nada e não se interessa por nada, isso vem do que a escola oferece. Fora da escola estas pessoas fazem e aprendem a fazer um monte de coisa. Há uma falta de sintonia entre o que a escola oferece de oportunidade de aprendizado e aquilo que elas querem. É preciso que a educação esteja mais sintonizada com o interesse que as pessoas têm. Na hora que você encontra oportunidade de aprender algo, em geral o problema da motivação está resolvido.
Profissão Mestre: Um estudo do Observatório das Favelas mostra que crianças e adolescentes que entram para o tráfico abandonam a escola imediatamente, com o seguinte argumento: o tráfico provém a elas algo mais palpável, o dinheiro. Por que isto acontece?
Chaves:Porque as pessoas, em um determinado estágio da vida, não conseguem separar o ganho imediato nem mesmo com os riscos envolvidos. A expectativa de vida dessas crianças é baixa. Mas isso é preciso ser discutido, sem dúvida. Estive em um debate no Rio Grande do Sul e as professoras de arte se juntaram para dizer que os alunos não queriam aprender arte, que elas tentaram fazê-los apreciar ópera, mas ninguém estava interessado. Que eles gostavam apenas de música popular. Eu disse para as professoras: se as crianças já estão interessadas em música, é um grande passo. Tem que começar de onde eles estão e diversificar aos poucos. Vai dar para chegar na ópera? Provavelmente, para a maioria das pessoas, não. Mas para algumas crianças esse início vai enriquecer muito o universo musical. Não adianta impor algo. Todos sabem que precisam saber ler e escrever. Mas às vezes a criança não se interessa. Então, pergunte se ela não quer ler algo sobre o time dela ou sobre a sua banda preferida. Tem de partir com algo que ela goste, mesmo que o conteúdo seja algo que você acha desprezível. É daí que ela adquire a habilidade da leitura e conhecimento.
Profissão Mestre: Com tanta informação disponível, a escola está ficando chata?
Chaves:A escola sempre foi chata! O problema é que antes não havia muita alternativa, e agora tem. Essa é a diferença. A gente tem tanta alternativa que ficar sentado uma hora ouvindo o professor falar sobre um negócio que não interessa para você é tortura. Temos de reconhecer que algumas pessoas aprendem bem assim, são tão disciplinadas que conseguem se sair bem. Às vezes é a coisa mais chata e eles ficam lá, prestando atenção e balançando a cabeça. Mas é difícil; a maioria das pessoas não tem essa tolerância.
Reportagem publicada na revista Profissão Mestre de março de 2010.
Editora das revistas Profissão Mestre e Gestão Educacional
terça-feira, 10 de janeiro de 2012
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