Ana Emília
O panorama econômico e cultural do Brasil sofreu uma mudança profunda a partir da metade o século XIX, até depois da Primeira Guerra Mundial, com a alteração da urbanização e industrialização na vida cotidiana, onde as mulheres passaram de uma forma crescente, ocupar espaços nas ruas, indo trabalhar fora do lar e com presença marcante nos bancos escolares, iniciava uma irreversível transformação na vida dessas brasileiras.
Susan Besse, em seu livro Modernizando a Desigualdade, traz a compreensão do quanto essa transformação da infraestrutura econômica, somada à alfabetização das mulheres, ao cinema, aos meios de comunicação e de transporte, a substituição de bens produzidos em casa pelos oferecidos pelas casas comerciais, alterou radicalmente o ritmo de vida e os contatos entre mulheres e homens. A estas mudanças foram agregados comportamentos e valores de outros países, os quais foram confrontados com os costumes patriarcais brasileiros, que embora enfraquecidos ainda vigentes.
Ainda segundo Susan, dentre estas mudanças destacou-se a discussão obre o casamento. Graças à educação e ao trabalho remunerado, as mulheres das classes altas e médias, adquiriram maior poder social e econômico e passaram a protestar contra a tirania dos homens no casamento, sua brutalidade, sua infidelidade, seu abandono, temas estes frequentes entre escritoras, jornalistas e feministas dos anos de 1920, tais como: Cecilia Bandeira de Melo Rebêlo de Vasconcelos, Elizabeth Bastos, Iracema, Amélia de Resende Martins e outras, além das sem número de leitoras da Revista Feminina. Nesta época se apontava que maridos tinham sido assassinados por mulheres brutalizadas, sendo dada a interpretação de crises na família e no casamento, cujos responsáveis seriam a paixão e o trabalho feminino.
Afirmava-se naquela época e ainda hoje que o trabalho feminino fora de casa provocava a desagregação da família. Eis a forte razão para o Estado incluir no Código Civil Brasileiro de 1916, a autorização do marido para que a mulher, sem qualquer distinção de classe social, pudesse trabalhar. Afirmava-se também que quanto ao casamento, havia a necessidade de retirar o lado romântico da união por amor, vindo substituir pelo amor civilizado, dotado de razão, excluindo a paixão, esta a principal responsável pelos crimes passionais.
Um dos mais graves problemas da época eram os crimes passionais, estes constituíam uma verdadeira epidemia para algumas feministas. Os promotores públicos Roberto Lyra, Carlos Sussekind de Mendonça, Caetano Pinto de Miranda Montenegro e Lourenço de Mattos Borges, encabeçando um movimento contra esses assassinatos, fundaram o Conselho Brasileiro de Hygiene Social, cujo objetivo era coibir e punir os crimes passionais tolerados pela sociedade e pelo Poder Judiciário. Não era a defesa das mulheres que eles visavam, mas pretendiam proteger a instituição familiar (BESSE, 1999).
A atitude dos promotores de Justiça, mais a ação das mulheres nas décadas de 1920 e 1930 em conjunto com o magistrado Nelson Hungria, apontam o gravíssimo problema do assassinato de companheiras e esposas existente até os dias atuais. Infelizmente a violência doméstica e familiar é uma atualidade realidade triste e cruel, muitas mulheres ainda perdem a vida em “nome da honra”, resquício de uma educação machista, preconceituosa e sexista de milhares de brasileiras e brasileiros.
Ana Emilia Iponema Brasil Sotero é professora, advogada, doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais, palestrante sobre violência de gênero, presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher de Mato Grosso e escreve exclusivamente para este blog toda sexta-feira - soteroanaemilia@gmail.com - http://facebook.com/AnaEmiliaBrasil
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