quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Entrevista com Pedrinho Guaresch :Uma comunicação que dialoga com o outro



Publicada na edição nº 430, setembro de 2012.

Pedrinho A. Guareschi Professor e pesquisador da UFRGS, autor dos livros Sociologia Crítica e Psicologia Social Crítica. pedrinho.guareschi@ufrgs.br

Neste mês de setembro iniciamos o ano de comemoração dos 50 anos do Mundo Jovem. Neste período, em todas as edições lembraremos um tema que teve destaque ao longo da existência do jornal, para resgatar a história e propor um debate para os dias atuais. E começaremos com o tema da comunicação. Não só porque o Mundo Jovem é um veículo de comunicação, mas porque ela interfere decisivamente em nossa vida. E convidamos para esse debate Pedrinho Guareschi, que acompanhou toda história do Mundo Jovem e foi quem mais escreveu sobre esse assunto em nossas páginas.

• O que a comunicação representa na vida das pessoas?

O tema comunicação é um dos mais discutidos nos dias de hoje, até porque nós vivemos a era da comunicação, em uma sociedade midiada. Na verdade, a comunicação se transformou quase que numa ambiência social. Ela nos rodeia por todos os lados. Ela é como se fosse a água para o peixe, como se fosse o ar que respiramos. Para todo lado que viramos, vemos a comunicação. A comunicação já é quase uma extensão, uma prótese do ser humano. E isso vai aumentando cada vez mais. Agora, com as redes sociais, vemos pessoas que passam até dez horas por dia ligadas à rede. Já existem aparelhos de telefones celulares que incluem internet, televisão e outras redes: é a convergência midiática.

• Em relação aos veículos, há formas diferentes de produzir comunicação?

Eu gostaria de refletir um pouco sobre o que é mesmo comunicação. Normalmente a ideia que se tem é que comunicação é quando se passa alguma informação de um para o outro. Na verdade, esse conceito se modificou radicalmente e profundamente. E essa mudança nós devemos muito ao pensador brasileiro Paulo Freire, quando escreveu o livro Extensão e comunicação. A partir da ideia de que não há aquele que sabe mais e outro que sabe menos, mas há o que sabe uma coisa e outro que sabe outra coisa, comunicação implica necessariamente o diálogo, a aceitação do outro e a participação do outro. É impossível uma verdadeira comunicação que não seja de fato uma interação com as pessoas.

• Então, só informação não é comunicação?

O verdadeiro papel da comunicação não é passar simples informações, é estabelecer o debate nacional. O papel do jornalista e do escritor é levantar dados, informações, para que as pessoas possam julgar com critérios e fundamentos. Exemplo: a BBC de Londres é considerada como uma das melhores emissoras do mundo. Lá, uma notícia demora de cinco a sete minutos. O fato é apresentado e depois se começa a questionar, se contextualiza toda a problemática e não se dá respostas: quem vai formar opinião é o espectador e/ou o ouvinte da rádio. Isso é comunicação. No Brasil, os jornalistas dos grandes veículos parecem deuses do Olimpo, como se estivessem a dizer ou ditar normas para a população. Os grandes telejornais se transformaram quase que em aulas de catecismo, em que o "grande Pai" passa no fim do dia para os seus filhinhos, dizendo o que aconteceu e o que foi certo e o que foi errado. E isso é uma comunicação manipuladora, que não poderia ser chamada de comunicação.

• Como se dá a participação dos telespectadores, ouvintes de rádio ou leitores?

