sábado, 23 de março de 2013

Vila Bela da Santissima Trindade: A eterna capital de Mato Grosso


Vila Bela comemora 252 anos em 19.03

João Bosco da Silva[1]
           
              A capitania de Cuiabá e Mato Grosso foi desmembrada da capitania de São Paulo pelo Alvará de 09 de maio de 1748. Para tanto necessitava de uma sede administrativa, pensando por esse aspecto e buscando ampliar seus domínios na America a coroa portuguesa resolve edificar a Vila-Capital na Repartição de Mato Grosso e assim foi pensada Vila Bela da Santíssima Trindade.
            Vila Bela da Santíssima Trindade foi planejada e edificada durante o governo de D.
Planta Baixa de Vila Bela da Santíssima Trindade de 1789. Fonte: Nestor Goulart Reis. Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial, 2000. p. 260. Autor desconhecido.
Antônio Rolim de Moura
que administrou a nova capitania entre 1748-1765. Com todo aparato para ser a Vila-Capital nela fora construída casa da câmara, palácio governamental, cadeia, casa de fundição, praças, o centro de poder propriamente dito, construções que passaram a fazer parte do cenário urbano.
            A edificação da vila-capital, era a representação maior da posse da coroa portuguesa no extremo oeste da capitania de Cuiabá e Mato Grosso.
             A idealização de Vila Bela da Santíssima Trindade começa a partir de 1748, com insígnia de ser sede política de um espaço fronteiriço. E, logo que começou a ser edificada, às margens Rio Guaporé, a vida dos seus moradores passou a ser regulamentada pelas Posturas Municipais, colocadas em prática a partir de 1753 (Rosa & Jesus, 2003, p. 195 a 212).
D. Antonio Rolim de Moura Tavares, escolheu o lugar estratégico onde seria edificada a Vila-Capital. “Em novembro, (de 1751) com a estação das águas ele resolveu ir observar pessoalmente a enchente daquele verão. Em vez de seguir por terra, rodou o Guaporé abaixo e se encantou coma beleza de um sítio chamado ‘Pouso Alegre’ ”(Canavarros, 2004, p.323). Deve-se ter em conta que a Vila do Bom Jesus do Cuiabá, fundada em 8 de abril de 1719, sendo o primeiro núcleo colonizador, foi descartada para ser a Capital da Capitania por questões de alargamento e definição de fronteira.
O encantamento despertado em D.Rolim de Moura fez com ele selecionasse entre vários outros lugares este sítio para edificar a capital da recém-criada capitania. “Elegeu esse lugar por ter um clima menos doentio que dos arraiais” (Santos, 2001, p.71) [refere-se aos antigos arraiais mineradores, localizados na serra de São Vicente, local onde se deu início a colonização da região denominada Mato Grosso].
             “Estar quase na margem do Guaporé [...] ser defensível, ter campos com pastos para os animais dos moradores, capões abundantes de lenha e mesmo de madeira, ter na sua proximidade, grandes matas onde se podiam fazer estabelecimentos de lavoura”, (2001, p.71) pesaram na escolha desse local para a edificação da capital esta no fato de além de ser sadio, ser facilmente defensável e situado estrategicamente, num ponto extremo ocidental da Capitania, salvaguardando a posse portuguesa sobre esses territórios.
             E, Rolim de Moura encontrou no local onde seria a futura sede do governo da capitania de Cuiabá e Mato Grosso “tudo o que uma vila precisava: boa água, campos, florestas e via de comunicação esplêndida. Atendia em tudo aos requisitos reais e ficava à beira do Guaporé” (Canavarros, 2004, p. 323).
             E, a 19 de março de 1752 a Vila-Capital começa ser erigida e passa a ter o nome de Vila Bela da Santíssima Trindade. De acordo com Provisão Régia de 5 de agosto de 1746, vários incentivos foram dados às pessoas que optassem por fixar moradia ali, entre os quais pode-se citar: “Pagamento de meio quinto ou meia capitação, não pagamento dos direitos de entrada e o não pagamento dos dízimos por tempo de doze anos, não execução por divida contraídas fora da vila e de seu distrito dentro de três anos” ( Leverger, 2001, p.42).
Portanto a coroa portuguesa de tudo fez para que as pessoas fossem se estabelecer na Vila-Capital de Mato Grosso e com esse processo garantir a posse efetiva da região para os lusitanos. Visto que de acordo com o tratado de limite de 1492, estas terras pertenciam oficialmente à coroa da Espanha, por isso:
Era importante para os portugueses a criação de uma vila no Extremo Oeste que auxiliasse o povoamento. [...] No início, a vila se resumia a um tronco de piúva, servindo de pelourinho. Fincado no meio do descampado, sinaliza o centro da futura praça. [...] (2004, p.324)
Em carta de 22 de novembro de 1752 a Dom José I, rei de Portugal, Rolim de Moura argumenta:
Escolhi para a praça principal um terreno mais alto e fora de todo o risco das cheias [...] distante do rio quinhentos passos [...] com os quatro lados da dita praça [...] determinei o que fica ao oriente para a matriz e do poente para as Casas da Câmara, e do norte para as residências e do sul para quartéis. Saem de cada ângulo da mesma praça duas ruas em direitura cada uma de cada um dos lados [...] e lhe dou setenta palmos de largo. [...] As casas todas vão bem perfiladas [...] enquanto a igualdade e simetria das fachadas me têm relaxado. [...] As casas que agora fazem não são muito dura, por serem de pau-a-pique (Canavarros, 2004, p.325)
           
