domingo, 18 de setembro de 2011

Flexibilidade e incertezas nas carreiras do futuro

06/09/2011
Enio Rodrigo (Revista Pré-Univesp)

O novo profissional, responsável por gerir sua vida profissional, tem que estar preparado para mudanças abruptas

Para uma parte daqueles que estão entrando no mercado de trabalho, o futuro é agora. Uma modificação importante no modo como as empresas pensam começou a tomar contorno em meados da década de 1990 no país e, com o aumento do acesso às tecnologias da informação e comunicação (as chamadas TICs), o mundo do trabalho passou a ficar mais flexível em formas e horários. O contraponto é que essa mesma flexibilização acabou com o modo como se pensavam as carreiras. Ao invés de planos objetivos e determinados no momento em que se saía da faculdade e se adentrava uma empresa, o trabalhador – seja ele um profissional do alto ou baixo escalão – precisa traçar seus próprios caminhos, cada vez mais sujeitos a alterações de rotas.

Historicamente, os modelos de trabalho passaram por três grandes alterações no seu modo produtivo (e diversas outras não menos importantes, mas originárias desses grandes pontos de inflexão). O primeiro foi quando os indivíduos começaram a trocar suas horas de trabalho por uma remuneração fixa, dentro de um processo organizado de produção. Assim sendo, surgiu o trabalhador como conhecemos.

A segunda grande mudança foi durante a transição da manufatura para o modo industrial de produção, ou seja, quando aquele que era responsável por todo o processo de uma determinada atividade – realizada do começo ao fim por uma pessoa – se tornou um operador de maquinário e, portanto, somente tinha controle de uma parte do processo da produção (fosse um bem de consumo ou um serviço). O modelo fordista – de linhas de produção – é a principal herança dessa segunda fase. "E mais atualmente temos uma mudança radical onde o processo fordista de organização da produção do trabalho sofre uma reestruturação bastante intensa", explica Marcos Cordiolli, pesquisador da área de educação e qualificação profissional e consultor pedagógico na área de educação corporativa.

Para ele, essa reestruturação passa pela maior flexibilização dos horários de trabalho – importantíssimo no estilo fordista de produção e substituído por metas a serem cumpridas, pelo desaparecimento do local físico de trabalho – o escritório deixa de ser importante para que o trabalho continue sendo executado –, e pela potencialização desses dois itens anteriores – pela intensa adoção das TICs. "O local de trabalho pode ser ainda a base de algumas atividades cotidianas profissionais, mas com o computador, o celular, e-mail, tablets e diversas outras tecnologias de informação e de comunicação, o trabalhador pode ser encontrado em qualquer lugar e acessar informações necessárias para uma tomada de decisão de onde estiver", explica.

Essa flexibilização, segundo o pesquisador, tem duas faces. "A parte boa é que não é necessário ficar o tempo todo em um espaço determinado. A ruim é que os afazeres profissionais também não ficam nesse espaço de trabalho: eles vão onde o profissional estiver. Acabam os limites impostos pelo horário de trabalho", esclarece Cordiolli.


A era das incertezas profissionais

O estilo fordista de organização é o retrato fiel do trabalho do século XX. Havia horário para entrar e para sair, uniformes que distinguiam alguns trabalhadores de outros e departamentos específicos, com profissionais especializados em uma atividade trabalhando em cada um deles. As empresas possuíam diversos níveis hierárquicos e tinham planos de carreiras claros.

Para chegar à gerência, por exemplo, o caminho estava dado: as qualificações exigidas eram públicas, e as competências e os cursos necessários para adquiri-las também. Bastava seguir à risca o plano e muito provavelmente em um tempo esperado se chegaria ao cargo dos sonhos. Havia estabilidade no emprego e era comum um profissional passar a vida toda na mesma corporação. Também não era de bom tom ter muitos registros na carteira de trabalho: isso podia indicar falta de comprometimento.

No Brasil, quando houve uma abertura abrupta do mercado nacional para as importações e para a instalação de novas empresas estrangeiras, no início da década de 1990, os problemas de produtividade e qualidade gerenciais das corporações nacionais ficaram muito claros. A competitividade se acirrou repentinamente e foi necessário rever todos os processos dentro das empresas, para torná-las mais ágeis nas respostas ao mercado.

A primeira coisa a fazer foi diminuir os níveis hierárquicos – para acelerar o processo de tomada de decisão. Além disso, as empresas ficaram mais focadas nas suas especialidades e, consequentemente, passaram a terceirizar tudo o que não fizesse parte das suas competências essenciais. Essas subcontratações deram origem a uma onda de criação de diversas outras pequenas e microempresas, muitas delas constituídas de apenas um profissional (recentemente rebatizados de freelancers).

