sábado, 21 de abril de 2012
Xingu: Por que o Governo Federal financia um filme que depõe contra suas próprias ações?
Luana Soutos e Karol Chaves
Xingu: Por que o Governo Federal financia um filme que depõe contra suas próprias ações?
O conteúdo político do filme até surpreendeu. E foi aí que uma produção cinematográfica bancada pelo Governo Federal abriu brecha para análises nada favoráveis ao próprio governo. Breves discussões chamaram a atenção daqueles que têm um olhar minimamente atento: o fato de as terras brasileiras serem, antes de tudo, propriedade dos índios - o que bem retratou o filme, já que a ilusão que se tem é de que terras não ocupadas pela maioria hegemônica branca, não tem proprietário; a cegueira desvairada de um Estado burguês - que oprime qualquer meio de vida diferente do que impõe -, com as políticas liberais amplamente utilizadas por seus governantes e, mais tarde, vítima da loucura positivista fortemente imposta pelos militares - sutilmente retratadas, mas que denotam a empáfia e força dos mesmos -, cujas idéias atrasadas vigoram até hoje; essas, entre outras passagens do filme são duras críticas à maneira como o país foi e ainda é administrado.O longa produzido, em sua maioria, em terras tocantinense é lindo: esteticamente falando. Toda a valorização feita pelo Governo do Estado do Tocantins durante o lançamento do filme na terça-feira, 10 de abril, na sala do Cinemark, em Palmas, além de uma bela jogada para dar um “up” no turismo da região, acabou sendo um belo motivo para se pensar que, dos estados envolvidos na história dos índios com os irmãos Villas Bôas nas décadas de 1940, 1950 e 1960, Tocantins é um dos poucos que ainda mantém alguma flora natural preservada... porque o vizinho, Mato Grosso, já está tomado pela soja.
Ainda é. Mesmo que alguns entendam o governo atual como um dos mais “sociais”, a bandeira neoliberal continua estendida, larga e alta no Planalto Central, ao lado da nossa bandeira, que ainda carrega a bela frase, orgulho de qualquer milico: “Ordem e Progresso”. Em uma entrevista do diretor do filme, Cao Hamburguer, ele declara que “O Brasil está em posição de se tornar um pioneiro na condução de políticas não agressivas à natureza. Não é preciso destruir para progredir”. E aí que a coisa ficou mais ou menos clara.
A dúvida a respeito do financiamento do filme, ligado ao conteúdo político foi uma coisa que não nos deixou sair do lançamento sem fazer a pergunta ao produtor do filme, Marcelo Torres, que ou não entendeu a pergunta, ou se negou a entender. Num momento em que o Governo Federal é amplamente criticado pelo projeto da Hidrelétrica de Belo Monte, por que se propôs a bancar um longa metragem que depõe contra seu próprio projeto?
Teria o filme a intenção de dizer que as ações dos governos anteriores - deportando índios, colocando tribos historicamente rivais em territórios próximos - seria diferente do que o governo pretende fazer hoje? Teria o filme a intenção de dizer que, por mais que os Villas Bôas tivessem crises por conta do trabalho que fizeram, estavam fazendo uma coisa boa para os índios e isso deve ser repetido para a construção de Belo Monte, em nome do progresso? Ou será que a intenção seria propor: ou saem em paz, ou serão tirados a força? Alguém poderia responder essa pergunta? Porque diante da pergunta, Marcelo Torres apenas respondeu que nesse país se produz o que se quer, o único problema é dinheiro... que na verdade não responde nada, só reafirma a dúvida.
Por mais que tenha havido um esforço para demonstrar os irmãos Villas Bôas como heróis – o que pode ter sido uma falha na apuração dos fatos históricos ou, na linha do nosso raciocínio, mais uma jogada política -, as preocupações que assombravam os irmãos acabaram por sentenciar seu próprio trabalho. Quem assiste Xingu e tem o mínimo de esclarecimento político, social, cultural, ou mesmo algum senso de humanidade, sai de lá amando o que ainda resta de natureza do país, mas odiando ainda mais o projeto Belo Monte, o Governo Federal e a própria história do Brasil.
Luana Soutos é jornalista e acadêmica de Ciências Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso e Karol Chaves é advogada, formada pela Universidade Federal do Mato Grosso e mora há 12 anos no Tocantins.
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