quinta-feira, 26 de abril de 2012

Alma cuiabana

Olga Lustosa


A alma cuiabana repousa no homem que guarda no peito os muitos amigos, que percorre as ruas estreitas chamando as pessoas pelos nomes, guarda certa curiosidade pela vida alheia, compartilha emoções com o riso solto e os gestos largos. A alma cuiabana repousa no seio do homem que ouve a família, que recebe da mãe cuidados e conselhos, reprovação e opinião. A mãe que expõe seu amor plantando flores nos canteiros quentes, nos jardins sem donos.

A alma cuiabana se evidencia no homem que tem o amor exacerbado pela cidade, que adentra as casas, conta causos, cria história, aumenta a fábula sobre as pescarias intermináveis e o retorno com peixes imensos, e questionados. Mas quem se importa com o rumor que corria que os peixes que ele exibia, eram mesmo pescados pela esposa?

A alma cuiabana está nele, no riso farto, no aceno e no abraço que dói de tanto aperto. A alma cuiabana está nesse homem que ria das práticas que não entendia, que não cabiam no seu mundo simples, por isso rejeitava o que podia aquebrantar sua relação com sua Cuiabá secular. A alma cuiabana está nesse homem perfeccionista extremado, que cobra, manda fazer, refazer e faz valer sua vontade, seu capricho, seu desvelo, seu gosto, ás vezes questionável nas cores quentes, na voz eloqüente que se faz ouvir e respeitar.

A alma cuiabana passeia pelo Rio de Janeiro, torce pelo flamengo, discute, adoece, estremece quando seu time perde. Recolhe-se triste. Incrível ver esse homem grande entristecido... Sua dor dói em todos a sua volta porque sua alma é sentida, seu coração pode ser tocado.
A alma cuiabana tem esse carisma que nem sempre entendo, que transita aqui e ali, com uma desenvoltura espantosa. Frequenta a feira, toma garrafada encomendada, guaraná ralado, vai á missa à São Benedito, reza de olhos abertos, assusta com suas verdades nuas e cruas, é polêmico e como não ser?

A alma cuiabana é feita de contradições. Da viola-de-cocho tocada por Daniel de Paula ao violino tocado pela Orquestra de Mato Grosso, da pescaria no Pantanal as férias nas areias de Ipanema, da mãe bem idosa, da filha ainda bem moça. Neste homem a alma fala de laços de afinidade, de confiança, de futuro e de tradição. A alma cuiabana que cito bebe cerveja, não sabe dançar mas diverte-se. Não acalenta mágoas, porém guarda certas dores de alguns rompimentos com amigos cujos caminhos a certa altura divergiram-se... O choro veio em público, os olhos grandes molhados, explicando o que nem precisava. Mas lá estava ele, eloqüente, colocando-se à prova.

Vejo e recrio com precisão absoluta a imagem dessa alma boa homenageando os amigos, emprestando-lhes os nomes às ruas e aos casarões. Desportista fanático, enxergou possibilidade de correr a bola em todos os cantos da cidade. Lá foi ele e sua alma grandiosa espalhar gramado por aí. A alma cuiabana que habita esse indivíduo é cheia de histórias que o povo conta, que aumenta, que inventa e que presenciei. Histórias de virar a mesa só ouvi falar, mas morria de medo do grito, do destempero que nunca vieram. A bem da verdade dizem, que o destempero passa muito rápido e só pessoas muito espertas presenciam.

A alma cuiabana que destempera também se regenera e acalenta o coração dos amigos nos momentos difíceis. Ouvi desse homem a noticia mais triste que eu poderia ouvir (o anúncio do acidente e morte do meu irmão) mas ouvi e recebi um abraço tão forte que me fiz igualmente forte.
A alma cuiabana que homenageio hoje não é o político mas o cidadão e amigo Roberto França, um exemplar extraordinário de cuiabania, na figura de quem converge o antigo cuiabano e suas tradições e o homem moderno. Bem, nem tão moderno assim, eu diria.

Olga Borges Lustosa é cerimonialista pública e acadêmica de Ciências Sociais pela UFMT e escreve exclusivamente neste blog toda terça-feira - olga@terra.com.br

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