As professoras
formadoras que compõem a equipe da área de linguagens e especificidades do
Centro de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação Básica do Estado
de Mato Grosso (Cefapro), polo de Sinop, pesquisadoras participantes do Grupo de
Estudos e Pesquisas em Linguística Aplicada (GEPLIA), desenvolveram, ao longo do
primeiro semestre de 2012, atividades reflexivas presenciais e em ambiente
colaborativo de aprendizagem a distância a partir da
discussão da obra “Professores: Imagens do futuro presente” (Nódoas, 2009). Elas socializam com demais
educadores de Mato Grosso parte da pesquisa que resultou em entrevista com o
autor do livro pesquisado.
A equipe procurou relacionar os pressupostos teóricos defendidos
pelo Professor Nóvoa, com o trabalho que realizam diariamente no contexto de
formação continuada no “Projeto Sala de Educador”, especificamente na área da
linguagem. Na última atividade a ser desenvolvida na plataforma, denominada Face
a face com Nóvoa, as participantes realizaram uma entrevista acerca dos temas
discutidos.
Na abordagem feita com o autor, ele trata sobre problemas e
necessidades acerca da formação inicial e continuada do docente, os dasafios da
profissão do professor, a ação, a reflexão e o desenvolvimento da
profissionalidade a partir da autoformação e da autoreflexão. Também estão
registradas suas concepções sobre a relevância social do professor e a defesa de
uma formação de professores construída dentro da profissão, mediante trabalho
colaborativo. Segue abaixo o resultado desse trabalho e uma breve apresentação
do auto.
Autor: Antônio Nóvoa
é Professor Catedrático da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da
Universidade de Lisboa, e nela atua, atualmente, como reitor. Possui doutorado
em Ciências da Educação na Universidade de Genebra, agregação em Ciências da
Educação na Universidade de Lisboa e doutorado em História pela Universidade de
Paris IV-Sorbonne. Tem o seu interesse como pesquisador especialmente voltado
para questões que abrangem a qualificação profissional e o aprender contínuo de
professores como motores para a melhoria do ensino.
Escreveu artigos e organizou vários livros: Os professores e a sua
formação (1992), Formação de professores e trabalho pedagógico (2002), Novas
disposições dos professores - A escola como lugar da formação (2004), Os
professores e o novo espaço público da educação (2006), O regresso dos
professores (2007), Professores: imagens do futuro presente (2009), para citar
apenas alguns.
Confira a entrevista:
GEPLIA: Em seu livro
“O regresso dos professores” (2007), o senhor afirma que estaríamos vivendo “uma
espécie de consenso discursivo” no que diz respeito aos problemas e necessidades
acerca da formação docente. O consenso ainda está apenas no discurso ou também
aparece nas ações?
Nóvoa: Infelizmente, o
consenso é bem mais evidente nos discursos do que nas práticas. Vivemos um tempo
de muita inovação nas palavras e de pouca mudança na realidade concreta dos
professores e da formação docente. Vivemos um tempo em que é necessário, mais do
que nunca, avançar para novas experiências de formação, no terreno da escola e
da ação pedagógica.
GEPLIA: O senhor
acredita que a formação continuada possa ser apenas mais um modismo? O que o faz
pensar assim?
Nóvoa: Na verdade,
assim tem acontecido. O movimento da formação contínua nasceu, historicamente,
no final da década de sessenta, em conjunto com uma reflexão sobre a educação
permanente e a “desescolarização da sociedade”. A inspiração principal era a
criação de modelos não formais, não escolarizados de formação. O que aconteceu
foi a transformação deste movimento numa lógica de cursos e mais cursos, muitas
vezes numa perspectiva de “consumo” e de “mercado”, sem uma verdadeira presença
e participação dos professores e, sobretudo, sem a valorização da sua
experiência pessoal e profissional.
GEPLIA: Será o
professor um sujeito que se apropria minimamente do saber e da profissão por uma
questão de fraqueza de discurso e de identidade criadas pelas situações sociais,
culturais e históricas vivenciadas ao longo de sua
vida?
Nóvoa: É um processo
difícil de explicar. Durante muito tempo, os professores eram mestres do seu
ofício e, num certo sentido, controlavam a sua própria profissão. Mas detinham
um estatuto social e profissional muito baixo. Com a expansão e a progressiva
complexidade dos sistemas de ensino, a partir de meados do século XX, foi
necessário recorrer a um conjunto de especialistas (do currículo, do
planejamento, dos manuais escolares, da didática, da administração, da
avaliação, da formação, das tecnologias etc.) que passaram a exercer certa
tutela sobre os professores. Esta divisão tem sido perniciosa para o
desenvolvimento da profissão docente.