Percebe-se através desta carta que desde o princípio houve preocupação para com o espaço urbano da Vila–Capital, as casas perfiladas, a simetria das ruas, e a praça como principal edificação da vila, orientando as outras construções.
             Como parte da política urbanística setecentista a edificação de Vila Bela da Santíssima Trindade na fronteira com as terras de Castela constituía uma vitória e representação de poder do Estado luso no extremo oeste da América portuguesa, pois, “as cidade e vilas colônias tornaram cenários privilegiados da dinâmica do poder do Estado metropolitano nos territórios, principais centros urbanos, palco físico e simbólico das estruturas do poder político e econômico da Metrópole, espaço de sua plena visibilidade e ao mesmo tempo lugar no qual nada deveria escapar à sua ação e controle” (Bicalho, 1998, p. 43).
            Em 1772, chega à capitania de Cuiabá e Mato Grosso o 4º capitão general e governador, Luis de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, militar de carreira, pessoa de confiança da coroa portuguesa, especialmente do marquês de Pombal. Ele, como outros capitães generais que o antecederam (1º Governador da Capitania do Mato Grosso e Cuiabá: D. Antonio Rolim de Moura Tavares (17/01/17751 a 25/09/1749); 2ª Governador: João Pedro da Câmara (01/01/1765 a 03/01/1769); 3º Governador: D. Luis Pinto de Souza Coutinho (03/01/1769 a 13/12/1772) traz consigo ‘Instruções’ de como proceder para bem governar a capitania.
            Entre seus projetos, pretendeu o 4º capitão general e governador da capitania de Cuiabá e Mato Grosso, redimensionar o perímetro urbano da vila, fazendo com que as novas construções fossem levantadas o mais longe possível do rio Guaporé, pensando assim numa maneira prática de salubridade.
            A VILA BELA QUE LUIS DE ALBUQUERQUE ENCONTROU
Vila Bela, os arraiais e povoados da Repartição de Mato Grosso (A Capitania de Mato Grosso, criada em 1752, foi dividida em duas repartições: a do Cuiabá,cujo principal aglomerado urbano se concentrava na Vila Real do Bom Jesus; e a do Mato Grosso, tendo Vila Bela como principal aglomerado urbano), em 1772, ano da chegada de Luis de Albuquerque, “era habitada por cerca de 4.200 pessoas, sendo em sua maioria homens entre 16 e 50 anos – quase 2.377, e 18,5% de mulheres. O contingente feminino era, portanto bem menor; o total de mulheres entre 15 e 50 anos não chegava a 528” ( AHU,Cx. 15.Doc. 90).
Vale salientar também que a Vila-Capital era um lugar visivelmente mestiço, pois 2/3 de seus habitantes eram negros, índios e mulatos. Estes eram quem ocupavam as mais diversas funções na vila, trabalhando como pedreiros, barbeiros, ambulantes, domésticos, entre outras atividades. Por sua vez, a população branca que representava 1/3 do total dos habitantes, se dedicava ao comércio e à mineração ou exercia funções ligadas a órgãos governamentais.
            Em termos de estrutura urbana, o novo governador encontrou na sede da Vila-Capital, além igreja da Matriz, mais duas capelas, a de Santo Antonio e a de Nossa Senhora Mãe dos Homens ou do Carmo, e quatro capelas sucursais localizadas nos arraiais mineradores próximos a Serra de São Vicente. Eram as capelas de:
São Francisco Xavier da Chapada, distante 10 léguas; a de Nossa Senhora do Pilar, a igual distancia; a de Santana, 12 léguas distante, e a de São Vicente, a 19 léguas. Nesta ocasião as igrejas das antigas localidades de Lamego e Leonil já se achavam abandonadas, por falta de sacerdotes (Leverger,2001, p.68).
Aliás, a ausência de religiosos era sentida também na própria Capital, pois como bem nos demonstra Leverger, mesmo a Matriz daquela Vila: “Desde de sua fundação achava-se servida por párocos encomendados. O seu rendimento excedia a cinco mil cruzados pouco mais ou menos” (2003,p. 89).
