terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Analfabetismo funcional das Políticas Públicas 2

Em nosso País ainda estamos naquela em que “m” é jogada in natura nos rios e o cidadão leva o cachorro para defecar no espaço público. É também classificação para o custo do superfaturamento, da corrupção, da política desonesta e da falta de visão ....

HONEIA VAZ

No Marrocos, um óleo muito apreciado para a culinária, medicinalmente e para formular cosméticos, é obtido a partir das fezes de cabras alimentadas com determinado fruto (similar à oliva). Weasel coffee é o café feito com grãos defecados por doninhas vietnamitas.

O Kopi Luwak é processado da mesma forma por um mamífero da Indonésia (civeta) e é divulgado como o café mais caro do mundo – cerca de R$1.500 o quilo em São Paulo ou US$ 500 em algum país do mundo. É considerado delicioso pelos fãs (sabor de chocolate com suco de uvas), mas seu alto valor no mercado é decorrente, justamente, do fato de sua produção estar limitada a 230 quilos ano.

Diferente dos quadros de muitas dificuldades dos pequenos em relação a grandes agricultores em várias atividades, o produto é a prova de que é possível concorrer atendendo a públicos e nichos específicos, com selo, marketing e distribuição igualmente neste contexto, possibilitando inserção continuada no cenário econômico, e equiparação de retorno financeiro proporcional a de grandes indústrias.

Um exemplo está na história de 164 famílias de pequenos cafeicultores da Cooperativa dos Agricultores Familiares de Poço Fundo e Região (COOPFAM/Minas Gerais), que trabalha o sistema de “agricultura orgânica, solidária e agro-ecológica”. Eles possuem 7 hectares em média cada, e juntos destinam cerca de 200 hectares ao cultivo do café orgânico. Desde 2002 são certificados BCS ÖKO – GARANTIE (Alemanha) e selados no chamado “comércio justo” (Fair Trade) pela Fair Trade Labelling Organisation International, exportando toda a produção para os EUA, Dinamarca, Itália e Inglaterra.

No total, somando orgânico e convencional sem produtos químicos, são hoje em torno de 250 produtores. Na primeira classificação de produção há mais burocracia, mas o valor de venda dá maiores margens de lucro. A segunda opção também é rentável, mas em menor percentual – para ambos, estima-se que o mercado cresce a percentuais de no mínimo 20% ao ano (contra 2% em média para os convencionais), contando com países em que a população consumidora nesta categoria atesta a compra atrelada a mais saúde humana e ambiental por causa da ausência de produtos químicos.

Além de possibilitar competitividade no grande mercado, o modelo é exemplar em termos de distribuição de renda para as famílias e sustentabilidade (lucro - promoção das pessoas - preservação do meio ambiente), tendo como base a organização cooperada (não necessariamente como cooperativa, mas adequada à formação de certa escala e padrão uniforme de produção para o nicho a que se dirige).

Mas, se grandes produtores em casos como este não fazem frente a estas pequenas e especiais produções para consumidores muito certos de sua preferência, de outro lado o futuro de muitas famílias em projetos quaisquer neste modelo se torna incerto por causa de desafios macros de: logística – muitas vezes falta simples ligação de estradas, pontes ou modal de transporte do campo à cooperativa; enchentes; desorganização para compra coletiva de adubos, insumos, e alguns equipamentos; diversificação da produção para sustentação ao longo do ano; desconhecimento da população brasileira para aumento desta produção e venda também internamente, entre outros, quase que em sua totalidade de âmbito de governo, seja em suas várias alçadas ou dos seus tantos parceiros na resolução de problemas que podem tirar a chance de grupos de pessoas de se autosustentar, e até gerar emprego a outros trabalhadores, e os leva para cadastros no estilo Bolsa Família.

Literalmente voltando à merda, o início desta conversa, a questão não é diferente, mostrando o quando falta ao Brasil cultura de planejamento e seu devido desdobramento em políticas públicas e projetos em geral melhor elaborados para custo-benefício amplo. Enquanto debatemos as conseqüências dos pelo menos 2/3 do esgoto brasileiro sem tratamento (e assim despejados no meio ambiente), e o elevado índice de falta de saneamento básico, no mundo todo cocô é parte de uma economia forte.

Em parte da zona rural da China os vasos sanitários (privadas) são conectados a biodigestores que produzem gás para os fogões, e outra parte da energia vem das fezes animais, casos similares são encontrados no Nepal (no Brasil há exemplos com fezes de animais, mas em número bem menor do que a quantidade de matéria-prima disponível. Contudo existem alguns projetos em variados graus de estudos e aplicação). Adubo nos EUA e Reino Unido também é do lodo do esgoto, gerando a uma única empresa que vende este resíduo a plantadores cerca de US$ 320 milhões/ano.

As técnicas de tratamento do esgoto para fertilizar plantações são bem conhecidas e, atestam especialistas, segura para o meio ambiente na quantidade certa (leia-se a mesma definição para uso de lixo em compostagem – adubo). A energia produzida do cocô animal é reconhecidamente de qualidade, sendo os desafios a escala de produção e tecnologia.

Quer dizer que planos mais avançados em termos bioenergia, tendo na matriz o biogás, além do etanol, biodiesel e biomassa, são mesmo e sem dúvida, estratégicos. E podem perfeitamente estar paralelos aos índices da estimada superpopulação do mundo, com a previsão de grande produção de alimentos (se você come, logo...), e os crescentes custos que, consequentemente, os esgotos e estações de tratamento (e tudo o que se referir a serviços básicos públicos para esta crescente comunidade mundial) impactarão.

Sem contar o velho dilema: produção de alimento para o mundo ou de grão para biodiesel (será que finalmente encontramos uma resposta ao paradoxo?).

Sinceramente, é meio risível e nada maravilhosa ou atraente a ideia de trabalhar com fezes, estatística e economicamente falando. Mas não é engraçado e nem melhor ler os números do saneamento no Brasil (e como direcionamos o cocô - humano e animal). E muito menos perceber que, enquanto falamos de futuros índices de canalização e tratamento de esgoto em todo o território nacional, há muito tempo outras comunidades economizam gastos e lucram com esta merda toda.

Em nosso País ainda estamos naquela em que “merda” é jogada in natura nos rios e o cidadão leva o cachorro para defecar no espaço público. É também classificação para o custo do superfaturamento, da corrupção, da política partidária desonesta e da falta de visão, e para do fato das metas estarem sempre atrasadas, não somente face à precisão do povo, mas em relação ao que existe de inovador e sustentável, mesmo que básico - afinal, as doenças relacionadas à falta de saneamento e à contaminação das águas estão entre as que mais elevam os gastos com saúde pública.

(*) HONÉIA VAZ é jornalista em Cuiabá-MT e colaboradora do Hipernotícias.

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