As pessoas não são apenas recebedoras de mensagens na verdadeira comunicação, aquela que faz as pessoas pensarem. Fundamentalmente, comunicar é fazer a pergunta para que as pessoas comecem a refletir. A comunicação deve provocar para que se estabeleça o debate nacional de como nós queremos o nosso Brasil, a nossa cidade, a nossa sociedade. O Evangelho, na Bíblia, é um bom exemplo de verdadeira comunicação. Jesus apresenta uma mensagem em forma de parábolas, de enigmas que fazem as pessoas refletir. Já na sociedade grega só recebia o título de cidadão aquele que falasse, que levantasse e apresentasse o seu projeto. Os meios de comunicação hoje são a nova praça, a nova Ágora, encarregados de estabelecer esse debate nacional, em que todo povo deve opinar, expressar sua opinião, manifestar seu pensamento. E é interessante ver a relação que existe entre comunicação e educação. Freire dizia que a educação consiste em fazer perguntas e não em dar respostas; consiste em problematizar. Depois, através do diálogo, vai se discutindo e crescendo juntos. Essa é a questão séria da comunicação e, paralelamente, da educação. Aliás, comunicação e educação são irmãs gêmeas.

• O Mundo Jovem pode conjugar educação e comunicação?

O Mundo Jovem tem um pé firme nas escolas. É um grande subsídio. Ouço dizer de educadores(as) que a grande força deles(as) para assuntos que interessam aos jovens é o jornal Mundo Jovem. A escola é um local privilegiado, e o bom do Mundo Jovem é que ele já carrega em si essa pedagogia, essa didática de não ficar dando respostas, mas de fazer perguntas. Principalmente que no final de cada matéria, que é curta, como devem ser hoje, existem perguntas para debate. E isso implica necessariamente o diálogo. Eu costumo dizer que uma das piores coisas do mundo é ficar dando respostas a perguntas que não foram feitas. O Mundo Jovem hoje representa o espaço onde se levanta o problema, a problematização. E, na minha opinião, ele consegue manter as escolas dentro dos problemas verdadeiros da juventude. Sei que o Mundo Jovem faz uma pesquisa a cada ano, em que os leitores apontam os problemas que querem que sejam debatidos.

• A escola também pode colaborar na formação de novos comunicadores?

A difusão espantosa das redes sociais é um tema que me provoca. Gostaria de dizer que esta é, sim, o que chamamos de uma comunicação alternativa. É alternativa porque cai fora daquela comunicação tradicional, dos grandes meios. As mídias sociais, as redes sociais, são um passo à frente e decisivo que muda qualitativamente a questão da comunicação no Brasil e no mundo. Agora, eu gostaria de chamar a atenção para um ponto: de nada adianta essa modificação do meio alternativo se ele continua com a prática dominadora que os outros meios tinham, de só darem respostas, de serem os donos da verdade. Vem então o problema da formação, da educação dos novos comunicadores, que no fundo somos todos nós. Mas as pessoas que se dedicam a isso devem ter a consciência de que estão prestando um serviço às pessoas e não são detentores de uma verdade única. Isso é decisivo na minha opinião. Pode ser o meio que quiser, o importante é essa consciência.

• E a formação de jornalistas?

O estudante, o candidato a jornalista, deve começar a ver pedagogicamente como ele pode prestar esse serviço. Evidentemente que ele deve ter um conhecimento amplo das questões. Não pode discutir questões que não entende. E não é só o jornalista que fala. Há pensadores, pesquisadores que têm muito a falar. Eles precisam ser colocados na mídia para fazerem a provocação e dizerem sua palavra. O jornalista é o que faz toda essa articulação para uma comunicação verdadeiramente democrática e participativa numa sociedade. Mas o ponto fundamental é ele saber que não é o dono da verdade, que não tem a última palavra. É verdade que, pelo fato de proliferarem muitos comunicadores nas redes sociais, muitos já têm a possibilidade de dizer a palavra, não só comunicadores específicos. Isso, em parte, é positivo, contanto que eles de fato possam ter sempre presente a importância de que estão prestando um serviço aos outros, com quem estão em contato, para a construção de uma sociedade justa e participativa.

• Sobre comunicação, que recado você daria para o jovem?