GEPLIA: Em relação ao
Brasil como o senhor vê os avanços na formação dos
professores brasileiros e o que ainda precisa avançar? E em
especial em Mato Grosso, como vê a formação continuada dos professores da rede
pública estadual?
Nóvoa: Não tenho
conhecimento suficiente para poder me pronunciar, com rigor, sobre o que me
perguntam. Pessoalmente, considero que seria necessário criar uma nova
instituição que juntasse os centros universitários de formação, os grupos de
pesquisa e as escolas da rede. Esta instituição não está muito distante de
algumas das nossas práticas. Mas é preciso dar um passo a mais e criá-la, com
uma unidade e uma organização própria. Nesta instituição: os formadores
universitários devem fazer pesquisa e dar aulas nas escolas da rede; os
pesquisadores devem participar na formação e intervir pedagogicamente nas
escolas; os professores da rede devem participar na pesquisa e na formação dos
seus futuros colegas.
GEPLIA: Sabemos dos
dilemas enfrentados diariamente pelos Professores e que não são poucos, mas
também, percebemos um número expressivo de professores que ainda pensa em
brilhos pessoais, e não podemos esquecer que tivemos esta formação
individualista. Como reverter esta situação?
Nóvoa: A profissão
docente tem mantido uma matriz individualista muito
forte.
Contrariamente a outras profissões que evoluíram num sentido mais
coletivo – médicos, engenheiros, arquitetos, advogados etc. – os professores
ainda não encontraram todos os caminhos da cooperação e da colaboração.
Certamente que tal se deve, e muito, à organização das escolas e, sobretudo, à
organização dos horários dos professores. Mas estou convencido de que este
passo, no sentido de uma profissão mais cooperativa e colaborativa, é decisivo
para o nosso futuro.
GEPLIA: No livro
“Professores: Imagens do futuro presente” (2009), o senhor aponta cinco
disposições essenciais à definição do perfil dos professores nos dias de hoje: o
conhecimento, a cultura profissional, o tato pedagógico, o trabalho em equipe e
o compromisso social. Nesta perspectiva, como contribuir para esta formação,
visto que tivemos uma formação totalmente
fragmentada?
Nóvoa: A resposta
encontra-se em dois movimentos. Por um lado, a renovação da formação inicial, na
perspectiva de uma maior cooperação e trabalho conjunto com as escolas. Por
outro lado, uma mudança da formação contínua, acentuando as dinâmicas de
desenvolvimento profissional no seio das escolas, em vez da lógica que hoje
predomina do “mercado da formação”.
GEPLIA: Estudos apontam
que a capacidade reflexiva em grupo desponta como característica primordial da
profissão docente. Em que a reflexão pode, efetivamente, contribuir para o
desenvolvimento da profissionalidade?
Nóvoa: A docência não
é uma profissão técnica, na qual as soluções são racionais e objetivas. Não. A
docência baseia-se sempre numa resposta contextualizada, em situação, diferente
de uma sala de aula para outra, diferente de um aluno para outro. A docência é
sempre um momento humano, de relação, marcado pela imprevisibilidade e pela
necessidade de respostas caso a caso. Ora, para ser capaz de estar à altura
destas exigências, o professor necessita desenvolver disposições reflexivas,
designadamente no diálogo com os outros colegas, que lhe permitam, no momento
certo, nesse dia a dia pedagógico, responder com inteligência e tato a cada
situação concreta.
GEPLIA: Em que o
professor em pré-serviço deve fundamentar sua formação
inicial
para que consiga formar-se e fortalecer-se enquanto
docente?
Nóvoa: Respondo-lhe
com três termos: conhecer, relacionar, organizar. Capacidade de conhecimento das
matérias e das pessoas – sem conhecimento não há ensino nem aprendizagem.
Capacidade de relação com os outros – a pedagogia é sempre um espaço de relação
e esse espaço deve alargar-se, também, ao trabalho conjunto com os outros
professores. Capacidade de organização do trabalho escolar – o ensino, hoje,
exige a definição de prioridades e um sentido apurado do que é e de como deve
ser organizado o trabalho escolar.
GEPLIA: Que teorias
devem/podem subsidiar a formação continuada do docente para atender às demandas
do século XXI?
Nóvoa: A formação
continuada deve ser feita dentro das escolas, no quadro de duas orientações
principais. Por um lado, uma lógica de desenvolvimento profissional docente,
isto é, um trabalho conjunto dos professores em torno dos problemas da escola,
dos alunos, da pedagogia e da profissão. Por outro lado, uma lógica de
desenvolvimento do projeto educativo da escola, isto é, uma formação continuada
que está intimamente articulada com as dinâmicas da escola e do dia a dia dos
professores. A formação continuada não pode ser mais um “problema” para os
professores; tem de ser um “apoio” suplementar que eles recebem para a
realização do seu trabalho.
