domingo, 15 de maio de 2011

Vidinha de Professor...

Prof. Pedro João Bérgamo


Meia hora após seis. O arreamento sobre o cavalinho saino. Barrigueiras bem apertadas, para o caso de um refugamento de codorna dormitante em casa-capim. Quase sobre as virilhas. No entre baldrana e couro duro, a vestimenta de um carneiro, agora defunto. O cavalo, sonolento ainda, lambe uns últimos bagos de milho. Primeira refeição em dose cavalar. A dureza do dia por vir fará com que não perca sequer uma faísca. Um minuto depois está marchando, num passo picado estrada afora. Ouve o som repicado dos cascos no leito duro. O chuvisco madruguento lavou o chão da poeira penetrante. Estava contente. Também o cavaleiro. O cavaleiro, então. Nem cavaleiro, nem boiadeiro de profissão; nem peão. Levava preso às argolas misturança: comida, café, cadernos, livros, giz. No bate-que-bate ritmado da alimária assentava seu mundo de esperanças. Dia viria em que comprasse carro; carro bom; ligeiro. Nem precisava dormir de olhos abertos para não perder hora. A légua longa ficaria curta, metros. Enquanto pensava, marchava o cavalo, agora saino bem escuro. O cavalo marchava, ele pensava, o diretor por certo dormia.
Agora já são quilômetros percorridos. A escola cada vez mais perto.
O suor do saininho salifica no peito. Resolveu mudar de passo.

Agora troteia, malgrado o cavaleiro. O bate-que-bate, agora seco, perde o repicado e soca o cavaleiro. Cavalo e cavaleiro num soco ritmante. Onde era fígado é coração e vice-versa. A bílis sobe e desce. Bexiga cheia. Primeiro córrego. Param cavalo e dono. Apeiam-se. O cavaleiro olha para frente, para trás, das bandas. Nada, ninguém. Molha a terra. O cavalo já bebeu? Bebe devagar para retardar o avanço. Bobagem dele, sendo que no reinício, em se estando atrasado, o cavaleiro aperta a espora. Dito e feito. No calor do chicote e cutuco de espora, volta a marchar. Marcha cansada, mais tranqueada. Última curva da estrada. Um jipe passa adiante sem levantar poeira. Bem que bem. Estão cansados. O arreio já está duro para os dois.

Têm pressa de chegar, já está passando das oito. Já se ouve o grita-grita da molecada. Oito e dez. "Seja bem-vindo, professor", diz o inspetor escolar, sisudo, sentado à porta da sala.


EEPSG "João Gobbo Sobrinho" - Taguaí




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Prof. Pedro João Bérgamo


Meia hora após seis. O arreamento sobre o cavalinho saino. Barrigueiras bem apertadas, para o caso de um refugamento de codorna dormitante em casa-capim. Quase sobre as virilhas. No entre baldrana e couro duro, a vestimenta de um carneiro, agora defunto. O cavalo, sonolento ainda, lambe uns últimos bagos de milho. Primeira refeição em dose cavalar. A dureza do dia por vir fará com que não perca sequer uma faísca. Um minuto depois está marchando, num passo picado estrada afora. Ouve o som repicado dos cascos no leito duro. O chuvisco madruguento lavou o chão da poeira penetrante. Estava contente. Também o cavaleiro. O cavaleiro, então. Nem cavaleiro, nem boiadeiro de profissão; nem peão. Levava preso às argolas misturança: comida, café, cadernos, livros, giz. No bate-que-bate ritmado da alimária assentava seu mundo de esperanças. Dia viria em que comprasse carro; carro bom; ligeiro. Nem precisava dormir de olhos abertos para não perder hora. A légua longa ficaria curta, metros. Enquanto pensava, marchava o cavalo, agora saino bem escuro. O cavalo marchava, ele pensava, o diretor por certo dormia.
Agora já são quilômetros percorridos. A escola cada vez mais perto.
O suor do saininho salifica no peito. Resolveu mudar de passo.

Agora troteia, malgrado o cavaleiro. O bate-que-bate, agora seco, perde o repicado e soca o cavaleiro. Cavalo e cavaleiro num soco ritmante. Onde era fígado é coração e vice-versa. A bílis sobe e desce. Bexiga cheia. Primeiro córrego. Param cavalo e dono. Apeiam-se. O cavaleiro olha para frente, para trás, das bandas. Nada, ninguém. Molha a terra. O cavalo já bebeu? Bebe devagar para retardar o avanço. Bobagem dele, sendo que no reinício, em se estando atrasado, o cavaleiro aperta a espora. Dito e feito. No calor do chicote e cutuco de espora, volta a marchar. Marcha cansada, mais tranqueada. Última curva da estrada. Um jipe passa adiante sem levantar poeira. Bem que bem. Estão cansados. O arreio já está duro para os dois.

Têm pressa de chegar, já está passando das oito. Já se ouve o grita-grita da molecada. Oito e dez. "Seja bem-vindo, professor", diz o inspetor escolar, sisudo, sentado à porta da sala.


EEPSG "João Gobbo Sobrinho" - Taguaí

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