domingo, 12 de junho de 2011

Entrevista - Para orientar-se no mundo do trabalho

Num momento em que o Brasil cresce economicamente, percebemos a necessidade de lançar os olhos e debater um pouco mais o trabalho para a juventude. Conforme Maria Carla Corrochano, os jovens, de maneira geral, falam muito sobre a necessidade de estudar, se qualificar, ainda numa lógica muito cruel, se responsabilizando pelas suas dificuldades em relação ao mercado de trabalho. Existe uma dificuldade de pensar que caminho seguir, como se lhes faltasse um mapa de orientação.

Maria Carla Corrochano,
assessora do Programa Juventude, da ONG Ação Educativa.
Endereço eletrônico: carla@acaoeducativa.org.br

Mundo Jovem: O desemprego juvenil ainda continua elevado?

Maria Carla Corrochano: Não tão elevado quanto era, mas continua elevado em relação aos adultos. E isso implica dizer que não adianta, o desemprego de jovens sempre vai ser mais alto, independentemente do crescimento econômico. Então tem uma questão posta aí: o crescimento econômico é importante, mas não é suficiente para resolver a questão do desemprego de jovens.

Mundo Jovem: Pode-se afirmar que a juventude brasileira é trabalhadora?

Maria Carla Corrochano: Quando se olham os números, dá para afirmar, com relação à grande maioria dos jovens, que a juventude brasileira trabalha e procura trabalho. Nos últimos anos, com o aumento dos índices de escolaridade dos jovens, esse jovem estudante continua no trabalho. Ou melhor, é o jovem trabalhador que foi para a escola. Há a juventude trabalhadora, que começa a trabalhar até mesmo antes da idade permitida por lei.

Mundo Jovem: Existe uma precarização do trabalho juvenil?

Maria Carla Corrochano: Quando você olha o número de ocupações para jovens, as informais principalmente, as oportunidades são mais precarizadas em relação aos adultos. Outro número que chama bastante a atenção é a inatividade. Há um grande número de jovens inativos. Inativo é um termo ruim, mas aqui queremos colocar que é aquele jovem que não estuda, não trabalha e não procura trabalho. Não necessariamente o grupo está inativo no sentido de não estar fazendo nada, mas é um grupo, sobretudo de mulheres, que estão envolvidas com o trabalho em suas próprias casas (cuidam de parentes ou de crianças). E esse número também não apresenta uma baixa, mesmo com o crescimento econômico. Então todas essas condições de trabalho, salário, jornada, de certa forma, são piores quando se considera o público jovem.

Mundo Jovem: O que se pode dizer sobre o conceito de trabalho decente?

Maria Carla Corrochano: Este é um conceito que vem sendo construído pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e implica um trabalho que ofereça condições dignas para o trabalhador. E não se refere apenas ao trabalho com registro em carteira. Trata-se do trabalho para viver uma vida digna, com liberdade, ter condições de participar na sociedade de maneira geral, participar de sindicatos, enfim, ter voz.

A Agenda Nacional de Trabalho Decente, que está sendo construída por várias organizações, foi pensada para os trabalhadores de maneira geral. Ao longo das discussões, durante o Conselho Nacional da Juventude (Conjuve), a questão do trabalho dos jovens foi aparecendo. O principal benefício é olhar especificamente para o trabalho do jovem, porque ainda são os jovens os mais prejudicados e com mais dificuldade para se inserir no mercado de trabalho.

Mundo Jovem: E, caso aprovada, quais seriam as prioridades dessa agenda?

Maria Carla Corrochano: A primeira: mais e melhor educação. Ou seja, pensar em trabalho de jovens é pensar também em melhorar a educação, possibilitando conciliar o trabalho com os estudos e a vida familiar. Outra prioridade é a inserção ativa e digna no mundo do trabalho, com igualdade de tratamento e diálogo social. Contempla as condições de trabalho para os jovens, define o que é trabalho decente, o que o trabalho deveria oferecer, permitir, possibilitar.

Por exemplo, permitir conciliação de trabalho com estudos é absolutamente fundamental. Ainda na área da educação, ampliar as vagas nas universidades públicas também significa pensar uma escola de Ensino Médio que ajude o jovem a refletir suas escolhas e trajetórias profissionais.

Mundo Jovem: No contexto dessas mudanças, como é escolher uma profissão?

Maria Carla Corrochano: Se a gente pensar que hoje não só a juventude, mas todas as fases da vida estão passando por mudanças e sendo impactadas por elas, até pela própria dinâmica do mercado de trabalho, não diria que você escolhe uma profissão hoje e ela é a sua profissão em definitivo. Mas entendo que chega um determinado momento da vida, em geral quando se está no Ensino Médio, em que é preciso pensar qual é o caminho a seguir. Então, dentro dos projetos que a Ação Educativa tem realizado, percebemos que essa é uma questão central para ser trabalhada e discutida. Há transformações muito intensas no mercado de trabalho e surgem perguntas na cabeça dos jovens. E não é só qual carreira escolher, mas também como acessar essa carreira.

Mundo Jovem: A escola pode contribuir nisso?

Maria Carla Corrochano: Existe um papel no Ensino Médio que é o de orientar. E daí, pensando na realidade do estudante de escola pública, ele se questiona sobre talvez fazer um curso técnico, sobre a dificuldade de aprovação numa universidade pública, sobre a impossibilidade financeira de acessar a universidade privada. O mercado ainda é marcado por muitas desigualdades.

Mundo Jovem: Ainda tem significado para o jovem poder escolher uma carreira?