Há uma grande diferença entre meio e mensagem. A mensagem é exatamente aquilo de mais profundo que nós queremos passar para os outros. Agora, o meio, ele varia enormemente. E nós temos hoje, através das redes sociais, diferentes maneiras de passar mensagens. Quando dizemos que não se deve ser autoritário na comunicação, não quer dizer que não se deve colocar os projetos. Devemos sempre colocá-los com essa alternativa ou com essa condição de que esse é o meu pensamento. Aí se estabelece realmente o debate e o diálogo. É através dessa prática argumentativa, na qual cada um diz o que pensa, em pé de igualdade, que se poderá ver e decidir qual será o melhor para a sociedade. O segredo é fazer que todos falem, porque todos têm projetos, opiniões, pensamentos. Daí que, quase misteriosamente, surgem alternativas para a solução dos problemas. Isso é fantástico e isso é de fato a comunicação: todos têm um saber. O meio deve propiciar a chance de falar.

"O jornal das coisas novas"

Penso que o jornal Mundo Jovem, que está fazendo os seus 50 anos, desde o início quis ser uma comunicação autêntica e verdadeira. Em primeiro lugar, começou a ser feito por pessoas jovens. Superava a dicotomia de que o adulto sabe e que o jovem não sabe. E foi interessante como o jornal foi aceito por esse Brasil afora. É conhecido em quase todos os municípios brasileiros.

Mas o Mundo Jovem logo pensou em recolher o que os jovens gostariam de discutir. Já fazia o trabalho interativo de buscar, e hoje faz especialmente através de uma pesquisa anual. E depois provoca uma reflexão sobre esses temas. Não para dar respostas, mas para fazer perguntas, para que os jovens, nos lugares esparramados por esse Brasil todo, possam realmente discutir, falar, ver, argumentar e, enquanto possível, mandar também as conclusões deles.

Para mim, o Mundo Jovem é uma experiência muito grata, principalmente por esse cuidado em manter o diálogo com a juventude. O ser humano se distingue de todos os outros seres vivos exatamente pela capacidade que ele tem de refletir, de pensar, de fazer a pergunta. E esse jornal de ideias, que evita comerciais, proporciona a discussão dos grandes problemas nacionais, e principalmente dos referentes à juventude.

Decididamente o jornal Mundo Jovem é um dos responsáveis pela força criadora e renovadora dentro da Pastoral da Juventude, tanto assim que era o órgão específico da Pastoral da Juventude. Durante três anos percorri o Brasil de ponta a ponta juntamente com outros assessores da CNBB, principalmente o padre Jorge Boran, que era o encarregado da Pastoral da Juventude, e víamos o respaldo que o Mundo Jovem nos dava, especialmente quando queríamos que continuassem os grupos de reflexão, continuasse gente pensando e, principalmente gente engajada em ações.

E agora, depois dos 50 anos, eu diria que se o Mundo Jovem deixar de prestar atenção aos jovens, ele vai se perder, porque vai perder o seu carisma. E o carisma do Mundo Jovem é justamente ser o responsável pela identificação dessas novas ideias que vão surgindo. As coisas estão se modificando e ninguém segura os tempos.

Se o Mundo Jovem quiser manter por mais 50 anos a sua atuação, a sua força, a sua beleza, deve prestar sempre atenção às coisas novas. O Mundo Jovem é o jornal das coisas novas.

O que esperar de adolescentes e jovens?

Artigo sobre valores e saberes dos jovens de hoje.

Cada idade tem sua sabedoria. Aprendemos a valorizar os idosos, por exemplo, porque nos fazem viva a memória de nosso passado, com os valores vividos e que nos servem de referência. A juventude também tem a sua sabedoria. Um exemplo é a facilidade que os jovens têm para lidar com os novos meios eletrônicos, com as novas tecnologias.

O próprio Papa Paulo VI já dizia, em 1971, que devemos ouvir a sabedoria dos jovens: “é conveniente até que certos jovens sejam mestres e educadores dos seus companheiros. A sua idade permite-lhes assimilar novos tipos de cultura e comunicá-la aos da sua geração”. Neste sentido, a sabedoria dos jovens corresponde a uma utopia que nos faz olhar para o futuro, a uma projeção do que desejamos. É preciso olhar com cuidado para a juventude. Nela, a realidade social e os dramas da condição humana estão presentes de forma mais intensa. É a ponta do iceberg. Como diz a socióloga Marília Spósito, “o modo como uma sociedade olha a juventude é uma metáfora do modo como ela olha para si mesma”.

