Análise da educação no âmbito do federalismo cooperativo previsto na Constituição Federal de 1988.
Vicente Martins
vicente.martins@uol.com.br
A Constituição Federal de 1988 trouxe, para o federalismo brasileiro, uma distribuição dos poderes de forma equilibrada, ainda que mantendo o princípio do federalismo cooperativo do Estado Providencial, herança do discurso liberal dos anos 80 (século XX). É a partir desse novo ordenamento federativo que se estabelece uma lei da coordenação, isto é, uma relação contígua ou igual entre a União e as unidades federadas. [1]
Com o estabelecimento de um nível de autonomia político-legislativa entre as entidades federativas, a relação entre União e entes federados passou a seguir, no plano das competências legislativas, uma regra da participação estadual no Governo federal a que se denomina lei da coordenação. A tendência do monopólio e a secundarização do papel do Congresso Nacional em matéria constitucional, por exemplo, praticamente foi descartada com a participação virtual dos Estados na co-participação e co-responsabilidade de legislar sobre matérias enumeradas.
Vemos na competência privativa da União de legislar a matéria constitucional do artigo 22, inciso XIXI, da Constituição Federal de l988, um indicador concreto de descentralização política. Tendente à centralização seria , na hipótese da competência referente ao Artigo 22, inciso XXIX, ser exclusiva, o que excluiria, decerto, a participação dos Estados-Membros, o que não é o caso. A técnica da repartição de competências enumeradas é uma herança constitucional dos Estados Unidos em que pese o texto norte-americano, no tocante ao educacional, não enumerar a legislação de uma "diretrizes e bases da educação nacional".
Conforme salienta José Afonso da Silva (1992), a Constituição, ao adotar essa técnica de repartição de competências, que é complexa, busca realizar o que chama de equilíbrio federativo, por meio de uma repartição de competências que se fundamenta na técnica de enumeração dos poderes da União experimentada pelos Estados Unidos.
A novidade brasileira é que nessa repartição de competências há um compartilhamento de poder ou de capacidade legislativa, uma vez que combina essa reserva de campos específicos com possibilidade de delegação de serviços de áreas comuns em que se vêem atuações paralelas entre as quatro entidades federativas. [2]
Assim, o dispositivo constitucional que trata das diretrizes e base da educação nacional, uma lei complementar, resulta de uma competência privativa e delegável porque, como salienta José Afonso da Silva (1992), "Quando se quer atribuir competência própria a uma entidade ou a um órgão com possibilidade de delegação de tudo ou de parte, declara-se que compete privativamente a ele a matéria indicada" (SILVA:1992, p. 419). De modo que o constituinte ao outorgar à União a competência privativa de legislar sobre Educação Nacional utiliza-se do expediente de uma delegação parcial através de uma virtual lei complementar que autoriza aos Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas no artigo 22.
Em substância: longe de uma leitura de que a expressão "compete privativamente à União legislar sobre" possa traduzir-se como um grau de centralização do governo federal, não se vê aí idéia de privação das demais entidades intergovernamentais, especialmente os Estados, que, ao contrário, podem, não tolhidos pela legislação federal, participar co-responsavelmente do processo legislativo. Essa "convivência íntima e solidária" entre as entidades intergovernamentais resultaria, assim da lei de coordenação e da regra de participação estadual na vontade nacional que caracterizam o Estado Federal.
AZEVEDO, Fernando de. A transmissão da cultura: parte 3ª da 5ª edição da obra A Cultura Brasileira. SP: Melhoramentos; Brasília, INL, 1976.
BASTOS, Celso Ribeiro. A Constituição de 1934. In As constituições do Brasil. Brasília, Ministério do Interior, 1986. pág. 1-6.
BASTOS, Celso Ribeiro. A constituição de 1988. In D'ÁVILA, Luiz Felipe(org.). As constituições brasileiras: análise histórica e propostas de mudanças. SP: Brasiliense, 1993. pág. 83-93.
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília, Polis: UnB, 1989.
BONAVIDES, Paulo e ANDRADE, Paes. História constitucional do Brasil. Brasília, Senado Federal, 1990.
BONAVIDES, Paulo. Constituinte e constituição, a democracia, o federalismo e a crise contemporânea. Fortaleza, IOCE, 1987.
