terça-feira, 30 de agosto de 2011

Matemática, rainha e serva

 

De todas as ciências, a Matemática é serva e rainha. Serva, pois não há ciência sem o rigor de seus fundamentos, e rainha, pois Sua Majestade enseja o apanágio da lógica e da estética, numa linguagem precisa, universal e sincopada. É bem verdade que também é considerada uma ciência sinistra, abstrata, provocadora das maiores humilhações. Em resumo, é têmpera racional da mente ou bicho-papão. É paraíso ou inferno, que não contempla purgatório, nem indiferença.

Alheios a esses paradoxos, valemo-nos das palavras de Leibnitz: “A Matemática é uma honra do espírito humano.” Enfim, a nossa rainha tem muitos encantos. Não conheci quem nela mergulhasse fundo e não fosse tomado de enlevo. Em justa homenagem, no ano de seu falecimento e quando completaria cem anos, reverencio o físico e escritor argentino Ernesto Sábato, uma vez que se faz pertinente ao referir-se à Matemática: “um mundo de infinita harmonia, com seu universo platônico, com sua ordem perfeita, seus objetos eternos e incorruptíveis, de uma beleza ímpar.” Recorda que esta imagem advém desde os 12 anos, quando “sentiu uma espécie de vertigem ao assistir à demonstração de um teorema”.

Sempre fui recorrente com meus alunos: quinze minutos dedicados a um problema difícil, mesmo não resolvido, enseja mais sinapses, desenvolve mais o raciocínio que cinco outros exercícios acessíveis, estes solucionados exigindo pouco dos neurônios. Nunca o mercado de trabalho valorizou tanto o lógico-dedutivo, uma característica proeminente dos resolvedores de problemas.

No Brasil não temos uma cultura de valorização das Ciências Exatas e as estatísticas corroboram essa assertiva: apenas 11% dos concluintes do Ensino Médio em escolas públicas têm capacidade tida internacionalmente como mínima em Matemática; sobejamente conhecido, no Pisa obtivemos a 57.ª colocação entre os 65 países pesquisados. No topo desse ranking estão China, Hong Kong, Finlândia, Singapura, Coreia do Sul, Japão e Canadá.

E se queremos participar desse honroso cortejo – países econômica e socialmente com elevado grau de desenvolvimento nas últimas décadas –, o bom ensino da Matemática tem que ser priorizado. O paradoxo é que os cientistas estão desenvolvendo tanto os computadores, que eles ainda nos ensinarão a pensar. Blague à parte, a Matemática desenvolve o raciocínio e autodidatismo e o hodierno desenvolvimento tecnológico exige cada vez mais elevado tirocínio mental para o entendimento de textos ou elaboração de algoritmos sem um professor para auxiliar.

Descontrói-se, descaracterizase, desmerece-se a Matemática quando o seu ensino fica restrito à memorização e à aplicação de fórmulas. Um crime de lesa-majestade à nossa rainha, sendo a principal joia da sua coroa o encadeamento lógico, que promove a confiança para descobrir e pesquisar outros temas das ciências e da vida prática.

 

 
Diretor de escola, foi professor do Ensino Fundamental, Ensino Médio, Pré-vestibular, da UFPR e PUCPR.

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