domingo, 22 de abril de 2012

Salve a poesia e a arte!

CRISTINA CAMPOS

Louvemos aqueles que trazem a beleza e a visão singular das coisas


Hoje, 14 de março, acordei cedo, lembrando-me da importância das coisas inúteis para a existência humana, afinal é o Dia Nacional da Poesia.

Ontem, a professora Edsônia Melo, colega no IFMT – Campus Cuiabá (antiga Escola Técnica), abordou-me no corredor solicitando ajuda para organizar visualmente dois murais com produções de seus alunos – uma coletânea de textos poéticos. Eu tinha outras coisas pra fazer e fiquei meio assim-assim, mas, diante do volume de papéis em suas mãos e da sua disposição, juntei-me ao trabalho.

No meio da forte chuva que caiu à tarde, com pessoas curiosas perguntando-se o que estaríamos aprontando, tecendo comentários e dando sugestões, alguns alunos aprochegaram-se e, folha por folha, colorimos o mural. Esta professora desenvolve um projeto dedicado à aprendizagem da leitura de textos literários.

O brilho nos olhos dos alunos envolvidos no projeto me comoveu, reforçando a crença de que à aprendizagem deve se juntar o prazer de criar e produzir. A meninada tem sorte, porque este tipo de intervenção é cada vez mais rara. Denomino-a 'Laboratórios de Sensibilização', que devem temperar a disciplina que o conhecimento requer. Às vezes, pequenos gestos marcam a alma da pessoa para sempre, o que constitui a essência (se é que posso chamá-la assim) do trabalho educativo.

De repente, lembrei-me também da versão brasileira da fábula A Cigarra e a Formiga, que enfatiza a importância do artista para o equilíbrio da vida. Vivemos um tempo meio desencantado, em que o ceticismo, o pragmatismo e a pressa imperam, relegando à Arte e à Cultura uma posição marginal dentro do sistema.

Uma das principais marcas do artista é a sua sensibilidade. Ela faz com que ele perceba e sinta a vida com tal intensidade que, às vezes, se torna quase impossível suportar as pressões do sistema e do cotidiano.

Ele precisa renovar-se continuamente, e isso implica um desajuste/desacerto com relação à vidinha acostumada de cada dia. No entanto, a fábula sabiamente instrui que a Formiga também se destempera sem a presença da cigarra, com seu canto mavioso, o que significa um alerta.

Dizem que os antigos chineses atentavam cuidadosamente para a qualidade da Arte em seu meio, porque, se ela entrasse em decadência, era um sintoma de que toda a sua cultura também iniciava um processo de derrocada.

Por isso, pelo menos neste dia, vamos louvar estes bêbados, loucos e vagabundos sagrados que nos salvam com o seu dom de trazer a beleza e a visão singular das coisas para a nossa vida.

CRISTINA CAMPOS é graduada em Letras e mestre em Educação, pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT, 1983; 1997); e doutora em Educação, pela Universidade de São Paulo (USP, 2007). Leciona Língua Portuguesa e Literatura no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso - Campus Cuiabá

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