segunda-feira, 14 de março de 2011

Noticia Nacional

Um em cada quatro alunos de escola estadual recebe uniforme


Universalizar a distribuição gratuita na rede pública do País custaria R$ 2,7 bi, menos do que a economia que o MEC fará este ano



Marina Morena Costa, iG São Paulo

Antes de ir para a escola, Igor da Silva, 7 anos, já sabe a roupa que irá vestir e se arruma sozinho. O uniforme da escola estadual Ludovina Credidio Peixoto, de São Paulo, é separado pela avó Marlene da Silva, que leva o menino para a aula. “É mais fácil na hora dele se vestir e traz segurança para a família saber que ele está identificado”, diz Marlene.

Defendido por pais e educadores, o uniforme escolar está presente em grande parte das escolas do Brasil. Nas redes estaduais, 11 Estados e o Distrito Federal adotam e concedem algum tipo de uniforme aos seus alunos. São 4,5 milhões de beneficiados. Mas a maior parte, 12,5 milhões, tem que comprar roupas para estudar, padronizadas ou não.

Para mensurar a quantidade de Estados que fornece uniformes aos seus estudantes e saber o que é entregue, o iG fez um levantamento com todas as 26 secretarias estaduais de educação e a do Distrito Federal – as redes estaduais foram priorizadas devido à pulverização das municipais, que são mais de 5,5 mil. Quase 22 milhões estudam nas redes municipais.

Nos Estados, há kits bastante completos, como os de Santa Catarina e Roraima, que fornecem conjuntos de verão e inverno, além de meias e calçados, ao custo por aluno de R$ 119,15 e R$ 172,20, respectivamente. Em contraste, há Estados que oferecem apenas uma ou duas camisetas ao ano, ao custo médio de R$ 9,25 por unidade, com Rio de Janeiro, Acre, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Norte.

Em Pernambuco, o kit do governo é composto de duas camisetas com o logo da rede estadual, uma mochila e materiais escolares. Pais e estudantes aprovam, mas gostariam de receber mais itens. "Quando uma camisa é usada, a outra está sendo lavada", diz a diarista Viviane Betânia da Silva, mãe de Luan Vinícius, de 7 anos. Ela sente falta de um short ou bermuda no pacote. "É que as crianças estragam muita roupa."

De acordo com o levantamento feito pelo iG, os Estados gastam com uniforme em média R$ 70,30 por aluno ao ano. Caso todos os 39,3 milhões de estudantes brasileiros das redes públicas de ensino recebessem kits a este valor, o investimento seria de R$ 2,7 bilhões. Para se ter ideia do montante, esta quantia é menor do que a economia que o Ministério da Educação (MEC) terá de fazer neste ano por conta de corte no orçamento, de R$ 3 bilhões.

Mônica D'Andréa Marcon, mestre em Educação pela Universidade de Caxias do Sul e autora da tese “Aspecto histórico e função pedagógica dos uniformes”, defende a universalização do uniforme da rede pública. “Deveria estar previsto nos orçamentos, pois é muito necessário para a identificação e segurança do aluno. Além disso, na rede pública, muitas vezes a aquisição do uniforme escolar do aluno compromete o orçamento doméstico familiar”, aponta.

“O uniforme posiciona o aluno em relação ao que é uma vestimenta adequada”, aponta Maria Angela Barbato Carneiro, coordenadora do Núcleo de Cultura, Estudos e Pesquisas do Brincar e da Educação Infantil, da PUC-SP. A padronização evita também a competitividade e ameniza o impulso do consumo.

Vitor Manuel, de 10 anos, concorda com a professora da PUC. “Todo mundo fica igual e não briga. Não tem essa de ‘minha roupa é mais bonita que a sua’”, aponta o aluno da escola estadual paulistana Ludovina Credidio Peixoto, que adota o uniforme escolar. Na rede estadual paulista, as instituições têm autonomia para optar pela roupa padronizada, mas o Estado não fornece as peças.

Educadores ponderam que a distribuição gratuita de uniformes não deve ser vista como sinônimo de qualidade da educação. Mas ela possibilita ao aluno algo fundamental: ter as condições mínimas para estudar, para frequentar o processo de escolarização. Mônica Marcon destaca a forte ligação existente entre vestimenta, dignidade e sentimento de pertencimento ao grupo. “Entrevistei um estudante que sentia vergonha de seu uniforme, porque ele não era do mesmo tecido que o dos demais colegas. Caso o Estado fornecesse a indumentária, esse tipo de problema não existiria, pois teríamos uma uniformização.”

No Reino Unido, o governo não fornece a vestimenta, mas há programas de incentivo a pais que não têm condições financeiras de arcar com a compra das peças. O mesmo acontece nos Estados Unidos, onde 18% das escolas públicas adotam uniforme escolar, segundo dados de 2008.

Segurança e custos

A adoção dos uniformes escolares no Brasil surgiu durante a República. Na época, as peças eram inspiradas em modelos militares e pretendiam assegurar a identificação dos alunos e manter a ordem e disciplina, motivos ligados aos ideais republicanos de “ordem e o progresso”. “Com o passar do tempo estes motivos continuam muito em voga e são indiscutivelmente superiores a qualquer tipo de desvantagem”, avalia Mônica.

Os pais aprovam a adoção do uniforme principalmente por questões de segurança, mas em alguns casos reclamam do valor gasto com as roupas. Na Lodovina Peixoto, um conjunto de calça e casaco de moletom chega a custar R$ 70. A camiseta sai por R$ 12; shorts e bermudas, por R$ 22 cada.

Jocifran Silva Santos, pai de Miriam, de 7 anos, avalia que o uniforme mantém “um padrão” entre as crianças e evita preconceitos contra alunos de famílias pobres. Mas o contraste entre o Estado e a Prefeitura de São Paulo – que concede aos alunos kit avaliado em R$ 97,52, com cinco camisetas, duas bermudas em tactel, cinco pares de meias, um par de tênis, conjuntos de calça e blusão em tactel e em helanca –, é questionado pelo pai: “Para mim é incompatível. Como pode a Prefeitura que tem uma renda menor conceder tantas coisas e o Estado, que arrecada dinheiro de todos os municípios, não entregar nada?”.

Não-obrigatório

Mesmo que o uniforme seja adotado pela escola ou pela secretaria de educação o estudante não pode ser obrigado a usá-lo, nem impedido de frequentar as aulas caso esteja vestido com outra roupa. Leis estaduais e municipais garantem aos estudantes o direito de estudar e muitos governos incentivam escolas a promoverem formas de fornecer uniformes aos alunos carentes.

Segundo relatos dos estudantes, a recomendação na Lodovina Peixoto é usar as cores da escola, camiseta branca e calça cinza – prática também adotada em outras escolas públicas. Lucas, de 10 anos, conta que às vezes fica sem uniforme, quando todas as peças estão lavando. “Coloco outra roupa mesmo. O diretor chama atenção, mas não briga. Nunca levei nenhuma advertência por causa disso”, diz.

* Colaborou Renata Baptista, iG Pernambuco

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