domingo, 26 de junho de 2011

Os Jovens - Uma Ideia do Futuro

"Com o passar da idade, logo o jovem procura se fixar na primeira ideia de futuro que lhe permite o condicionamento..."


Autora: Anne M. Lucille[1]


As formas dão Forma ao nosso mundo

Uma criança pequena nada teme, a não ser as intimidações eventuais que pais e irmãos mais velhos usam como um meio para controlá-los ou dissuadi-los de algo que considerem uma ação indevida. Sem uma noção clara de errado ou certo, e com um temperamento rebelde próprio daquele que tem a ânsia de explorar e descobrir as coisas do seu mundo, assim é uma criança. Desse modo, muitas vezes os adultos e crianças mais velhas, se impacientam com aquele ser dotado de uma energia aparentemente infinita, que nada consegue enxergar além de si mesmo, portanto sem senso crítico para perceber, que o excesso de suas investidas acaba por perturbar os demais. Como as palavras não são argumentos convincentes ou compreensíveis para quem não conhece seu significado, a disciplina à força logo se torna uma necessidade básica dentro de casa.

Por disciplina, entenda-se intimidação de qualquer natureza com o propósito de controlar, conformar aquele indivíduo que parece ignorar a todos. O argumento consciente dos adultos, que as crianças mais velhas também imitam é muito simples: o que todos temem, senão a falta de liberdade? Para uma criança onde a liberdade de explorar a vontade é seu grande trunfo, isto também será seu ponto vulnerável. Assim, por temer ficar de castigo, o que significa ficar presa, ela recua e se torna parcialmente controlável, o que para os adultos quer dizer disciplinado. Depois virão as variações dessa prática, que vai desde a negação das coisas que ela mais deseja, às recompensas por bom comportamento. Onde há a promessa de recompensas, haverá sempre o receio de não consegui-las, e isso se torna o principal argumento disciplinador de que os adultos irão usar como único recurso. Pelo uso do medo, as crianças se ajustam, é o temor diante de ameaças que podem ou não ser concretizadas, a depender de sua atitude.

Se por um lado isso a transformará num ser medroso e inseguro, onde a aprovação daquilo que venha a realizar se torna mais importante que a obra em si, por outro lado, cria um indivíduo que se sente confortável por se ver cercado de pessoas que se preocupam com ele, que aparentemente lhe dão segurança, e se aprovam o que faz, isto quer dizer que ele está no caminho certo.

Como a criança ainda é incapaz de perceber que é medrosa e insegura, já que todas suas iniciativas são monitoradas de perto por seus pais, irmãos ou orientadores, elas se afundam cada vez mais na dependência de que outros venham a aprovar tudo que fazem. Dominadas pelo receio da reprovação, logo dependerão dos outros para guiá-las em suas ações, serão incapazes de tomar qualquer iniciativa, só se sentirão seguras quando os outros lhes disserem o que devem fazer, o que devem pensar, o que é errado ou certo. Tornam-se assim terreno fértil para serem manipuladas à vontade, e terão as personalidades construídas de acordo com a vontade do meio onde vivem, nunca mais serão livres para pensar, livres de medos e culpas, terão forçosamente que concordarem, que se conformarem, se ajustarem, sem sequer saberem que estão sendo controladas, pelos muitos meios que criam e padronizam nossos comportamentos.

Seus sentidos não mais poderão se expressar livremente, pois para cada desejo ou vontade que tenham, deverão consultar seus códigos de permissão, que são os preceitos daquilo que é errado ou certo, estabelecidos pela autoridade da cultura onde vivem. Sua identidade, sentimentos, crenças, opiniões, projetos de vida, serão todos definidos pelo modo como viveram seus ancestrais, que a tradição e cultura local se encarregam de perpetuar, para que as novas gerações nunca deixem sucumbir. Desse modo, as antigas superstições, todas as angústias, toda insensatez de antigas tradições que se apóiam no medo, serão levadas adiante. Impedidos de pensar livremente, serão para sempre indivíduos frustrados, em conflitos consigo mesmo e com os outros. Serão perseguidos pela força da tradição que lhes diz, em que, e como devem pensar, e atormentados pelos seus próprios pensamentos que por vezes tentam contestar aquelas verdades estabelecidas, verdades que se apóiam sobre tabus insensatos, onde uma simples reflexão sobre sua utilidade e validade é tratada como heresia.

Se vemos o futuro como um cenário onde as modernidades tecnológicas estarão em toda parte, onde as cidades serão organizadas e sem nenhuma sujeira, onde revolucionárias descobertas médicas ajudarão o homem a viver mais e melhor, precisamos refletir um pouco sobre tudo isso. Que os avanços médicos e tecnológicos virão, isto é real, mas a realidade de uma coisa, por favorecer um determinado segmento da sociedade, não significa que trará de forma generalizada, os esperados benefícios e a transformação, a mutação, do homem, da humanidade.

Sabemos quais são as motivações do homem; não importa o que diga ou idealize, não importa seu conteúdo intelectual e posicionamento altruísta, não importa a que autoridade religiosa ou política se submeta, não importa em que classe social se ache inserido, não importam seus conceitos de maldade ou bondade, não importa que futuro supostamente deseje para seu mundo, ele busca sempre, para sempre, satisfação pessoal em tudo que faça.

Não há como evitar, começa com a necessidade do animal que somos, de sobrevivência a todo custo, e depois se estende às frivolidades que também acabamos elegendo como necessárias, vitais, como a razão de nossas vidas. Desse modo, nós criamos nossas necessidades e através da repetição esperamos perpetuá-las. Nos julgamos dentro da cadeia da vida como os mais nobres e perfeitos seres jamais criados, chegando mesmo ao ponto, de nos intitularmos como indivíduos criados à imagem e semelhança do criador.

