Prof ª. Floripes Soares dos Santos
Oitava série. Trinta e tantos alunos barulhentos acomodam-se arrastando as carteiras e fazendo piadas.
Em meio a esse tumulto, um garoto sardento, desses que adoram contar as novidades, grita:
- Professora, aluno novo!
Lá no fundo, dois imensos olhos azuis saltam de um rosto em brasas.
Fito-o com simpatia e o cumprimento. Conheço-o, de algum lugar.
Pergunto-lhe o nome e em qual escola já lhe dera aulas. Ele nega, não me conhece. Continuo a interrogá-lo. Seu nome, de fato, me é estranho, mas... o rosto em fogo, o modo de sentar-se e os olhos me são muito familiares. Insisto, faço mais perguntas. Tenho certeza de já o ter visto, assim, sentado diante de mim. Ele, incomodado, já não encontra mais posição para sentar-se.
A classe inteira em silêncio. Eu olhava para ele, procurando em minha memória como decifrar aquele mistério.
De repente, me vejo perguntando-lhe:
- Seu pai se chama Antônio?
Ele sorri aquiescendo e eu complemento:
- Antônio Veloso. Você é parecidíssimo com ele.
A classe me interroga com os olhos.
Milhões de conjecturas deveriam estar fervendo em suas cabecinhas.
E, também, com certeza não descartavam a possibilidade de eu estar "caducando". Conheço bem meus alunos!
Resolvi, então, desvendar-lhes o mistério do aluno novo.
Fiz um parêntesis na aula, para reportar-me aos anos 70, e contar-lhes minha história:
Uma sala de Mobral. Rostos cansados, mãos trêmulas e calejadas, diante de uma professorinha magra, novinha e inexperiente.
Dentre os alunos, destacava-se uma senhora sorridente e bonita, nos seus sessenta anos. Não faltava um dia, não tanto por aprender, mas para acompanhar e, no íntimo, se orgulhar da filha professora. Faz tanto tempo... mas o brilho dos olhos, daqueles seres ansiosos, que se esforçavam ao máximo para aprender o nome e se tornarem alfabetizados é o mesmo que vejo hoje, nos jovens, quando vêem algo novo. Foi assim que reconheci esses olhos azuis. Seu pai, um pedreiro, fizera parte dessa classe de Mobral. A minha primeira turma. Quantas lembranças me vêm à mente. Que saudade, seu Antônio, daquele tempo. Quem diria, eu conheceria seu filho. E que peça nos prega o destino. Eu, a confundi-lo com ele. Como se o tempo não tivesse passado...
No espelho não vejo mais a mocinha magra. Nem a mãe acompanha a filha professora.
Os alunos ouviram em silêncio esse relato confuso, respeitando minhas divagações e lembranças doídas.
Entenderam tão bem e me pareceram quase adultos, crianças queridas, quando, no dia seguinte, trouxeram à porta da sala de aula o senhor Antônio.
Não sei como conseguiram trazê-lo, como o convenceram a vir. Só sei que nossas lágrimas se confundiram num abraço de lembranças e saudade.
EEPG "Profª Nilza M. S. Paschoal" - Agudos
domingo, 15 de maio de 2011
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