Autora: Vicente Martins & Roberta Pinto
Lemos, por e-mail, este relato: “Tenho um enteado de apenas 6 anos,
completos dia 13/01; ano passado ele estava no Jardim III, e pediu para o pai
dele comprar um caderno para mostrar que ele sabia escrever, e sabia também a
família das letras, pois bem escreveu Ba-Be-Bi-Bo-Bu, e achamos lindo, quando
foi escrever a família da consoante C, escreveu Ca-Ce-Ci-Co-Cu, e eu expliquei
que no meu tempo não era assim, e que a família era apenas Ca-Co-Cu, e como se
não bastasse ele disse que a professora havia ensinado assim para sua turma, e
ainda a pronuncia do Ce = queijo e a pronuncia do Ci= quilombo, questionamos a
escola e para a minha surpresa a escola através de carta devolveu a resposta
dizendo que esse episódio era uma simplesmente troca de fonema normal para a
idade dele, a resposta não convenceu, pois no final de semana seguinte ao
recebimento do fax, que o pai enviou para escola questionando, a crianças
escreveu Ka-Ke-Ki-Ko-Ku, sendo a família da Keli e Kilo.”
No seu e-mail, a internauta me solicita opinião sobre o ensino da
alfabetização para seu enteado de apenas 6 anos.
São muitas informações e farei comentários a alguns deles. Se desejar,
poderá trocar mais idéias sobre o assunto.
O primeiro ponto a esclarecer é o seguinte: há uma diferença entre letras
e fonemas. Os fonemas são os sons da fala. No plano do ensino da língua, os
fonemas são assim classificados: vogais, consoantes e semivogais. As letras, na
escrita, representam os fonemas ou os sons da fala. Quase sempre as pessoas,
educadores, professores, experientes no magistério, são "leigas", isto é,
desconhecem lingüisticamente o processo de alfabetização.
As letras representam os fonemas, como disse, mas não dão conta do número
de fonemas. Por isso, algunas letras tem mais de um som, dependendo da posição
que se encontram no interior da palavra. Dizemos que é uma correspondência
equívoca: as letras não correspondem exatamente os sons da fala e vice-versa.
Assim, escrevemos letras, mas os fonemas (vogais, consoantes e semivogais) só
escutamos, quando transformamos as letras em fonemas no decorrer da leitura ou
soletração. Os lingüistas e os próprios gramáticos convecionaram o seguinte:
quando se trata de letra, minúscula ou maiúscula, é assim a, A, b, B, c, C e uma
infinidade de tipos.
Quando queremos nos referir as vogais, consoantes e semivogais
representamos entre barras: /b/, dizemos o som "bê", se escrevemos b ou B,
dizemos a letra B. Em geral, os professores confundem letras com fonemas e isso
causa um dano enorme na formação dos nossos estudantes, especialmente na escrita
ortográfica e na leitura inicial, que carece muito desses conhecimentos básicos
dos sons da fala e de sua representação na escrita.
Mas veja como é curioso o seguinte: a palavra vogal, de origem latina,
quer dizer "aquilo que vem da voz" e a palavra consoante" aquilo que produz
som", portanto, vogais e consoantes têm a ver com os sons que vem da fala ou da
voz humana.
A letra C, por exemplo, dependendo do ambiente fonológico pode ter dois
sons distintos: se a letra C está diante das letras O, A e U, terá som de /k/,
portanto a consoante é /Ka/ (estranho, né. Mas é assim mesmo). Olhe e verá que
as letras A, O e U representam, respectivamente, na escrita ortográfica, a vogal
média /a/ e vogais posteriores /o/ e /u/. Se a letra C está diante das letras E
e I, que representam (por pura coincidência mesmo) as vogais /e/ e /i/, passa a
ter um som de diferente, isto é, tem som de /s/ (que a gente diz "Sê"). A título
de informação, diriamos que na língua temos, pelo menos, 12 sons vocálicos ou
vogais e umas 33 sons consonânticos ou consoantes. Em quilombo, por exemplo, nós
temos duas letras QU que representam a consoante /k/. Esse grupo de letras a
gramática chama de dígrafo. Repetindo: dígrafo é assim, duas letras representam
um único som quando lemos. Voltando a palavra quilombo, teria esse som:
/kilombu/.
Por isso, como é importante ensinar quantas letras e fonemas podemos
encontrar em uma palavra. Na palavra queijo, pronuiamos assim /keiju/. Na
palavra quadro, se lê /kuadro/ assim deixa de ser dígrafo.
Uma leitura na página sobre fonologia, de qualquer gramática escolar,
pode ser bastante esclarecedora. Claro, o ideal é que, com ajuda de um
profissional de Letras ou de Lingüística, que entenda bem do assunto, possa
orientar melhor os professores e a própria escola como um todo. Tudo isso, é
verdade, a abordagem sobre a leitura inicial é nova no Brasil e há pouco tempo é
que foi introduzido como uma reflexão sobre o ensino da linguagem verbal, a
iniciar-se na educação infantil.
Roberta Pinto: Pedagoga e professora da Rede Estadual de Ensino no Estado do Ceará, em Sobral.
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