"Uma verdade existe sem depender de opiniões."
Autora: Anne Marie Lucille
O silêncio é a expressão maior da criação
Dizia ele que a vida lhe fora ingrata pois nunca tivera muitas chances de se afirmar como alguém bem realizado. Confessou que invejava amigos seus bem sucedidos, atribuía o sucesso deles ao amparo de suas familias, as posses dos pais, algo que jamais tivera. Agora, já maduro, questionava o objetivo da vida e via que havia uma grande injustiça deliberada para alguns em detrimento de outros. Por que os Deuses não vêem que esta injustiça existe, questionava amargurado. Fervoroso respeitador das leis religiosas com as quais se identificava, agora colocava em dúvida a validade daquilo tudo. O Respeito às leis e dogmas sempre cultuou sem desvio algum; afirmava, agora que via as recompensas não chegarem, sentia-se frustrado e de certo modo enganado. Comentou sobre alguns que isso ignoravam e mesmo assim sucesso na vida conseguiram.
É estranho o hábito inconsciente da busca do mérito para tudo o que se faz. Por que o mérito tornou-se o alvo de nossas vidas, o seu oposto, será para sempre a sombra que dará vida e solidez aos nossos conflitos. Por que a obrigação tornou-se a força motriz de nossas ações? Pode algo feito por obrigação, trazer-nos satisfação duradoura, nos dar a paz que tanto buscamos e sequer sabemos o que é?
Achamos que o verdadeiro papel daquele se propõe a educar, seria ensinar ao seu discípulo, o pensar por si mesmo, não é verdade? O pensar independente, o suscitar a dúvida, livre das instituições criadoras de obrigações, motivando o despertar da essência criativa, que é a verdadeira fonte de inteligência do ente, que começa com o questionar a validade do modelo que os costumes induzem, como base para seu comportamento, como ente social, sem direito a contestações.
A frustração do indivíduo como ente social, é diretamente proporcional a quantidade de méritos que o mesmo espera obter na vida. Esse objetivo, que na verdade não é seu, é a programação básica obrigatória instituída, já ao nascer, pelas religiões, tradições, por toda mentalidade atuante no seu meio, e que determinará todos seus anseios, vontades, medos, sua conduta pelo resto da vida. Esta indução é incondicional, inconsciente, sem atributos que suscitem rejeição ao modelo, cujos dogmas e códigos estabelecidos como verdades, interpretam a dúvida e o questionar como algo indecente, pecaminoso, fonte de culpas e pecados.
É fato que o modelo tradicional de educação de todos os povos são falhos. Não fossem, o cidadão sensato, em paz com seus anseios, livre de culpas e dogmas, cordial e delicado com seus próximos, cuja conduta em parte é resultado dessa educação, já se faria presente, mas, não é o que ocorreu, não é o que vemos hoje em nosso mundo. Um ente mesquinho, violento, tendencioso ao extremo, angustiado, depressivo, criador de todos os tipos de medos, incapaz de viver em harmonia, é o resultado dessa educação, modelo predominante no mundo. É um modelo apoiado no eterno dar para receber, criador de castigos para os alheios ao modelo, incentivador da disputa, da vaidade pessoal, da busca ao poder como meta principal. Onde existe busca ao poder, sempre haverá opressores e oprimidos, vencedores e vencidos, ricos e miseráveis, falta de respeito para com o semelhante, discriminação, superiores e inferiores, insensibilidade, apego e culto ao individualismo, alimentador do Egocentrismo mórbido da espécie humana.
Sabendo-se que o modelo educacional do mundo seria falho, qual seria então o papel do preceptor verdadeiramente interessado em dar aos seus discípulos a educação correta, aquela que promovesse a chama do descontentamento no espírito humano, o despertar da sensibilidade, o despertar da inteligência como fonte real de liberdade do ente, que poderia lhe trazer a paz que tanto anseia?
O despertar da inteligência é o único e verdadeiro caminho para a conquista da paz entre os seres, da eliminação de todos os seus conflitos interiores e exteriores, da eliminação definitiva de todos os seus medos, do despertar do ente que poderá de fato promover uma mudança concreta em seu mundo, uma mudança que é movimento criativo, criando assim um caminho válido para um viver em harmonia, onde o respeito pela vida seria seu único objetivo.
A sensibilidade só desperta com a inteligência
Inteligência certamente não é isso que conhecemos, não é o conhecimento acumulado, não é a capacidade de formular pensamentos lógicos, não é o saber qualificado, especialista, que são apenas qualidades deformadas, mas próprias, de um ente que criou e alimenta o individualismo como entidade válida, que por sua vez é incapaz de criar estabilidade e bem estar ao mundo onde vive e morre.
Onde começa e onde termina o interesse pessoal, e o que limita o interesse pessoal do interesse do outro? Podem pessoas motivadas apenas por interesses pessoais, promoverem de fato uma mudança em si mesmos, capaz de refletir no modelo do mundo? O interesse de um é limitado pelo interesse do outro, ou esse limite é determinado pela força do mais capaz sobre o menos dotado? Poderia haver a possibilidade do interesse individual ser único entre todos os seres, ser apenas o interesse da humanidade, da paz entre todos?
Reconhecer que nossos conflitos, em casa, no trabalho, com os amigos, com nossos medos, é a causa da miséria no mundo, das guerras, da degradação dos povos, do ente brutal que somos, e que tem na educação falha um forte aliado, já seria o começo da inteligência. Esse despertar começa com o surgimento da humildade, que se transforma em atenção e depois em resultados que criarão um movimento finalmente capaz de promover uma mudança válida em nossa forma de agir e de ver o mundo.
