José Carlos Fernandes da Silva
Por conta da realidade de violência em que vivemos, nem sempre é fácil perceber a gratidão. Mas, olhando na experiência do dia a dia, as pessoas demonstram gratidão de diversas formas em atitudes de doação e afeto para com os outros. A solidariedade também é uma forma de gratidão a Deus.
No meu caso, por exemplo, enquanto deficiente, sou grato quando as pessoas me oferecem ajuda. Por me sentir ajudado, acolhido e observado, eu também me sinto obrigado a agradecer às pessoas, o que também ajuda na minha maneira de rezar. A minha oração é de gratidão porque Deus se manifesta através das pessoas. E vivencio isso, pois há 14 anos estou com dificuldade de andar, mas fiquei dois anos paraplégico. E então fui descobrindo a sensibilidade e como as pessoas são capazes de ser gentis.
Atitudes de humildade e louvor
A doação para os outros pode ser uma atitude de gratidão por algo recebido, mas é algo mais amplo do que isso. Nas pessoas gratas há, sim, esse aspecto da retribuição: por ter recebido algo, devolve por gratidão. Contudo é algo que extrapola a atitude de dar e receber.
Posso demonstrar gratidão às pessoas por simpatia, por achar que algumas merecem o meu amor ou por sentir amor por elas. Por exemplo, numa relação de marido e mulher, eles se doam porque se amam. Quando a pessoa ama, se sente no dever de ser grata por ser amada.
A partir do momento em que tomamos consciência de que somos limitados, nos abrimos para aceitar o afeto e a ajuda do outro e de Deus. E isso torna-nos humildes, fazendo-nos reconhecer que somos necessitados. Nesse sentido, a humildade é um elemento importante no processo de gratidão. Ao mesmo tempo em que podemos contar com o outro para as nossas necessidades, nos sentimos gratos e no dever de retribuir de alguma forma.
A gratidão pode ser encontrada em diversos trechos da Bíblia. No Novo Testamento, por exemplo, gosto muito da passagem quando Jesus diz, em uma atitude de louvor: “Bendigo-te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e inteligentes e as revelaste aos pequeninos” (Lc 10,21). No evangelho de Lucas (17,11-19) também é narrado o episódio em que Jesus cura dez leprosos, mas apenas um retornou para agradecer. A carta de São Paulo aos Coríntios, no capítulo 13, quando fala das características do amor, ajuda a nos mantermos humildes, necessitados da graça de Deus e desafiados a retribuir as benesses recebidas.
Cuidar da natureza, cuidar da vida
O próprio São Francisco, na maneira de se relacionar com a natureza e com os seus contemporâneos, revela uma gratidão ao Criador. Hoje, entretanto, quando se observa a questão do desmatamento e das catástrofes ambientais, pode-se pensar que o ser humano não tem sido muito grato por tudo que recebe de Deus. Parece que as pessoas não estão mais ligando para nada, que perderam o sentido da vida e a banalizaram.
Mas podemos olhar também para as pessoas que se colocam em defesa do meio ambiente. O Brasil está cheio de pessoas que cuidam da natureza com carinho. Há pessoas, inclusive, que se tornam mártires dessa causa, como o casal José Cláudio e Maria do Espírito Santo, assassinados em maio, no Pará.
Reconheço as situações negativas, mas vejo também pessoas e entidades que se colocam a serviço da natureza e da vida humana. É um trabalho lento, que requer paciência, especialmente de quem espera resultado imediato ou lucro.
Também o jovem é sensível para as necessidades do outro e para os problemas sociais e ambientais. O jovem também é sensível à gratidão e responde positivamente se for convidado a uma ação concreta. Mas, para isso, ele necessita de referências, de alguém que caminhe ao seu lado, sem tomar o seu lugar nas ações.
AtividadeEu agradeço
Na tradição judaica e cristã, ação de graças é o ato de louvar e bendizer a Deus, fonte de toda vida. Mais do que proferir palavras e orações, ação de graças é um modo de viver e de ser, no qual prevalece o sair de si, o servir e a partilha, pois, como diz o profeta Amós: “Eu quero, isto sim, é ver brotar o direito como água e correr a justiça como riacho que não seca” (Am 5, 24).
Sugerimos ler, recitar e rezar o poema Humildade, da poetisa Cora Coralina, agradecendo o pouco que temos e todas as manifestações de pessoas que defendem a vida.
Humildade (Cora Coralina)
Senhor, fazei com que eu aceite
Minha pobr eza tal como sempre foi.
Que não sinta o que não tenho.
Não lamente o que podia ter
E se perdeu por caminhos er rados
E nunca mais voltou.
Dai, Senhor, que minha humildade
Seja como a chuva desejada,
Caindo mansa.
Longa noite escura
Numa terr a sedenta
E num telhado velho.
Que eu possa agradecer a vós,
Minha cama estreita,
Minhas coisinhas pobr es,
Minha casa de chão,
Pedr as e tábuas remontadas.
E ter sempre um feixe de lenha
Debaixo do meu fogão de taipa,
E acender, eu mesma,
O fogo alegre da minha casa
Na manhã de um novo dia que começa.
José Carlos Fernandes da Silva,
frei franciscano da Província Santo
Antônio do Brasil, Lagoa Seca, PB.
Endereço eletrônico: carlosfernandes25@yahoo.com.br
Artigo publicado na edição nº 419, jornal Mundo Jovem, agosto de 2011, página 17.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário