segunda-feira, 23 de abril de 2012

Restaurante estudantil

Autor: Gabriel Novis Neves


A história me obriga ir ao passado para esclarecer fatos desconhecidos, ou esquecidos, em que fui protagonista.
Faço isso, não por vaidade pessoal, mas para deixar às futuras gerações depoimentos da história não falsificada.
Escrevo o cotidiano da minha cidade, ouvindo, sentindo, palpando, cheirando e vendo o simples, que sempre foi o importante. Muitos dos meus artigos têm essa genética.

Nunca tinha pensado em escrever sobre a história do primeiro restaurante estudantil de Cuiabá.
Isso aconteceu há quarenta e quatro anos, motivado pela intensa migração da população do interior.
Era o início da ocupação desordenada do nosso imenso território, onde o trabalhador rural foi expulso pelas máquinas.
Sem qualificação para o trabalho urbano, esse produtivo camponês começou a ocupar a periferia da cidade com a sua numerosa família passando necessidades básicas, como educação para as suas crianças e alimentação para a família toda.

A merenda escolar não era suficiente para um aluno. A evasão escolar no ensino médio era assustadora, assim como a taxa de analfabetismo no Estado.

O governo Pedrossian determina à Secretaria de Educação que faça uma adaptação na antiga garagem do Estado – ao lado da Academia de Letras – para o funcionamento de um restaurante para estudantes. Nascia assim, na Rua do Campo, o primeiro restaurante estudantil de Cuiabá.

Essa medida social atraiu estudantes pobres de todo o interior do Estado para frequentar alguns cursos superiores que estavam iniciando na velha capital.

Eram os famosos cursos de cuspe, carinhosamente chamados pelos meninos, em que todo o arsenal didático se constituía em uma sala de aula calorenta, lousa, giz, apagador e o professor borrifando saliva.
Com o surgimento da universidade, os alunos do ensino superior passaram a frequentar o restaurante onde hoje funciona o Museu Rondon.

Um restaurante maior foi construído na Praça Universitária, oferecendo condições excepcionais para atender alunos, servidores e professores. Do projeto original, apenas metade foi entregue a comunidade universitária, há trinta e dois anos.
Como não faço diários, anotações, nem tampouco pretendo escrever uma enciclopédia sobre a implantação do ensino superior em Mato Grosso, preencho o espaço de um artigo para relembrar certos eventos que marcaram a vida desta cidade.

Muitos detalhes sobre esses três restaurantes me são trazidos pelos atores de diálogos que não me recordo, pois nunca trabalhei com o objetivo da cobrança.

Dia desses um dos candidatos a reitor da nossa universidade, o professor doutor em química Edinaldo de Castro e Silva, que veio de Barra do Garças para estudar na recém nata UFMT, perguntou se eu me lembrava para quem tinha dado a primeira autorização para usufruir do restaurante da piscina da UFMT. Respondi que não me recordava.

Exultante, ele me contou minúcias do encontro e da satisfação em ter sido o primeiro estudante a provar a boa comida do nosso restaurante.

Satisfeito fiquei em saber que as calorias do bandejão foram úteis à inserção de um menino pobre do interior ao pico da carreira universitária, com a conquista dos títulos acadêmicos e o orgulho de pretender comandar a universidade onde estudou.

Gabriel Novis Neves


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