segunda-feira, 27 de junho de 2011

Alunos aprendem a lidar com dinheiro em aulas de educação financeira

Projeto com apoio do MEC integra 891 escolas públicas do país.

Um dos objetivos do programa é ensinar a poupar para realizar sonhos.

Vanessa Fajardo

Do G1, em São Paulo

Foi na escola que o estudante Lucas Fernando Inacio Martins, de 16 anos, aprendeu a importância de poupar e planejar os gastos. Ele e os colegas de sala do terceiro ano do ensino médio da Escola Estadual Dogival Barros Gomes, na Zona Sul de São Paulo, dizem que foi com as aulas de educação financeira que eles entenderam o conceito do consumo consciente, os perigos dos juros dos cartões de crédito e parcelamentos, entre outras armadilhas do crédito fácil.

O projeto é uma parceria da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Banco Central e outros órgãos regulares do sistema financeiro brasileiro, acompanhado pelo Ministério da Educação, que integra a Estratégia Nacional de Educação Financeira (Enef) instituída no ano passado. Atualmente, 891 escolas estaduais de ensino médio de todo o país participam ao programa.

Yago Tadeu da Silva, Wesley Washington Xavier dos Santos e Lucas Fernando Inacio Martins, alunos da escola Dogival Barros Gomes, aprendem a fazer investimentos e poupar (Foto: Vanessa Fajardo/G1)Junto às disciplinas tradicionais do ensino médio, estudantes do ensino médio aprendem como administrar o orçamento doméstico, usar o cartão de crédito, fazer investimentos, reservas, e até recebem dicas para conseguir o primeiro emprego. Os temas de educação financeira não são trabalhados como uma matéria específica, e sim, de maneira interdisciplinar. Pelo projeto, cada escola tem autonomia para abordar a educação financeira como quiser. Há colégios, por exemplo, que levantam o tema até em disciplinas de ciências humanas.

O G1 conversou com um grupo de seis adolescentes da escola Dogival Barros que trabalham, têm seus próprios gastos, ajudam a pagar as contas de casa e veem nas aulas de educação financeira uma aliada das finanças pessoais.

“Consumo é sempre bom. No primeiro mês que recebi salário estourei o limite do cartão de crédito comprando coisas pessoais, mas aprendi que é melhor controlar impulso, esperar, e comprar à vista”, diz Lucas Fernando Inacio Martins.

Sendy Damaris Silva, de 17 anos, trabalha há seis meses como operadora de telemarketing. Ela não possui cartão de crédito e diz ser controlada com os gastos. “O banco sempre oferece um limite a maior do que seu orçamento e aí acaba perdendo o controle pelo consumismo. Aprendi a comprar à vista.”

Para Yago Tadeu da Silva, de 17 anos, que trabalha como auxiliar administrativo há dois meses, a lição vem de casa também. Silva conta que seu pai é bom administrador, faz contas para equilibrar o orçamento doméstico, mas e os ensinamentos sobre educação financeira na escola são bem-vindos. “Acho que o programa já deveria ser introduzido no ensino fundamental.”

Ellen Ribeiro dos Santos, de 17 anos, diz que as aulas ajudam a “preservar o futuro.” “Aprendemos como fazer um bom investimento. O mundo está muito consumista e não temos a tradição de poupar.” Mesmo com dificuldade, Ellen diz que todo mês consegue guardar um pouquinho de seu salário.

Sendy Damaris Silva, Ellen Ribeiro dos Santos e Paloma Josefa Xavier dos Santos veem as aulas de educação financeira como aliada das finanças (Foto: Vanessa Fajardo/G1)Os professores garantem que o assunto interessa os estudantes e os retornos são positivos na sala de aula.

“Trabalhamos com todo tipo de aluno e temos de ser um educador no âmbito geral. Só assim se consegue a interdisciplinaridade. Não dá para se fechar na sua disciplina. Nosso objetivo é formar cidadãos”, afirma Marilene Rodrigues Oliveira, professora de matemática da escola Dogival de Barros.

Diretora de currículo de educação integral do MEC, Jaqueline Moll, diz que trabalhar o tema nas escolas é uma forma de torná-la mais contemporânea. “Muitas famílias aumentaram seu poder aquisitivo. Estamos no marco da construção das novas diretrizes curriculares da educação básica e é importante que as novas gerações tenham informações sobre finanças”, afirma.

O superintendente de proteção e orientação aos investidores da CVM, José Alexandre Vasco, diz que o objetivo do projeto vai além de ensinar o jovem a lidar com o próprio dinheiro. “É ensinar a planejar a curto, médio e longo prazo, e mostrar que é possível mudar sua condição de vida.” Para Vasco, os jovens não têm cultura de prevenção. “Dias chuvosos acontecem, não dá para ter uma situação financeira equilibrada se não há reserva de dinheiro.”

Coleção reúne publicações destinadas ao público
infantil (Foto: Paulo Guilherme/G1)Menos números, mais comportamento
O projeto que atualmente se restringe aos alunos do ensino médio deve ser estendido ao ensino fundamental no próximo ano. Está em produção um material didático sobre educação financeira para crianças, de acordo com Vasco. O conteúdo será adaptado em grau crescente de dificuldade.

Paralelo a este trabalho, há editoras especializadas em educação financeira para estudantes. A coleção "DSOP de Educação Financeira" reúne 15 livros para crianças de 3 a 17 anos sobre o tema. O material foi aderido por 41 escolas privadas em sete estados brasileiros. A coleção é baseada em quatro pilares: diagnosticar, sonhar, orçar e poupar - as iniciais dos verbos dão nome à coleção.

Os livros abordam os assuntos de acordo com o público-alvo por meio de contos, histórias em quadrinhos, ilustrações e charges. Em nenhum deles aparecem planilhas. Segundo o autor, o educador financeiro, Reinaldo Domingos, a matemática é uma ferramenta e é trabalhada de forma comportamental.

“A ideia é fazer o estudante se familiarizar e cuidar bem do dinheiro. Criar um cofrinho, por exemplo, e ter planos para o dinheiro do cofrinho estimulando sonhos de curto, médio e longo prazo. A criança tem de ser estimulada a guardar para seus os sonhos.”

Domingos acredita que o assunto tem sido mais discutido no Brasil, porém ganhou mais força após a crise econômica mundial de 2008. Para ele, o tema deve ser trabalhado nas escolas durante a educação infantil, pois a partir dos 4 anos, a criança já sabe consumir e entende que o dinheiro realiza desejo. “Não tem como ensinar só depois de adulto. Hábitos são aprendidos na infância. Nós não falamos sobre números e, sim, comportamento.”

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