CAVALCANTI, Amaro. Regime federativo e a república brasileira. Brasília, UnB, 1983.
CHIRALDELLI JUNIOR, Paulo. História da educação. SP: Cortez, 1991.
CUNHA, Luis Antônio. Educação, estado e democracia no Brasil. SP: Cortez, 1991.
D'ÁVILA, Luiz Felipe (Org.) As constituições brasileiras: análise histórica e propostas de mudança. SP: Brasiliense, 1993.
HORTA, Raul Machado. Estudos de direito constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 1995.
MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. A Constituição de 1967. In As constituições do Brasil. Brasília, Ministério do Interior, 1986. pág. 3-7
MARTINS, Ives Gandra da Silva. A constituição de 1967. In D'ÁVILA, Luiz Felipe(org.). As constituições brasileiras: análise histórica e propostas de mudanças. SP: Brasiliense, 1993. pág. 71-82.
MATTOS MONTEIRO, Hamilton de. Da república velha ao estado novo: o aprofundamento do regionalismo e a crise do modelo liberal. In LINHARES, Maria Yedda L (coordenadora). História geral do Brasil: (da colonização portuguesa à modernização autoritária). RJ: Campus, 1990. pág. 211-227.
MATTOS MONTEIRO, Hamilton de. "Da independência à vitória da ordem". In LINHARES, Maria Yedda L (coordenadora). História geral do Brasil: (da colonização portuguesa à modernização autoritária). RJ: Campus, 1990.
MEIRELLES, Helly Lopes. Direito municipal brasileiro. SP: Malheiros, 1993.
OLIVEIRA, Romualdo Portela e CATANI, Afrânio Mendes. Constituições estaduais brasileiras e educação. SP: Cortez, 1993.
RIBEIRO, Maria Luisa Santos. História da educação brasileira: a organização escolar. SP: Cortez: Autores Associados, 1987.
RODRIGUES, Neidson. Estado, educação e desenvolvimento econômico. SP: Autores Associados: Cortez, 1987.
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 1983.
SAVIANNI, Dermeval. Política e educação no Brasil. SP: Cortez: Autores Associados, 1988.
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Conquista e colonização da América portuguesa(O Brasil Colônia - 1500/1750). In LINHARES, Maria Yedda L.(organizadora) et alii. História geral do Brasil(da colonização portuguesa à modernização autoritária). Rio de Janeiro: Campus: Campus, 1990.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo, Malheiros, 1992
SOUZA, Eurides Brito da. Educação: avanços e recuos na elaboração do texto constitucional - questões para debate. In SOUZA, Paulo Nathanael Pereira e SILVA, Eurides Brito da. Educação: uma visão crítica. SP, Pioneira, 1989. Pág.. 63-87.
STUCKA, Petr Ivanovich. Direito e luta de classes: teoria geral do direito. SP: Acadêmica, 1988.
TEMER, Michel. Elementos do direito constitucional. SP, Malheiros, 1992.
BRASIL, Constituição(1824). Carta de Lei de 25 de Março de 1824. Brasília, DF: Fundação Projeto Rondom - Minter, 1986.
BRASIL, Constituição(1891) .Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil - 24 de fevereiro de 1891. Brasília, DF: Fundação Projeto Rondom - Minter, 1986.
BRASIL, Constituição(1934) Constituição dos Estados Unidos do Brasil - 16 de julho de 1934. Brasília, DF: Fundação Projeto Rondom - Minter, 1986.
BRASIL, Constituição(1937). Constituição dos Estados Unidos do Brasil - 10 de novembro de 1937. Brasília, DF: Fundação Projeto Rondom - Minter, 1986.
BRASIL, Constituição(1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil - 18 de setembro de 1946. Brasília, DF: Fundação Projeto Rondom - Minter, 1986.
BRASIL, Constituição(1967). Constituição da República Federativa do Brasil - 14 de janeiro de 1967. . Brasília, DF: Fundação Projeto Rondom - Minter, 1986
BRASIL, Constituição(1988). Constituição da República federativa do Brasil - 5 de outubro de 1988. Brasília, DF: Ministério da Educação, 1989.
Voltaremos ao assunto.
[1] Id., Ibidem.
[2] José Afonso da SILVA, Curso de Direito Constitucional Positivo, p.419
terça-feira, 5 de julho de 2011
Educação e federalismo cooperativo
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário