Para a maioria dos adultos, um menino que coloca um bloco colorido sobre o outro nada mais é do que uma criança entretida. Para a própria criança, a ação vai muito além de um simples passatempo. Sem contar o evidente exercício de imaginação, a brincadeira intensifica a atividade cerebral, desenvolve percepções sensoriais, identificação de linguagens, mobilidade, capacidade associativa e até o fortalecimento de valores morais. Estudiosos do brincar são unânimes em ressaltar os benefícios da brincadeira espontânea e compartilham da mesma preocupação quanto ao descaso de pais que subestimam a diversão dos filhos.
Em tempos de preocupação constante com capacitação profissional, lotar a agenda das crianças com atividades de aprendizado formal é um risco constante. Mesmo entre pais com filhos bastante novos, fora da idade escolar, a falsa ideia de que só se aprende por meio de instruções leva à restrição dos períodos de tempo livre, como se esses não fossem aproveitados para o desenvolvimento infantil.
A professora Maria Ângela Barbato Carneiro, coordenadora do Núcleo de Cultura e Pesquisa do Brincar da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), faz um alerta para o problema da falta de tempo para brincadeiras espontâneas. “Quando as crianças são dirigidas o tempo todo, elas acabam não vivendo a infância. Isso afeta a criatividade e até a capacidade de escolha”, diz a professora, que critica em especial o hábito de algumas famílias que, em troca de momentos de suposto sossego, colocam os filhos para assistir à tevê, atitude que raramente é acompanhada de qualquer reflexão.
Enxergar o equipamento como parceiro é outro problema típico das gerações mais recentes. Se em décadas passadas as brincadeiras domésticas eram compartilhadas por irmãos e primos, o aumento de famílias que optam por ter um único filho levou à diminuição das oportunidades de convívio entre crianças. Assim, videogames ou animais de estimação ocupam o lugar dos amigos e a escola torna-se o ambiente exclusivo para a socialização, embora mesmo lá o tempo para brincadeiras não dirigidas seja curto.
Coletividade
Segundo Maria Ângela, brincar coletivamente é essencial para o desenvolvimento do poder de argumentação. Perto dos 6 anos de idade a criança participa de jogos que envolvem regras e aquelas que são acostumadas a interagir com outras crianças interpretam melhor o que é combinado, aprendem a respeitar o espaço do outro, conseguem usar as regras a seu favor ou até reclamar quando sofrem injustiças, características que serão essenciais para a futura vida social adulta.
Fantasia multiplica uso dos brinquedos
Diferentemente do criterioso e crítico olhar adulto, a imaginação infantil consegue transformar objetos aparentemente desinteressantes em verdadeiras fontes de diversão. É o que faz o pequeno Mateus, filho da professora Josiane Pine. O menino, de pouco mais de 1 ano de idade, gosta de incluir objetos domésticos em suas brincadeiras. “Ele brinca com o telefone, com o microfone, com caixas. Até panelas chamam a atenção do Mateus”, conta Josiane.
A psicóloga Patricia Bertolini reforça o fato de que diversificar a finalidade dos brinquedos é o que interessa para a criança. “Ela pode jogar dominó num dia e no outro usar as peças para empilhar e montar coisas”, exemplifica Patrícia, que é responsável pela brinquedoteca do Hospital Pequeno Príncipe. Já o neurologista Antônio Carlos de Farias, do Instituto de Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe, enfatiza a necessidade de se comprar brinquedos apropriados à faixa etária de cada criança. Para os mais novos, aqueles que estimulam o desenvolvimento dos sentidos são os melhores.
Administrar as diferenças na escolha das brincadeiras é trabalho diário na família de Sirlene Santana Marques, professora e mãe de dois filhos. Ela e o marido, Carlos, costumam brincar juntos com Maria Eduarda, de 5 anos, e Pedro Arthur, de 2, mas há momentos em que as preferências não combinam. “Às vezes a Maria Eduarda quer brincar com jogos que o Pedro não acompanha, aí esperamos ele dormir para depois jogar”, diz Sirlene. Os irmãos, ambos na educação infantil, ainda não têm rotina de estudos, mas mesmo assim desenvolvem-se bem e aprendem de tudo apenas brincando.
Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br
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