Ao negar a compreensão do ser, com suas angústias e conflitos infinitos, como fonte de todos os problemas da humanidade, a educação, centrada apenas em formar cidadãos especialistas e ávidos de obter sucesso, condenou o ser humano à degradação, a falta de respeito mútuo, e sedimentou de vez todas as bases da mentalidade deformada que ora domina a humanidade.
O preceptor que está verdadeiramente, seriamente, preocupado com a educação, deve se concentrar no ser humano como indivíduo, e buscar procurar entender como esse indivíduo funciona psicologicamente dentro do seu meio, como interage com o mundo, o que é ele em sua essência e não apenas nos aspectos externos que demonstra quando está em sociedade. A sociedade não é o indivíduo, mas o indivíduo inserido nela é produto de suas imposições, de seus contrastes, do seu domínio. Ela criou o indivíduo que vemos em ação, não uma ação que representa o indivíduo como ser, mas, uma ação completamente deformada que retrata apenas um ser mercadoria, impessoal e mesquinho, criação desse condicionamento social que é responsável pela degradação dele mesmo.
Educar é primeiro entender a natureza essencial do ser humano, e o preceptor, interessado que está nessa educação que exige uma ação nova, que criará um movimento realmente modificador, deve tentar descobrir o que é o ser humano; não o ser humano produto do meio, mas sua essência como ente responsável por seus atos; não o ser humano resultado de seus conflitos, mas o ente que existe por trás destes conflitos.
O ser humano como existe atualmente é produto de todos os conflitos e medos que a humanidade cultivou por toda sua existência, e no fundo desse ente existem duas entidades que eternamente lutam entre si, degladiando-se para ver quem predomina. Estas entidades não estão separadas e são na verdade uma só; uma é a personificação do ente, o papel que desempenha como ente social no seu meio, produto da programação que o próprio meio lhe incutiu desde a infância e mesmo antes desta, o Ego; a outra, sua essência real, o ser humano como realmente ele é, sem máscaras, sua verdadeira natureza.
A causa do conflito entre as duas realidades, é que apenas uma é verdadeira, mas a falsa que é sua Ego-personalidade é aquela que predomina, que o caracteriza como ente que age, que sofre, que alimenta e mantém seus conflitos vivos. O ser humano, por negar justamente sua essência básica, seu eu real, criou o Ego que é aquela entidade que vive em um mundo não real, um mundo diferente da realidade das coisas. Nesse mundo artificial, onde as religiões, os padrões sociais, os dogmas, as conveniências instituídas, criaram seu próprio conceito de errado e certo, a ilusão do vir-a-ser tornou-se uma obsessão, a razão do viver.
Precisamos entender, que nós como seres humanos, somos também animais, não é verdade isso? Não podemos negar o fato de que somos animais, animais lógicos, dotados de razão, diferentes em mente daqueles irracionais, mais iguais a eles em instinto básico, e quanto a isso nada podemos fazer, gostando ou não somos animais, e todo instinto animal ainda em nós predomina. Assim, isso é um fato, e diante de fatos contestações não tem validade alguma, é imaturo e infantil, uma verdade existe sem depender de opiniões.
Desse modo, como animais, herdamos toda sua irracionalidade, caracterizada pela violência, pela insensibilidade à dor alheia, pelo egoísmo, pelo desejo de dominação dos mais fracos e tantas outras coisas. Desejando o preceptor de fato conhecer a natureza humana, único meio de realmente começar uma educação séria, deve ele estar ciente desses fatos, e se for de fato sério como educador, ardoroso em querer modificar de forma construtiva seu mundo, deve começar observando a si mesmo. Afinal, ele como ser humano é igual a todos os outros, e, se tiver amor pelo que faz, deve primeiro se observar, se conhecer. Assim, com o tempo, verá em si, a natureza de todos aqueles que se propõe a educar, e, desse modo poderá de fato eficiente ser em seus propósitos.
Ora, sendo o ser humano pela herança do animal irracional que habita em si, violento por natureza, por que então negar esse fato em detrimento de um Ego que lhe diz que isso é feio, é errado, é contra a ordem das coisas? O fato de sermos violentos e nos reconhecermos como tal, não quer dizer que vamos praticar a violência, mas negar isso, o fato de sermos violentos, isso sim constitui uma violência. Assim, está o Ego diante de um paradoxo, sabe que em essência o ser é violento e irracional, mas seu condicionamento diz que isso é errado, e imediatamente surge o conflito entre o que é, que é o fato de ser violento, e o que deveria ser, que é a não violência.
Negando o que somos, o Ego faz isso, criamos o conflito. Reconhecer nossa verdadeira natureza, que é a violência, sem condenações, sem argumentos que justifiquem tal coisa, estamos criando em nós um estado de humildade que pode ser o fato novo que precisamos para mudar. Quanto ao fato de sermos violentos, nada podemos fazer, disso só nos livraremos na morte, mas, o reconhecer isso como um fato é um ato de amor, que exige uma atenção nunca dantes praticada, e, esse perceber, por si só já é a mudança. Sabendo, depois percebendo, depois sentindo, que somos violentos e que quanto a isso nada podemos fazer, desperta no ente um estado de compaixão que transcenderá o estado de violência. Entenderá então a natureza humana, verá a insensatez da manifestação desse estado, causador de todas as desgraças da humanidade, e saberá que o estado de violência o acompanhará pelo resto da vida, é verdade, mas que jamais em si se manifestará como estado válido.
Precisamos refletir bastante sobre o novo papel do preceptor que deseja um ser humano novo, livre dos condicionamentos que criaram toda angústia e sofrimentos do mundo, que certamente conduzirão o homem ao caos e as guerras, a deformação completa da sua natureza original.
Autora: Anne Marie Lucille
email: annemarielucille@yahoo.com.br
domingo, 26 de junho de 2011
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