domingo, 11 de dezembro de 2011

Entrevista - Miriam Abramovay - Os tempos mudaram... E a escola?

Entrevista publicada na edição nº 371, outubro de 2006.

 
Acreditar na escola como espaço e nas educadoras e educadores como atores de uma educação socializadora e humanista é uma exigência para todos. No dia da professora e do professor, nossa homenagem vai em forma de reflexão e troca de idéias, nesta entrevista com Miriam Abramovay. Miriam Abramovay, secretária Executiva do Observatório Íbero-Americano de Violência nas Escolas, Brasília, DF.

Endereço eletrônico: mabramovay@gmail.com Mundo Jovem: Que quadro se tem hoje da sala de aula e da escola brasileira?

Miriam: Nós temos uma escola no Brasil que apresenta vários problemas. Falando em Ensino Fundamental, há o problema da qualidade de ensino, da evasão, da repetência e do abandono (abandono no sentido daquele aluno que entra e sai), isto da parte dos alunos. Da parte dos professores, nós temos um ser humano com um duplo sentimento. Há uns três anos foi feita uma pesquisa chamada “Professores do Brasil”. Foi perguntado a eles se queriam mudar de profissão e, em geral, disseram que não. Por que não querem mudar de profissão?
 Por mais que tenham uma atitude crítica no que diz respeito ao salário, principalmente, e também às condições em sala de aula, os professores tiveram uma mobilidade social. Os pais de muitos deles não tiveram sequer o Ensino Fundamental. E a renda familiar, não a renda como professor, acaba não sendo tão baixa.

Mundo Jovem: A formação que os professores recebem é suficiente para encarar a sala de aula?

Miriam: Na verdade, a escola mudou muito, pois antes ela era completamente elitista e o professor era formado para este tipo de escola. Quando a escola se tornou massificada ou “democratizada”, não estava preparada para receber este tipo de população e o professor também não estava preparado para receber este tipo de público, essa nova criança, esse novo jovem. O professor continua recebendo uma formação elitista, como se fosse para uma escola de 30 anos atrás. As faculdades de Educação e de Pedagogia têm muita culpa nisso: o professor conhece pouco a realidade durante os seus anos de estudo, não aprende os temas transversais, não sabe lidar com eles. O professor aprende as suas especialidades. Acho, então, que precisaria haver um “olho” maior para este professor, pois a atuação dele é fundamental na escola. O professor precisa ter mais ferramentas. Não sei se ele precisaria ter mais capacitação. Talvez a capacitação tenha que ser diferente, mais ligada ao real, ao que são os alunos, o que fazem, o que pensam, a questão da violência, da sexualidade. Enfim, o que é a questão das drogas? Diante disso, o professor fica absolutamente sem saber o que fazer. Por outro lado, a escola é também um lugar muito fechado. Não aceita a opinião dos alunos, nem dos pais, nem de quem quer que seja. A escola funciona como se fosse um local onde pudessem ser resolvidas as grandes contradições do século XXI, como se pudesse resolver isto sozinha; e ela não pode fazer isso.

Mundo Jovem: E sobre a violência em sala de aula, a violência contra o professor?

Miriam: Acho que tem os dois lados. Terminamos duas pesquisas agora. Uma se chama “Cotidiano das escolas entre violências” e outra, que ainda não foi lançada, “Relações de raça nas escolas”, que é o problema da violência simbólica, racista, que existe dentro das escolas. Temos um lado, onde todos são vítimas. O professor é vítima porque recebe xingamentos, agressões, muita ameaça. Alguns professores até abandonaram a escola porque recebiam ameaças contra sua própria família. Encontramos também danos ao patrimônio do professor, riscar carros, furar pneus etc. Então, fala-se que o clima escolar, hoje, é muito ruim. Encontramos também alunos que são xingados, desrespeitados, alunos que sofrem agressão verbal e outros que sofrem violência simbólica. Ouvimos comentários de alunos onde foi reforçada a sua baixa auto-estima: “sai daqui, você nunca vai aprender”, “você nunca vai ser nada”, “pode deixar a escola, você vai ser pedreiro”, “nem pense em fazer vestibular um dia, você nunca vai entrar na universidade” etc. Quem é o culpado? Na verdade, todos são culpados e todos são vítimas. Todos estão numa situação tão complicada que nem os professores conseguem ensinar direito e nem os alunos conseguem aprender. E, assim, fica muito difícil dar continuidade e pensar numa qualidade de ensino. Mundo Jovem: Existem caminhos para superar esse problema?

 Miriam: Em primeiro lugar, é preciso criar um espaço para discutir essas questões entre educadores, alunos, pais e comunidade. Também acho que deveríamos investir na formação de alunos mediadores, que saibam discutir com seus pares e com os professores. E quanto à relação professor-aluno, o professor tem que se fazer respeitar e respeitar o que a turma sabe, tomar cuidado para não ser violento nos seus atos e nas suas palavras. Ele precisa se dar conta de que a questão da violência tem que ser trabalhada diariamente e permear todas as atividades realizadas na escola. Eu já vi escolas violentíssimas serem mudadas num curto espaço de tempo. Havia uma escola, em São Paulo, que era considerada uma das mais violentas. Quando voltamos a visitá-la, depois de um ano, era um lugar completamente diferente. Havia entrado um novo diretor que, em poucos meses, pintou os muros, criou um horário para que os professores ensinassem atividades extra-classe, construiu uma quadra de esportes, abriu a escola nos finais de semana e deu aos alunos poder para que eles pudessem também participar das regras da escola. Acho que este é o grande segredo: dar voz à juventude.

Mundo Jovem: A escola precisaria ouvir mais a comunidade?

Miriam: A escola tem uma grande dificuldade de lidar com os pais dos alunos. Quando se fala em comunidade, a primeira coisa que vem à cabeça são os pais. A escola, de mananeira geral, ainda é muito fechada a eles. Os pais só são chamados na escola quando há uma queixa contra um aluno. A escola reclama a ausência dos pais, mas eles não recebem nenhum retorno positivo sobre seus filhos. A maioria das escolas praticamente não têm nenhuma relação com a comunidade e elas precisariam conhecê-la. Estes estudos que a gente está propondo agora sobre a violência nas escolas e projetos de convivência escolar têm o objetivo de conhecer o que acontece no entorno da escola. Assim, a escola pode contar com pessoas, com instituições e com organizações que estejam perto dela.

Mundo Jovem: A figura do professor representa muito na vida da criança e do jovem?

Miriam: Deveria representar, mas tenho dúvidas do quanto representa. Acho que a escola tem um papel muito maior e mais importante do que teve há 20, 30, 40 anos, porque o modelo de família mudou. Evidentemente, a família é quem dá os princípios básicos de solicialização, de convivência e de tolerância. Mas, na nossa sociedade, a família mudou de figura. Aquela família presente, onde havia diálogo, não é mais assim. Isto é um dado para a escola como instituição social, principalmente porque ela tem uma dupla responsabilidade. Além de educar e de socializar, é o lugar onde os jovens vão receber os princípios de cidadania. É onde o jovem fica mais tempo durante o dia, quando está dentro da escola. Se a escola não conseguir mostrar que é protetora, se não inspirar confiança, se a criança e o jovem não sentirem que podem contar com ela, não terão outro espaço de socialização. Na nossa pesquisa, a gente pergunta: se você tem algum problema na escola, com quem você fala? Respondem que não é com ninguém da escola. Não pode ser assim. A escola tem que abrir processos de diálogo com os alunos, com os professores e entre eles. Tem que existir um clima mais democrático para que se possa, em conjunto, pensar em resolver situações tão fortes como temos hoje em dia. Os jovens reclamam muito da escola, que não conseguem ter diálogos abertos com os professores, que eles têm questões que ninguém pode responder, e que até em casa ninguém responde. Então isto dá uma sensação de angústia muito grande e o jovem se sente como se todas as portas estivessem fechadas.

Mundo Jovem: Como a escola poderia se tornar mais atraente para o jovem?

