Maria Alice Setubal *
Dois importantes veículos de imprensa trouxeram um aspecto relevante sobre a universalização da educação infantil no País nessa semana. Tanto Gustavo Iochpe, em sua coluna na Revista Veja, como o editorial do Estado de São Paulo, apontam para o risco de se direcionar investimentos na universalização do ensino infantil em detrimento dos esforços para aumentar a qualidade da educação no ensino fundamental, especialmente nos anos de alfabetização.
A educação infantil, como etapa da educação básica, é hoje uma política pública que estabelece a obrigatoriedade do Estado em prover o acesso a todas as crianças a partir dos quatro anos, cabendo aos municípios planejar o provimento de estabelecimentos de pré-escolas. O avanço que a lei de 2010 representa na garantia dos direitos e na proteção de milhões de crianças brasileiras é incontestável, porém, é dever da sociedade debater sobre a implantação da política e o estabelecimento de prioridades nesse processo.
Para além de reafirmar a relação que as pesquisas apontam entre a educação infantil e os ganhos em termos de aprendizado, de prolongamento da trajetória escolar e na renda futura dos indivíduos, cabe agregar a essa reflexão dois aspectos de um contexto brasileiro ainda marcado por enorme desigualdade social: a condição da mulher no mercado de trabalho e a existência de famílias residentes em territórios de alta vulnerabilidade.
As condições ofertadas às trabalhadoras no Brasil diferem das proporcionadas por países que garantem a plena inserção da mulher no mercado do trabalho, por meio de serviços e programas públicos, além de garantias trabalhistas que lhes destinam mais tempo de dedicação e proteção a suas crianças. A comparação com sistemas educacionais de outros países deve também considerar arranjos familiares, sistemas de proteção às crianças e o grau de escolaridade, enfim, o capital cultural e social de cada país analisado.
No Brasil, pesquisas indicam uma perversa relação entre famílias chefiadas por mulheres e mobilidade social. Segundo o economista André Urani, em uma pesquisa realizada sobre as condições de vida em grandes capitais brasileiras entre 1993 e 2008, o número de pessoas vivendo em condições de extrema pobreza caiu em 51,2%. Se consideradas apenas as famílias chefiadas por mulheres, nos deparamos com uma queda de apenas 5,5%. Em 2008, o Brasil convivia com 5,2 milhões de famílias chefiadas por mulheres vivendo sob esta condição.
Aprofundando um pouco mais o olhar para o contexto brasileiro, a PNAD de 2009 aponta que a frequência escolar entre as crianças de 0 a 5 anos do 5º quinto per capita (55,2%) é quase o dobro da verificada entre as crianças que pertencem às famílias do 1º quinto (30,9%), o mais pobre.
O que os números acima demonstram é que a parcela da população que mais precisa de recursos, programas e serviços é a que vem sendo menos priorizada na implantação de políticas públicas, reproduzindo ou ampliando os índices de desigualdade no Brasil.
Não deixa de ser importante destacar que, mesmo com um aumento de investimento nos últimos 10 anos, os 5% do PIB destinados à educação não são suficientes para implementar a universalização em curto prazo da educação infantil. Nesse sentido, é fundamental a definição de focos na atuação do poder público.
Acreditamos que eleger o acesso das crianças inseridas em contextos de vulnerabilidade social à educação infantil parece ser fundamental para mudar a história de milhares de crianças, mulheres e famílias brasileiras.
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