Se ainda não conseguimos resolver os conflitos nas nossas relações, se ainda o homem alimenta em si a violência e ódio com mais intensidade que nunca, se a indiferença em relação à dor alheia depende da comoção pública para nos acordar, se somos insensatos por não respeitarmos o espaço de cada um, se somos cruéis por fazermos da opressão sobre os mais fracos, motivo de simples degustação para nosso paladar e preenchimento da nossa ânsia de poder, talvez devamos pensar um pouco se realmente refletimos à imagem do criador. Nossos medos milenares, nossas angústias sem fim, todo sofrimento que nos causa a dúvida da incerteza do futuro, o medo da morte, a necessidade de sermos guiados por quem sabe mais, por quem tem mais, por quem pode mais; a inconstância de nossos conceitos e ideias, a necessidade de cultuar através da aparência todas nossas supostas virtudes, e também através dela, demonstrarmos nossa força, nosso poder, isso ainda somos nós.

A separação do mundo em etnias é um caminho que nossos ancestrais já trilharam antes, que agora se perpetua através de nossos filhos, ainda que se apóiem sobre todas as limitações e sofrimento que o homem carrega.

Uma criança ainda está muito longe de todos estes conceitos, de todas estas tradições e superstições, de todo este condicionamento que transforma o indivíduo num simples zumbi sem vontade própria, sem idealizações, sem liberdade de expressão, que faz do sentimento aquilo que a máquina de vendas, a publicidade do consumo, lhe diz para fazer; que vê na motivação da vida alheia, a motivação da sua vida. Uma criança precisa de orientação para entender que sua agressividade e indiferença à dor alheia é algo insensato, algo que não deve ser praticado. Deve compreender isso sentindo na pele as conseqüências dos seus atos, nunca pela repressão do medo ou permissão das recompensas fáceis. Ao cometer um erro, deve sofrer as conseqüências do erro praticado, e nunca ter na hipocrisia da insensata permissividade, de pais interessados em agradar para atrair afeto, a autenticação dos erros e excessos. Ao insistir no erro, por concessão de pais que lhes ocultam os resultados de suas ações, este o fará porque nunca saberá quais são as verdadeiras conseqüências dos atos que praticam, dos males que causam e si mesmo e ao mundo.

Se nossas atitudes do presente representam toda herança que nos legou o passado, podemos afirmar que nosso futuro será uma continuação de tudo isso, tudo que vivemos e somos atualmente. Não podemos confiar que leis e regulamentos obriguem o homem a ser virtuoso, pois virtude cultuada é hipocrisia; a mudar de opinião sobre pessoas, a respeitar seu semelhante, pois caráter não pode construído a partir de uma regulamentação. Fosse assim, a humanidade não teria problemas, bastaria um decreto banindo da terra todos as angústias e conflitos humanos.

Ao orientar uma criança ou jovem, deve o adulto, pai ou educador, ter em mente que seus problemas não resolvidos, serão herdados pelos filhos e alunos; que sua conduta tendenciosa, suas manias, seus desvios de comportamentos, sua maneira temperamental de agir, sua forma de criticar coisas e pessoas, serão por eles assimilados, pois tudo de que precisam é de um modelo para imitar, e imitarão primeiro aqueles que estiverem mais perto. Desejando o educador ou pai mudar de postura, deve primeiro se perguntar por que precisa esperar algum tempo, tempo para processar as necessárias mudanças. Precisa se perguntar, se uma ideia pessoal que tenha sobre alguma coisa, necessita de tempo para ser examinada, para ser percebida. É necessário algum tempo para percebermos que estamos com raiva dos nossos desafetos? Infelizmente sempre fugimos desse percebimento, dando mais atenção às causas de nossa raiva, que a raiva em si.

Parece que a transformação está sempre longe de nós. É a falsa ideia de que tudo, ao menos dentro do mundo psicológico, precisa ser construído passo a passo, como se faz com numa construção de tijolo e cimento, como se monta um veículo. Nesses casos o tempo é necessário. Um embrião para se desenvolver precisa de tempo. Se no início é um simples óvulo, o tempo o transformará num homem. Mas, o óvulo não é o homem, e aí pode estar contido grande parte do drama humano, assim como, os tijolos e o cimento não são a casa. São materiais, que se usados da forma adequada, construirão, com o tempo, uma casa. Isso é uma verdade quando se aplica às coisas materiais, mas dentro do campo da psique, não é uma verdade. Dentro de nossa psique, não há necessidade de construirmos nosso sofrimento, nossa dor, nossos desejos, nossas mágoas e ressentimentos, todos já existem dentro de nós em sua plenitude, já são totalmente operacionais, já possuem todos os ingredientes dos quais precisam para funcionar, já fazem parte da nossa natureza, e perceber isso não é algo que se consiga gradualmente, com o tempo. Para saber que estou sofrendo não necessito de tempo algum, posso até não saber as causas de imediato, mas saber que estou sofrendo, isso sem dúvida é uma ação imediata, um percebimento instantâneo.

Uma ideia, que são as partes, as memórias, que formam toda nossa psique, é completamente diferente de um objeto. Se um objeto necessita de tempo para ser modificado, o mesmo não acontece com uma ideia, com uma opinião, estas não existem fora do indivíduo, estas fazem parte do seu temperamento, da sua conduta, do seu modo de ser, nesse momento, no seu presente, não necessita de tempo algum para ser examinado, para ser percebido. Hoje ou amanhã, ou num futuro distante, ainda estará com ele, pode até ter adquirido novas nuances, mas ainda fará parte de sua personalidade, ainda servirá de base para muitas das suas opiniões e temperamentos. Se temos medo de alguma coisa, o fato de que sentimos medo, não requer de tempo algum para ser constatado.

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