segunda-feira, 14 de março de 2011

Artigo - Bolsa Família

Diminuindo a diferença
Dados do Bolsa Família mostram que o programa está melhorando a frequência escolar de beneficiários e aumentando a participação dos pais
Marina Almeida
Deise acompanha os filhos até a escola, em Santos (SP). Boa frequência às aulas é condição para receber beneficio do Programa Bolsa Família
"Avisa para eles que esse carro não é nosso!", diz a mãe de Deise ao ver a reportagem. Separada e com dois filhos, Deise Francisca de Barros mora na casa de sua mãe e da avó, que abriga ainda a família da prima, proprietária do veículo, nos fundos. Sem renda fixa, vivendo apenas dos bicos eventuais como faxineira, Deise é beneficiária do programa Bolsa Família (PBF). Uma das condições para receber o auxílio é manter os filhos frequentando a escola, o que Deise se esforça para garantir.
Passa de meio-dia. No quarto que divide com os meninos, os uniformes estendidos sobre a cama aguardam a hora da aula. Marcelo, de 9 anos, mostra seus cadernos, a mochila com o símbolo do Corinthians e diz que gosta de fazer lição. Matriculado no 3° ano do ensino fundamental, tem dificuldades de aprendizagem. A mãe inscreveu-o numa turma de reforço, oferecida no contraturno das aulas por uma instituição da região. O esforço trouxe resultados e Marcelo já começa a ler. Alex, o irmão mais novo, de 6 anos, está no 1º ano e teve problemas para se adaptar à nova escola. "Consegui matriculá-lo na escolinha de futebol da prefeitura e ele ficou tão contente que não reclamou mais das aulas. Infelizmente, o projeto foi cancelado para o próximo ano", lembra a mãe.
A pé ou na garupa de sua bicicleta, Deise leva as crianças para a escola que fica no bairro em que moram, o Bom Retiro, em Santos (SP). Seus avós migraram da Bahia e do Rio Grande do Norte em busca de empregos - o pai e o avô trabalharam no porto, o que mais movimenta cargas no Brasil. "Aqui era tudo mangue, fomos construindo aos poucos. Hoje está cheio de casas, mas já não é mais calmo como antes, tem violência", diz sua mãe, Genésia Francisca Barros. "Meu marido trabalhava de dia e fazia a casa à noite", completa Bernardina de Jesus Santos, avó de Deise. "Foi uma luta. Mas ela nunca fica pronta", constata ao apontar as paredes sem reboco.
Falante e participativa, Deise tem 31 anos. Estudou até a 8ª série do fundamental e é assídua frequentadora das reuniões escolares dos filhos. Também participa dos cursos oferecidos pela Assistência Social para os beneficiários do Bolsa Família e de uma comissão municipal do PBF para auxiliar a visita às famílias beneficiárias e orientá-las sobre seus direitos, o acesso a saúde e outros serviços.
Desempenho
O desempenho dos alunos do Bolsa Família tem sido foco de diversas pesquisas, o objetivo é entender se o programa influencia o ensino e como isso ocorre. Ao cruzar dados do Educacenso com o de beneficiários do programa, o Ministério da Educação (MEC) encontrou a variação das médias de abandono escolar: 3,6% dos alunos beneficiados pelo PBF do ensino fundamental deixam a escola contra 4,8% da média nacional. No ensino médio, o impacto aumenta: enquanto 7,2% dos beneficiários abandonam os estudos, a média nacional é 14,3%. "A obrigatoriedade da frequência cria um pacto entre a família e o Estado com a educação das crianças", diz Daniel Ximenes, diretor de Estudos e Acompanhamento de Vulnerabilidades do MEC.
Ximenes destaca os resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2009, que aponta para uma melhora na escolarização dos 20% mais pobres da população brasileira - público-alvo do Bolsa Família. Entre 2005 e 2009, a frequência à escola entre os alunos de 15 a 17 anos aumentou 8,4 pontos percentuais nessa parcela mais pobre da população, passando de 72,6% para 81%, enquanto a taxa nacional cresceu apenas 3,5 pontos, alcançando 85,2% em 2009. "Essas taxas não cresciam antes de 2006, quando as condicionalidades educacionais para receber o Bolsa Família foram implantadas."