            Isto, entretanto não significou a ausência do poder religioso sobre a população vilabelense, como em outras localidades coloniais lusitanas, ali também, o tempo era regulamentado de acordo com as regras da Igreja visto que era essa instituição que direcionava a hora de abrir e chegar às tavernas e casas comerciais, por exemplo, as tavernas não poderiam abrir depois da Ave Maria, ou seja, todas deveriam fechar às dezoito horas.
            A praça principal da vila abrigava os diversos edifícios públicos, tais como a Matriz, Casa da Câmara, e Cadeia, Casa de Fundição, Real Fazenda. 
            Na Vila-Capital, quando da chegada do 4º capitão general os preços dos produtos eram super faturados, levando-o a proibir, em 1773, que “Os vendilhões abusassem da sua posição para vender seus genros por exorbitantes preços” ( Rohan, 2001. P.68).
Com referência à segurança, era um tanto quanto precária, já que “[...] a sua defesa consiste na sua situação, nos rios que lhe serve de barreira, nos bosques e pantanais que o circundam, e finalmente num sertão de 50 léguas, incultos e quase desconhecidos que o separa da Província de Chiquitos” ( 2001,p. 56).
            Portanto, a Vila-Capital que o 4º capitão encontrou era pouco guarnecida, valendo-se mais da própria natureza do que de um aparato militar e, para completar a situação, a pouca tropa que havia sido deixada por Luis Pinto de Souza Coutinho, antecessor de Luis de Albuquerque - de acordo com o artigo 13º das ‘Instruções’, era insolente, indisciplinada e não respeitava as regras impostas.
Em carta que dirigiu em 1773 ao secretário do Estado da Marinha e Ultramar Martinho de Melo e Castro, Luis de Albuquerque queixava-se: “As Ordenanças [...] desta vila consiste em alguns centos d’homens, de que apenas uma sexta ou sétima parte serão brancos; sendo todos os mais, mulatos, índios e negros forros [...]”( AHU,Cx.15. Doc.90).
            Percebe-se, pois, que ao lado da seguridade, o governador faz uma observação sobre a composição étnica da população vilabelense, salientando que a mesma era composta na sua maioria por não brancos. No mesmo documento e complementando suas descrições sobre a população masculina que poderia ser chamada no caso de defesa, conta-nos ainda que a maior parte dos homens com idade de pegar em armas para defender a região de fato não eram moradores estabelecidos naquela localidade, tendo mais uma relação efêmera, pois:
Porquanto sendo muito poucos os homens que se acham com estabelecimento fixo nestas colônias; mal se pode contar com eles sem a evidente contingência de só encontrarem quanto foram preciso para qualquer expedição; porque a maior parte dos referidos ou são negociantes que continuamente giram para o Para, Bahia, Rio de Janeiro, e por conseqüência não residem no País ou são homens sumamente endividados e perseguidos, que por evitar os seus credores, raras vezes se resolvem a sujeição de viver na sociedade das povoações [...] (AHU, Cx. 15. DOC. 90)
            Durante o longo governo de Luis de Albuquerque (1772- 1789) esse governante