Maria Carla Corrochano: Penso que, embora as ocupações estejam se transformando, é importante definir uma área por onde começar. A pessoa pode ter uma visão totalmente simplista e pensar que nasceu para uma determinada carreira. Mas, na verdade, isto é construído socialmente. A decisão chega através da informação. A escola deveria ter mais informações que subsidiassem o jovem nesse momento tão importante, porque faz todo o sentido, sim, pensar sobre a escolha. Apesar do trabalho estar se transformando, não aboliram-se as carreiras.

Mundo Jovem: Escuta-se que existe um mercado para ser preenchido, mas que falta escolarização ou qualificação?

Maria Carla Corrochano: É difícil afirmar que falta qualificação. Quando dizem que falta gente “formada” para determinadas funções, o problema é você voltar essa questão para o próprio sujeito. O que está por trás desse argumento?

Penso que se numa determinada região falta profissional específico, isso é responsabilidade daquele governo, das escolas profissionais e das empresas locais formarem pessoas para o trabalho. Empresas e poder público é que não conseguem dar conta dessa qualificação. Outra questão é: falta mesmo o profissional qualificado ou o qualificado que a empresa quer precisa preencher um perfil de “x” anos de experiência, falar vários idiomas etc.?

A empresa absorve um recém-formado ou quer alguém com 10 a 20 anos de experiência no mercado? Nesse caso, a qualificação também é socialmente construída, não é só o ensino formal, mas é que tipo de profissional a empresa procura.

Mundo Jovem: Existe a necessidade de aumentar o número de escolas técnicas?

Maria Carla Corrochano: Há necessidade, sim, de mais escolas de expansão para as vagas no ensino técnico. Mas acho que só isso não resolveria o problema. Outra questão é a da identidade do Ensino Médio. Pensando a escola do ensino acadêmico, o que é o Ensino Médio hoje? O Ensino Médio poderia responder a algumas questões sobre o mundo do trabalho, ajudar os jovens nas escolhas, contribuir para a formação deles, sem necessariamente ser cursinho profissionalizante.

Mundo Jovem: Há escolas que têm feito isso?

Maria Carla Corrochano: Umas das coisas legais que temos feito em escolas do Ensino Médio em São Paulo é inserir a discussão sobre a orientação para o mundo do trabalho. O projeto JADE (Jovens Agentes pelo Direito à Educação) inseriu esta prática em cinco escolas. A partir de uma pesquisa feita com os jovens, apuramos duas fortes demandas: uma era sobre a relação do professor com os alunos e vice-versa, que era problemática; e outra era a expectativa pós-Ensino Médio.

Formulamos uma metodologia específica de trabalho com orientação profissional. Numa daquelas Disciplinas de Apoio Curricular (DAC), professores e jovens foram capacitados para trabalhar com alunos, e justamente fazer essa discussão sobre escolhas profissionais: que universidade, que cursinhos, quais são as escolas técnicas específicas para cada capacitação, como entender e se colocar no mundo do trabalho, como se dá a inserção no ensino superior ou no ensino técnico etc.


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Depoimentos sobre estudo e trabalho

“Entrei no JADE (Jovens Agentes pelo Direito à Educação) com o objetivo de me guiar na profissão pretendida, porque eu era muito confusa a respeito do que queria. Na verdade, eu queria uma profissão que englobasse tudo. Só que não tem como, não existe isso, a não ser que você faça mais do que um curso. O projeto tem como foco a formação profissional. Ele ensina políticas públicas, como lidar com o diferente das outras pessoas, e principalmente ensina uma profissão.

Toda a profissão é importante, cada uma complementa a outra para que o mundo funcione e tenha uma sintonia. Para escolher o que queremos é um pouco difícil. Na nossa idade é tudo legal, mas temos que escolher uma coisa só. Então é preciso ver o que mais atrai, o que mais traz afinidade, para poder seguir. Se não tivermos um rumo e focarmos em tudo, não se faz nada.

Na escola, pela experiência que eu tenho, os professores só focam no vestibular. Não orientam sobre a faculdade pública, sobre a possibilidade de tentar uma bolsa de estudos para quem vai cursar a faculdade particular.
No geral, é super complicado encontrar um lugar onde se tenha a disponibilidade de conciliar uma faculdade com o trabalho. Se eu não tiver um emprego bom, não tenho como manter as duas coisas.”

Wendy Carolina Teodoro Valério,
estudante.
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“Na verdade, quando entrei no JADE, eu não sabia bem o que era, mas ele foi me envolvendo e fui participando das aulas, das atividades e descobrindo. E uma coisa que achei superlegal e importante foi que o objetivo principal era que tivéssemos mais informações sobre mercado de trabalho e orientação profissional.

Quando saímos do Ensino Médio, geralmente não temos um foco do que vai fazer depois. Nesse sentido o Projeto ajudou bastante. No meu caso, tive uma professora de Matemática que me acompanhou durante os estudos e sempre me instigou a respeito da profissão. Desde pequena, sempre pensei em fazer Pedagogia. Pensei sobre isso, mas não fiquei focada. A faculdade fica nos planos, mas com o Projeto acabei me direcionando e vendo a importância de começar a fazer uma faculdade ou um curso técnico.

No Projeto percebemos que para alguns, apesar da inclinação por alguma profissão, o foco maior é conseguir trabalho. E isso está ligado ao fato de pertencer a uma classe menos favorecida. Eu, por exemplo, pensava primeiro no trabalho, primeiro estabilizar a vida, para depois estudar.
Eu tive um professor que me disse que a educação, por mais debilitada que esteja hoje em dia, ainda é o único caminho para conseguir alguma coisa melhor para a vida futura.” Janaína Cardoso,
estudante. ::: Voltar :::

Entrevista publicada na edição nº 416, maio de 2011.
jornal mundo jovem

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