A Avaliação de Impacto do Bolsa Família, divulgada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) em 2010, aponta que as crianças incluídas no PBF apresentam maiores taxas de matrícula escolar (4,4% mais, chegando a uma diferença de 11,7% no Nordeste) e progressão no sistema educacional (6% maior). O estudo comparou 11,4 mil famílias com e sem o beneficio, mas de regiões e perfis de renda semelhantes. Atualmente o PBF acompanha a frequência escolar de 14,3 milhões de alunos entre 6 e 17 anos.
Fatores de influência
Quanto desses resultados pode ser atribuído ao Bolsa Família e não a outras políticas sociais ou educacionais? A obrigatoriedade da frequência dos estudantes seria o principal fator de influência nesse avanço? "Outros estudos são necessários para mensurar o impacto do programa nesses números", diz a diretora de condicionalidades do MDS, Cláudia Baddini. O MEC realizou uma pesquisa qualitativa sobre o assunto, cujos dados estão sendo analisados e ainda não foram divulgados. "Entrevistamos professores e diretores que têm contato com esses alunos e eles apontaram a melhora da autoestima, da alimentação, do vestuário como fatores que influenciaram um ambiente mais favorável ao estudo", explica.
Essa percepção é semelhante à apresentada pela Operadora Máster de Frequência Escolar do PBF de Salvador, na Bahia - estado com maior número de famílias beneficiárias. Rita Sales, que trabalha com o programa desde 2006, vê melhora no desempenho dos alunos e pais mais preocupados com a frequência de seus filhos à escola. "Há uma diferença entre os alunos beneficiários do programa e não está apenas na frequência às aulas. Eles mudam seu comportamento, sentem-se estimulados a estudar, pois sabem que o benefício irá ajudar a eles e a sua família. Percebo isso tanto nas notas como no contato com os pais, professores e diretores. São esses os pais que mais participam do Conselho Escolar, por exemplo."
Já em Santos, Lídia Nascimento, coordenadora da Unidade Municipal de Ensino Pref. Esmeraldo Tarquínio, não vê diferença entre o desempenho dos alunos. "O perfil de todos os nossos estudantes é muito parecido, só noto alteração na maior frequência às aulas dos beneficiários", diz. Na escola, que atende do 1° ao 5° ano do ensino fundamental, 44% dos 758 estudantes matriculados participam do PBF - os dois filhos de Deise entre eles.
"O apoio da escola é importante não apenas para orientar os pais sobre o estudo dos filhos, mas para ajudá-los a lidar com eles. Há famílias que não têm controle sobre os filhos de 10 ou 11 anos, não conseguem obrigá-los a frequentar a escola", ressalta Lídia. Ela lembra que, ao buscar os motivos da ausência às aulas de uma aluna, precisou conversar diretamente com a menina para convencê-la a voltar para a escola.
Controle da frequência
A Esmeraldo Tarquínio acompanha a fre­quência de todos os alunos e repassa as informações mensalmente à secretaria de Educação - a fiscalização da presença é responsabilidade do município. O controle é feito pelos professores e a partir de cinco faltas sem justificativa a família é contatada. "Ligo para os pais ou envio um telegrama, mas há casas sem telefone e onde o correio não faz entregas, em geral nas regiões violentas. Nesses casos, solicito aos funcionários da escola que moram perto do aluno que entrem em contato com a família", conta Lídia. Os pais também são orientados a comunicar a escola quando seus filhos precisarem faltar.
Contatar as famílias é um desafio ainda maior em Cocos, município de mais de 10 mil km² no oeste da Bahia. Na Escola Municipal Rui Barbosa, no centro da cidade, quase metade dos 460 alunos é da zona rural, o que dificulta o contato. "Com os alunos da região, os pais nos avisam o motivo da falta antes que os procuremos. Já com os da zona rural, muitas vezes só descobrimos o porquê da ausência quando voltam à escola", diz o diretor Vivaldo Martins.
Problemas de saúde dos alunos, que devem ser justificadas com atestado, a negligência dos responsáveis e o impedimento de ir e vir - típico das zonas violentas - estão entre os principais motivos de faltas em Salvador (BA), onde mais de 187 mil famílias participam do PBF. Para orientar os pais dos alunos, o município organiza reuniões frequentes que abordam desde as condicionalidades do Bolsa Família até a importância da frequência à escola e do bom rendimento dos alunos.