 Usou de variadas estratégias para minimizar os efeitos dos fenômenos naturais que ocorriam na vila-capital, entre os quais a constantes enchentes do Rio Guaporé. Logo que toma posse, Pereira e Cáceres passou a recomendar que as novas construções da vila fossem levantadas ao máximo de distância das margens do rio Guaporé.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Vila Bela da Santíssima Trindade pensada e edificada no extremo oeste da capitania de Cuiabá e Mato Grosso para ser a vila-capital de uma das capitanias mais importantes para a Coroa portuguesa, pois guardava em seu interior riquezas ainda por ser explorada, por isso essa capitania mereceu da metrópole atenção especial, e como essa terras de acordo com Tratado de Tordesilhas (1492) pertenciam à Espanha, era necessário buscar formas de garantir a posse das mesmas aos lusos, entre essas formas foi pensar e edificar uma vila na Repartição de Mato Grosso, e assim que foi feito.
Nessa vila foi criada todo instrumental arquitetônico para ser a Vila-Capital que ao seu tempo como foi demonstrado ao longo desse escritos serviu de antemural da América portuguesa e consecutivamente garantiu aos lusos a pose efetiva desta vasta e rica região. Plantada no extremo oeste da capitania de Cuiabá e Mato Grosso, em um espaço estrategicamente conveniente em um momento em que os tratados de limites ainda estavam sendo negociados entre as coroas ibéricas, tal vila serviu representou vitória das conquistas dos lusos aos longínquos e inóspitos ‘sertões’. E, entre 1752 a 1835 Vila Bela da Santíssima Trindade serviu de sede administrativa de Mato Grosso.
Hoje Vila Bela não tem mais o status de capital, porém é inegável sua importância no contexto nacional e regional, visto em um momento adequado serviu de sentinela das terras brasileiras. E, ao comemorar mais um aniversário desta cidade é necessário destacá-la sempre como antemural de toda América portuguesa, pensada e edificada para guarnecer e proteger os domínios portugueses na América.            
BIBLOGRAFIA CONSULTADA
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BRESCIANNI, Maria Stella. História e Historiografia das cidades, um percurso. In. FREITAS Marcos Cezar de (org.) Historiografia Brasileira em Perspectiva. Editora Contexto. 2003
 CANAVARROS, Otávio. O Poder Metropolitano em Cuiabá (1727-1752) Editora da UFMT. Cuiabá – MT. 2004.
COSTA, Maria de Fátima. Alexandre Rodrigues Ferreira e a capitania de Mato Grosso: Imagens do interior. História, Ciências e Saúde – Manguinhos. Vol. VIII (Suplemento). 2001.
DELSON, Roberta Marx. Novas Vilas para o Brasil Colônia – Planejamento Espacial e Social n Século XVIII Edições ALVA CIORD. 1997.
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LEVERGER, Augusto (Barão de Melgaço). Apontamentos Cronológicos da Província de Mato Grosso. IHGMT. Cuiabá – MT. 2001.
MUNFORD, Lewis. A cidade na Historia: suas origens, transformações e perspectivas. (Tradução Neil R. da Silva) 4ª ed. São Paulo – SP. Martins Fontes, 1998.
ROHAN, Henrique B. Anais de Mato Grosso. IHGMT. Cuiabá-MT. 2001.
OLIVEIRA, Edevamilton de Lima. A Povoação Regular de Casalvasco e a Fronteira Oeste do Brasil Colonial (1783 – 1802) Dissertação de Mestrado. UFMT. 2003.
PAIVA, Ana Mesquita Martins. Os índios Paiaguais lutaram até o fim. Suplemento Mensal do Diário Oficial do Estado. Cuiabá, ano 1, nº 8, 1987.Citado por Otávio Canavarros.
VERÍSSIMO, Francisco Salvador. Vida Urbana: A evolução do cotidiano da cidade brasileira. Rio de Janeiro. Ediouro, 2001.
PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Considerações sobre a ação urbanística do período pombalino. In: Revista Agora. V 1 nº 1 março de 1995. Santa Cruz do Sul. Editora da UNISC. 1995.
ROSA, Carlos Alberto e JESUS Nauk Maria de. A Terra da Conquista: História de Mato Grosso Colonial.  Editora Adriana. Cuiabá.  2003.





[1] Mestre em História pela UFMT. Desenvolveu pesquisa com o tema: “Vila Beal à época de Luis de Luis de Albuquerque (1772 – 1789)”. Atualmente esta lotado SEDUC/MT - Gerência de Diversidade. Contato: joao.silva@seduc.mt.gov.br

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