Que geração é essa? É fato que mudou muito o jeito de ser adolescente de algumas décadas para cá. Na verdade, mudou porque o mundo mudou e mudamos todos nós. São mudanças que trazem perdas e conquistas. Se, por um lado, ganhamos em liberdade e pragmatismo, por outro, perdemos em idealismo e encantamento. Uma das características desta geração (anos 2000), fruto da revolução tecnológica, é o desejo de fazer tudo-ao-mesmo-tempo-agora: estudar, ouvir música, vasculhar a internet. Também conhecida como geração Z - de zapear -, esta geração é formada por nativos digitais, que já nasceram num mundo marcado pela internet. Não imaginam a vida sem computador, chats, redes de relacionamento, ipods ou telefones celulares.

Sempre conectados, em geral são mais informados e com interesse por diversos assuntos. São capazes de conectar-se com uma vasta rede, mas sem profundidade. A velocidade é tão grande que refletem pouco sobre as informações, não avaliam nem interpretam e sentem muita dificuldade em definir prioridades. É uma geração ansiosa, porque está exposta a um excesso de informação, pelo qual a concentração e a reflexão se tornaram capacidades raras.

Aprendendo com eles e for necessário recuperar um programa no computador, basta chamar o adolescente mais próximo. São eles também os consultores da família na hora de adquirir um novo aparelho eletrônico. Nós, adultos, devemos aprender com os adolescentes e jovens a abrir janelas sem ter vergonha de aprender com eles. Os jovens estão mais abertos ao futuro. Aprender com os jovens que ser multimídia e ficar conectado a inúmeros aparelhos permite trocar conhecimentos com mais pessoas simultaneamente e receber informações amplas sobre o mundo. Não podemos querer voltar atrás e achar que os jovens vão abrir mão desses prazeres e facilidades.

Mas aprender também com a pergunta: o que vale mais, a preservação de nossas forças, que nos garante uma vida mais longa, ou a liberdade da máxima intensidade e variedade de experiências? Melhor viver a mil, em menos tempo, ou viver com moderação, em mais tempo? Melhor ficar acordado até tarde pelo prazer da companhia ou voltar cedo para casa, já que, no outro dia, os compromissos nos esperam? O prazer ou a vida? Para os jovens, para quem a morte parece muito distante, parece não haver dúvida de que é preciso viver intensamente o momento presente, pois “o tempo não para”. Este é um questionamento que nos desafia a, novamente, perguntar: será que temos outras razões, que não seja apenas a decisão de durar um pouco mais, a fazer que nos privemos dos prazeres da vida? Qual é o critério do bem ou do mal quando a paixão de viver é tão grande que ameaça nossa própria vida?

O mais importante é que as gerações se encontrem. A juventude é muito veloz e capaz, mas não lida bem com perdas e frustrações. A família é o lugar onde os filhos são preparados para crescer e tornarem-se independentes. O adolescente necessita conquistar seu espaço no mundo adulto, fazendo suas próprias escolhas. Porém são poucos os jovens em condições de vislumbrar alternativas para o seu projeto de vida, poder escolher e realizá-lo. Em gestos e manifestações, mesmo naquelas mais arriscadas, os jovens estão dizendo: “é a vida que amamos e buscamos”.

A nossa esperança no futuro depende da resposta que daremos à seguinte questão: o que fazer juntos para que possamos viver mais e melhor? Ou seja, é preciso uma ética da cooperação e da solidariedade, superando o individualismo e a competição, muito presentes em nossas ações.

Rui Antônio de Souza teólogo, mestre em Comunicação Social, da equipe do jornal Mundo Jovem, Porto Alegre, RS. ruisouza@mundojovem.pucrs.br

Texto publicado no jornal Mundo Jovem, edição nº 411, outubro de 2010, página 10.

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