 Miriam: A escola poderia levar em conta o que é a cultura juvenil. Por exemplo, cheguei numa escola da Bahia para fazer uma pesquisa e uma turma estava sem aula e sem professor há três meses. Perguntei a eles o que ficavam fazendo durante aquele tempo vago e responderam que não faziam absolutamente nada. Perguntei: por que vocês não fazem alguma coisa? Aí eles disseram que tinham um conjunto, tocavam violão, dançavam capoeira, mas a escola os proibiu de levar isto para dentro da sala. Então, se a escola não levar em conta o que é cultura juvenil, vai ser muito difícil dar aula para o jovem desta forma.

Mundo Jovem: Os professores se sentem desvalorizados. Como a sociedade ou os governos poderiam mudar isto?

Miriam: Acho fundamental valorizar a profissão do professor, o aumento de salário, novas formas de capacitação. O professor tem que ser valorizadíssimo, porque sem um bom professor e sem que ele se sinta bem no que está fazendo, é impossível melhorar a qualidade de ensino. Ser professor é especial, porque é uma profissão das relações humanas. Tudo que tem a ver com relações humanas, de convivência entre as pessoas, é muito mais difícil. O Brasil nunca levou em conta isto, que a educação é fundamental e que tem que ser prioridade. Se um jovem é colocado na vida sem capital social e sem capital cultural, é muito difícil que ele tenha uma determinada mobilidade social. Mais complicado ainda é afastá-los do que tanto chama a atenção: a violência, o tráfico, as gangues etc. Temos que apontar possibilidades para os jovens fazerem suas escolhas. -------------------------------------------------------------------------------- Perguntas que o vento não responde Investir em professores é gastar muito? Você sabe quanto o poder Executivo gasta com o Legislativo? Quem constrói a cidadania, a formação e a instrução da população de um país? Quem assegura a capacitação profissional e as perspectivas futuras de desenvolvimento de um país? Será que os legisladores sabem a porcentagem das crianças de seu município atendendo na faixa de zero a três anos (creche) e de quatro a seis anos (pré-escola) na educação infantil? Sabe quantos por cento dos jovens do seu município não estão cursando o Ensino Médio? Que não é oferecida merenda escolar, nem livros didáticos? Como um jovem sem emprego, de baixa renda pode estudar? Como está sendo distribuído e utilizado o recurso da educação? Cadê as pessoas responsáveis em fiscalizar e elaborar leis que atendam a comunidade? Quantas vezes eles se reuniram com os educadores para discutir e depois elaborar projetos que venham a corresponder às necessidades vitais de melhoria da educação? A sociedade precisa perceber que todas as pessoas passam “pelas mãos de um(a) professor(a)” para chegar à graduação, desde o curso mais simples até o mais complexo. Sendo assim, o profissional da educação deveria ser respeitado, valorizado e bem remunerado. Mas os professores estão cada dia mais atordoados de tanto serviço, trabalham de 40 a 60 horas semanais... Quantos dias de cidadania eles têm que construir sem eles próprios serem cidadãos? Poderá ser concebível nos dias atuais existir escolas que não possuem um aparelho de som, um retroprojetor e outros equipamentos elementares e tão necessários para o bom desempenho das aulas? Mas será que a maioria dos políticos quer realmente que o povo brasileiro supere o subdesenvolvimento, que sejamos um país de pessoas com instrução e consciência crítica e, por sua vez, que participem desse desenvolvimento? País que cresce de forma democrática é o que possui gestores que investem em educação, sem medo e com prioridade na prática, valoriza os profissionais da educação, torna o espaço físico um lugar agradável, alegre e incentivador do estudo, do crescimento humano, enfim que busca o ensino com qualidade. Nem a escola e nem o professor sozinho mudam o mundo ou o país. Mas podem contribuir enormemente com a transformação. O desafio está posto para toda a comunidade, gestores, professores e políticos: é pensar com urgência uma outra política para a educação. Quem é capaz de perguntar é capaz de responder a seus próprios questionamentos, pois as respostas não estão no vento. Maria Leci de Bessa Mattos, pedagoga e professora da UNIRG, Palmas, TO.

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