Professora do Instituto de Educação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Marise Ramos acompanhou de perto o início da implantação do Ensino Médio Inovador. Em entrevista, ela faz uma avaliação do programa.
Do Observatório da Educação
Ter, 24 de Maio de 2011
Professora do Instituto de Educação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Marise Ramos acompanhou de perto o início da implantação do Ensino Médio Inovador. Em entrevista ao Observatório da Educação, ela faz uma avaliação do programa e critica o conceito que, segundo ela, tenta transformar o ensino médio em algo mais interessante, mas que deixa o conhecimento científico distante da classe trabalhadora.
Observatório da Educação - Como a senhora avalia o programa?
Marise Ramos – Eu acho que esse programa tem alguns pontos positivos. Especialmente por considerar que as escolas têm uma capacidade de propor organizações curriculares que sejam produto das suas próprias necessidades, construções e debates junto a suas respectivas comunidades.
Por outro lado, a ideia de inovação do programa não é boa em vários sentidos. Ela tem um pressuposto de que o que é novo é bom – e não é necessariamente assim. A ideia de renovação tem alguns problemas. Não se pode associar necessariamente a novidade a algo bom; pode não ser, principalmente quando o que é novo descarta questões ou experiências tradicionais, consolidadas e importantes.
A proposta desse programa surgiu no contexto que foi chamado de “o apagão no ensino médio”, devido às baixas notas do Brasil nas avaliações internacionais. O problema da qualidade do ensino médio estaria [de acordo com o projeto], na obsolescência dos seus currículos, que não despertariam interesse nos alunos, que, por isso, não se comprometeriam a estudar e não teriam o desempenho adequado.
Observatório – Segundo o MEC, o Ensino Médio Inovador quer tornar esta etapa do ensino mais atraente aos alunos. Ele tem cumprido este papel?
Ramos – Há uma certa lógica, tanto no Ensino Médio Inovador quanto no ensino profissionalizante de que o jovem não se interessa pela escola e que temos de torná-la mais interessante. Acho um senso comum falso, usado inclusive nos argumentos dos governos.
Veja que isso não é um problema da burguesia. Nos melhores colégios do Rio de Janeiro, os jovens não querem sair da escola porque ela é desinteressante, porque elas trabalham com conhecimento científico. Às vezes me parece uma leitura insuficiente da realidade.
Dá uma falsa ideia de que a escola interessante é a escola do lúdico, que fomenta o protagonismo juvenil, ou no sentido oposto, boa é a que prepara pra o mundo do trabalho. Para mim, a boa escola é a que proporciona ao jovem o acesso ao conhecimento.
O âmago da questão é colocar que há a necessidade de ele deixar a escola para trabalhar. Temos que dar meios para que ele fique na escola e adie seu ingresso na atividade produtiva. E, por outro lado, dar acesso ao conhecimento, e isso tem sido negado historicamente às classes trabalhadoras. Qual é o compromisso dessa instituição tão fundamental como a escola com o conhecimento científico?
Não defendo um conhecimento conteudista, mas o conhecimento científico tem uma razão de existir, é necessário que as novas gerações se apropriem dele num processo de integração. As ciências integradas, as dimensões concretas da vida, como o trabalho e a cultura.
Eu acho que a proposta resvala para uma visão um pouco “expontaneísta” da escola. Enquanto isso, O Brasil Profissionalizante resvala numa visão instrumental. Não convirjo com nenhuma das duas. Se a escola é boa, o jovem também sai instrumentalizado, se há integração.
Observatório – A senhora concorda com a forma com que o governo conduz o programa?
Ramos – O Ensino Médio Inovador foi implantado por meio da adesão. Eu acho que o governo deveria ter, na verdade, uma postura de coordenação política consistente da concepção de ensino médio do país, e não por meio de um projeto por adesão. Ela deveria articular um movimento de organização, apoio e fomento dos sistemas de ensino para a melhoria do ensino médio em todos os aspectos que são pertinentes.
A questão é até que ponto a gente tem uma política pública. Porque, se for uma experiência, a história da educação já está cheia.
Observatório – Ao mesmo tempo que o governo cria o Ensino Médio Inovador, implanta outros programas que vão em outro sentido, como o Brasil Profissionalizado e o Pronatec. Não falta coerência às políticas educacionais?
Ramos – A política do governo Lula avança em vários aspectos, mas tem reiterado essa dualidade, a existência de dois ensinos médios. Um de caráter propedêutico e outro profissionalizante.
Há uma coerência de fundo. O Ensino Médio Integrado, por exemplo, é uma concepção que tem algumas dimensões, como a integração entre ensino médio e educação profissional. Outra é a integração no currículo do ensino médio, seja profissionalizante ou não, mexendo nos eixos de trabalho, ciência e cultura. Antes de ser um programa, ele é uma concepção. O Ensino Médio Inovador bebeu na mesma fonte do Ensino Médio Integrado, e está na secretaria de educação básica.
Já o Brasil Profissionalizante é uma iniciativa da outra secretaria e que visa fomentar os sistema de ensino a fazer um ensino médio que integre ao ensino profissional. Digamos que cada uma [secretaria] tentou atuar em sua área, um tratando da educação básica e outro na educação profissional.
A secretaria de Educação Básica possui uma política de caráter propedêutica e, do outro lado, você tem outra secretaria incentivando a o ensino médio profissionalizante. A tendência dessa segmentação é você reiterar uma lógica dual na concepção do ensino médio. Você vai ter um ensino médio de qualidade, em tese, que visa a incorporar dimensões mais integrais da formação e outro profissionalizante, restrito e de caráter predominantemente profissionalizante.
A coordenação dessas políticas com uma lógica unitária é o que a gente persegue. Nessa lógica dual se repete o debate das diretrizes curriculares do ensino médio e do profissionalizante. De início, eu achava completamente desarticulado. Nós temos trabalhado muito para que essas diretrizes se comuniquem, ou teremos dois tipos de ensino médio no País.
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segunda-feira, 30 de maio de 2011
Pesquisadora contesta conceito de inovação em programa do MEC no Ensino Médio
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