Hoje as empresas têm que demonstrar grande agilidade e capacidade de adaptação para sobreviver no mercado, o que exige profissionais que se adaptem rapidamente também. E, dentro desse novo modelo, as pessoas não podem mais organizar sua vida – pensar em aposentadoria, por exemplo – dentro de uma corporação, pois não há garantias e, em decorrência, não há um plano de carreira claro. O profissional valorizado é aquele que traz a experiência consolidada – adquirida em outras empresas ou nas especializações que ele escolheu cursar – e que será útil para a empresa em determinado momento mas, assim que a ‘maré mudar’, tem que estar pronto para voltar ao mercado.

Trabalhar com foco em seus próprios interesses

"Nesse sentido, os indivíduos começam a construir carreiras mais autônomas e focadas nos seus próprios interesses. Não se pode mais colocar nas mãos das empresas as responsabilidades de gerenciar sua vida no trabalho", alude-se Iúri Novaes Luna, pesquisador do Núcleo de Pesquisa Trabalho e Subjetividade (NPTS) da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul).

Isso também quer dizer que as profissões não são mais estanques. Um profissional pode ter que se adaptar a novas realidades de tempos em tempos. Os departamentos dentro das empresas modernas podem se modificar e esses trabalhadores terão que se adaptar aos novos desafios propostos, ou então procurar novos caminhos. "É aí que ser um profissional multidisciplinar é importante", expõe Cordiolli. "Quanto mais generalista é a formação, maior o raio de ação desse profissional. Dessa forma, o trabalhador pode assumir novas responsabilidades rapidamente, seja dentro da mesma empresa, seja em outra."

"Esse profissional multidisciplinar ou generalista pode se adaptar para trabalhar em várias áreas e resolver problemas diferentes. Mas ainda é preciso não deixar de lado as formações especializadas. Não basta ser um ou outro: quem está se preparando para o mercado de trabalho atual precisa estar atento a essas duas facetas da sua formação", diz Novaes Luna.

Faculdade, especialização, pós-graduação...

As diversas áreas do conhecimento estão também mais dinâmicas e quem está em um curso superior precisa se conformar: entre a entrada e a saída da faculdade, o mercado irá mudar, e a profissão que escolher já terá novidades que você não estudou. Portanto, a especialização ou uma pós-graduação são caminhos naturais. "É cada vez mais comum que os alunos saiam da faculdade com uma pós-graduação em mente. Isso porque a pós está tendo o papel de redirecionar ou reforçar as carreiras escolhidas pelos jovens profissionais. A faculdade garante uma ‘âncora’ no mercado imediato – e ganhos econômicos iniciais –, mas outras qualificações são necessárias para garantir uma carreira profissional no longo prazo", salienta Cordiolli.

Ademais, há uma necessidade cada vez maior de uma formação que não passa pelas instituições de ensino. Uma boa formação cultural é deveras valorizada em candidatos a novos empregos. Para Cordiolli, "ler um livro, ir ao teatro e ler o jornal diariamente são atitudes decisivas em um mundo onde as mídias sociais – uma nova TIC – têm um papel de destaque crescente. Tudo que auxilie na socialização com outras pessoas é importante".

Coaching, mentoring e a importância da orientação profissional constante
Com tantas responsabilidades assumidas pelos trabalhadores, uma característica necessária para enfrentar o mercado de trabalho atual é uma postura empreendedora ativa. Afinal, também não há mais departamentos de recursos humanos que indiquem o que fazer. A autonomia sobre o que fazer e as decisões sobre a própria carreira são do próprio profissional.

Não à toa é mais comum atualmente a figura do orientador profissional, conhecida por muitos alunos que cursam o final do ensino médio. A orientação profissional de um indivíduo já inserido no mercado de trabalho, por sua vez, é chamada de coaching ou mentoring. "As posições profissionais são mais autônomas agora e esses novos trabalhadores precisam estar preparados para mudanças relativamente rápidas nas carreiras. Dessa forma, o ideal é não esperar um momento para fazer as mudanças, não depender das empresas para organizar a própria vida. Coacher ou mentor, os profissionais envolvidos no processo são importantes para o plano pessoal nesse sentido", diz Novaes Luna. "Não existe mais a pergunta ‘onde você imagina estar daqui a dez anos?’. Hoje, se pergunta sobre os planos para os dois ou três próximos anos", brinca Cordiolli.

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