Em Belo Horizonte (MG), com 70 mil famílias beneficiárias, o grupo de trabalho que faz a gestão das condicionalidades se divide em nove Núcleos Intersetoriais Regionais que acompanham e encaminham as políticas e diretrizes planejadas. As regionais apuram as faltas dos alunos, suas justificativas, organizam visitas às famílias, reuniões com os pais, acompanhamento de saúde, educação e assistência social. "No início, visitávamos apenas as famílias do PBF, mas há dois anos acompanhamos todos os alunos com problemas de frequência ou dificuldade de aprendizagem", explica Flávia Julião, coordenadora da gerência família na escola.
As informações sobre a frequência devem ser usadas pelo gestor de educação do Bolsa Família a favor do ensino. "Ele pode mostrar aos diretores e professores quem são essas famílias, suas características e dificuldades, até para que possam adequar o ensino às suas necessidades. É importante capacitar a rede para mostrar aos profissionais seu papel no programa de melhora qualitativa da educação", diz Cláudia Baddini, do MDS.
Para Daniel Ximenes, do MEC, o próximo passo é absorver essas informações nas políticas públicas municipais e escolares. "O grande desafio é fazer com que esses dados sejam utilizados pelas próprias escolas para garantir a permanência desses alunos mais pobres na escola e aumentar a proximidade com a comunidade."
Gestão dos dados de frequência
Por meio de um procedimento administrativo, a Secretaria de Educação de Santos (SP) garante o controle dos dados de frequência dos alunos do Bolsa Família e seu envio para o MEC dentro do prazo. As informações, passadas pelas escolas à Secretaria, são organizadas em planilhas e dão origem a um relatório gerencial. Os casos mais graves, como violência doméstica, gravidez precoce e óbito de alunos, são levantados e discutidos em reuniões mensais com a comissão de acompanhamento do programa, formada por funcionários da Saúde, da Educação, da Assistência Social e representantes das famílias. Nesses encontros são definidas as ações de combate aos problemas detectados.
"Periodicamente realizamos formações sobre o preenchimento dos dados de frequência e o acompanhamento desses alunos", diz Mara Mei, responsável pela organização dessas informações no município. A Secretaria ainda planeja organizar um encontro regional das secretarias de educação da Baixada Santista para trocar experiências e discutir um planejamento comum entre os municípios, já que é grande a migração de alunos entre as redes.
Sicon
Márcia Teixeira, coordenadora da Secretaria de Políticas Sociais de Belo Horizonte (MG), acredita que o Sistema de Condicionalidades do Programa Bolsa Família (Sicon) ajudar a organizar as ações. "O acompanhamento era disperso nas regionais. Hoje, temos o histórico das famílias acessível pelo sistema para as áreas envolvidas no programa. Facilita para tratar as vulnerabilidades de forma integrada." Para usar o Sicon, implantado em 2010, o município realizou um treinamento intensivo e investiu no acesso à internet das áreas mais distantes.
O PBF está presente em todos os municípios do país, que são os responsáveis pelo controle da frequência dos alunos das escolas de seu território, não apenas as municipais. "Nossa equipe também vai às unidades estaduais para apurar a frequência, mas é mais difícil realizar reuniões de formação com eles", explica Flávia Julião, de Belo Horizonte.
Renda e Diferenças nas escolaridade
Taxas de rendimento escolar (em %) Escolas Públicas
Aprovação Aprovação Abandono Abandono
Brasil Censo Beneficiários Censo Beneficiários
Ens. fundamental 82,3 80,5 4,8 3,6
Ens. médio 72,6 81,1 14,3 7,2
Fonte: Educacenso 2008 e Sistema Presença - Frequência Escolar PBF 2008
Taxa de frequência escolar dos adolescentes de 15 a 17 anos de idade, por renda familiar mensal per capita* (%)
1° quinto 2° quinto 3° quinto 4° quinto 5° quinto
Brasil 81 83,2 85,1 88,3 93,9
Norte 79,5 81,5 84,7 86,4 90,8
Nordeste 78,9 84,5 82,8 86,2 92
Sudeste 83,5 86,5 88 90,1 96,5
Sul 75,3 81,4 83,6 88,3 93,2
Centro-Oeste 78,8 83,1 81,9 84,6 91,3
Fonte: IBGE, Peaquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2009
* o 1° quinto corresponde ao segmento mais pobre

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