* Por Ricardo Verdum
A violência contra os povos indígenas no Brasil é um tema recorrente nos estudos e avaliações sobre a situação dos direitos humanos no país. A academia também tem abordado o assunto a partir de diferentes perspectivas, especialmente, as ciências sociais e a saúde pública.
A violência física, a violência psicológica, a violência sexual, a espoliação patrimonial, a dominação política e a violência institucional são algumas das formas de violência que ocorrem contra os povos indígenas no país.
De todas as formas e situações de violência vivida pelos indígenas, a mais dramática é sem sombra de dúvidas a dos Guarani Kaiowá no estado do Mato Grosso do Sul, na fronteira do Brasil com o Paraguai. Ai, a discriminação social e cultural e o não reconhecimento dos seus territórios e formas próprias de territorialidade estão na raiz do problema que vamos apontar a seguir.
O estudo Mapa da Violência 2011 – Os Jovens do Brasil, realizado pelo Instituto Sangari com o apoio do Ministério da Justiça e lançado em fevereiro passado, embora não focado especificamente na situação dos povos indígenas, dá uma contribuição importante para o debate sobre a situação desses em relação à questão da violência e suas causas.
No tocante a morte por suicídio, o estudo encontrou índices exageradamente elevados em um conjunto municípios, que têm um fato em comum: a totalidade ou a maior parte dos suicídios aconteceram nas populações indígenas, principalmente entre os jovens.
Em 2008, dos 17 suicídios que aconteceram no município de Amambai, 15 foram de indígenas, sendo 9 suicídios juvenis. Em Dourados, também no Mato Grosso do Sul, foram registrados nesse ano 25 suicídios, sendo 13 de indígenas, dos quais 8 de jovens.
No estado do Amazonas, se destaca a cidade de São Gabriel da Cachoeira, situado na fronteira com a Colômbia e a Venezuela, com mais de 90% dos habitantes de origem indígena. Em 2008 foi registrada a ocorrência de 9 suicídios, todos de pessoas identificadas como indígenas, das quais 7 situados na faixa etária jovem. Aqui o problema parece residir em outro lugar, pois a questão fundiária está praticamente resolvida. Avaliações preliminares indicam como causa a sensação de deslocamento, provocada por fatores como desarticulação familiar, falta de perspectivas de futuro, condições precárias de saneamento e habitação vivenciada na periferia da cidade, dificuldades para inserir-se no mercado de trabalho urbano, falta de alternativas construtivas de lazer, entre outros. Outra cidade com índices elevados em 2008 no estado do Amazonas é Tabatinga, na fronteira com a Colômbia e o Peru, com 14 suicídios, sendo 9 indígenas, dos quais 5 juvenis.
Em 2009, foram registrados casos de suicídios indígenas em 12 das 27 estados da federação. Dessas, quatro se destacam com mais de um caso: Mato Grosso do Sul, com 54; Amazonas, com 27; Roraima, com 9; e São Paulo, com 2.
Mato Grosso do Sul e Amazonas juntas concentraram 81% do total nacional de suicídios indígenas registrados.
Estimativas realizadas a partir de dados de população da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e do número de suicídios indígenas registrados pelo Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, a taxa nacional de suicídios indígenas chegaria a 20 para cada 100 mil indivíduos (quatro vezes a média nacional).
Nos dois estados onde foram registrados 81% dos suicídios indígenas, as taxas de suicídio adquirem proporções trágicas: o Amazonas apresenta uma taxa de 32,2 suicídios por cada 100 mil indígenas (seis vezes a média nacional); e o Mato Grosso do Sul uma taxa de 166 suicídios por cada 100 mil indígenas (mais de 34 vezes a média nacional).
Tomando especificamente a população indígena jovem, as taxas alcançaram a esfera do absurdo, sem comparação no contexto internacional: 101 suicídios para 100 mil indígenas no Amazonas; e 446 para igual valor no estado do Mato Grosso do Sul.
Deste modo, entendemos ser necessário e urgente uma rápida revisão das políticas públicas e ações implementadas, especialmente no Mato Grosso do Sul, onde ao longo dos últimos oito anos foi aportada parcela significativa de recursos federal, estadual e de agencias do Sistema Nações Unidas, entre outros.
Não basta distribuir cestas básicas e a incluir as famílias indígenas nas políticas de transferência de rende com condicionalidades (ex.: Bolsa Família). Como aponta Gersem Luciano Baniwa, liderança indígena Baniwa, povo que habita exatamente na região de fronteira Brasil-Colômbia, “os dilemas culturais enfrentados principalmente pelos jovens indígenas de hoje são gerados a partir da concorrência conflituosa de distintas visões de mundo, que provocam angústias, incertezas, choques culturais e até mesmo um vazio existencial que tem levado jovens indígenas a atitudes extremas, como a prática de suicídios, como os que ocorreram recentemente [2008] em São Gabriel da Cachoeira no estado do Amazonas”.
Por outro lado, enquanto o direito a terra não estiver solucionado, especialmente no Cone Sul do estado do Mato Grosso do Sul, onde estão os municípios com maior concentração indígena no Brasil e onde a violência alcança índices alarmantes, dificilmente o quadro de violência registrado nos últimos anos será diferente no governo da presidenta Dilma Rousseff.
* Ricardo Verdum é antropólogo e assessor de políticas públicas do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)
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