GEPLIA: Em alguns dos
seus textos o senhor relata uma dicotomia entre pacotes de Formação Padronizados
e a Formação proposta e desenvolvida pelas próprias
instituições escolares. Qual a diferença fundamental entre estes
dois modelos e qual mais se adequa a realidade educacional de nosso
Estado?
Nóvoa: Como respondi
anteriormente, temos de evoluir no sentido de uma formação desenvolvida pelas
próprias instituições escolares, obviamente em colaboração com outras entidades,
como universidades e centros de pesquisa. Mas a formação de professores e, em
particular a formação continuada, deve ter lugar na
escola.
GEPLIA: Percebemos que
muitos de nós, profissionais da educação, temos como hábito a renovação
pedagógica no fazer, seja através da formação continuada ou mesmo na busca
individual. Mesmo assim, não nos vemos como professores pesquisadores. Em sua
opinião, por que isso acontece? Por que nós professores da educação básica não
nos encorajamos a falar e escrever sobre essas construções? Será uma imagem
construída na sociedade sobre nossa profissão?
Nóvoa: Tem toda a
razão. Num certo sentido, os professores cederam essa dimensão de pesquisa aos
universitários e aos especialistas. É um erro. É preciso reunir
as
capacidades de “ação” e de “reflexão” nos professores. Claro que
isso obriga a
mudanças de fundo, necessariamente lentas, no estatuto dos
professores, na organização do seu tempo etc. Mas se essas mudanças tiveram
lugar em vários países, nomeadamente na Europa, não há qualquer razão para que
não aconteçam também no Brasil.
GEPLIA: O senhor afirma
que é fundamental reforçar a pessoa-professor e o
professor-pessoa e que é importante estimular os futuros
professores e professores em início de exercício práticas de autoformação e
hábitos de autorreflexão. Então perguntamos: quem seria responsável por este
estímulo? Como poderiam ocorrer essas
práticas? É possível citar exemplos de ações e práticas bem
sucedidas nesse sentido?
Nóvoa: Sim, há muitos
exemplos, em todos os países, da existência de professores que revelam uma
significativa capacidade de autoformação e de autorreflexão. Se formos capazes
de valorizar os livros escritos sobre professores descrevendo e refletindo sobre
experiências concretas ou o papel dos professores mais reconhecidos na formação
dos jovens professores estaremos a caminhar na direção certa e a dar passos
consistentes para reforçar a pessoa como professor e o professor como
pessoa.
GEPLIA: Para
argumentar a necessidade de uma formação de professores construída dentro da
profissão, em seu livro “Professores: Imagens do futuro presente” (2009), o
senhor apresenta cinco facetas da problemática, os cinco “P”: Práticas,
Profissão, Pessoa, Partilha, Público. Vamos aos “P”:
GEPLIA: Práticas – O
senhor defende um esforço de reelaboração visando uma “transformação
deliberativa”. Como o docente pode chegar a esse tipo
de
transformação?
Nóvoa: É preciso
sublinhar que a ação pedagógica implica que o professor tome, diariamente,
centenas de decisões. O trabalho docente não se traduz numa aplicação mecânica
de conhecimentos, mas antes na transformação do conhecimento em ensino e
aprendizagem.
GEPLIA: Profissão – O
encontro dos professores colabora para criar um contexto propício para o diálogo
entre os pares. Os professores estão desejosos e preparados para terem “de volta
sua formação”? A simples agregação de professores é suficiente para o
diálogo?
Nóvoa: Não. É preciso
organizar as escolas de uma forma que estimule este diálogo e, sobretudo, é
preciso que os professores sintam que a cooperação é um elemento positivo para
as suas vidas profissionais. Sei que a colaboração entre professores é muito
difícil. Mas sei também que, quando ela tem lugar, se verifica avanços
extraordinários na pedagogia e no trabalho escolar.
GEPLIA: Pessoa –
Gostaríamos que comentasse sobre os problemas emocionais e físicos advindos de
uma vida dedicada à educação e onde se encontra o nó que necessita ser desfeito
para que tenhamos professores em final de carreira gozando de vida plena e
saudável, pois não é isso que a sociedade tem
produzido.
Nóvoa: Na docência,
não é possível separar as dimensões pessoais e profissionais. É um dos grandes
“problemas” da nossa profissão, mas também uma das
grandes
“vantagens”. Quando estas duas dimensões se cruzam harmoniosamente,
surge uma situação de bem-estar que sentimos em tantos professores; mas quando
elas entram em conflito, o mal-estar torna-se inevitável. Nessas alturas, é
preciso criar as condições para que os professores tenham um tempo de renovação,
seja dedicando-se a outras tarefas (apoio, biblioteca etc.), seja mudando de
escola. Também aqui, as dinâmicas de cooperação e de colaboração podem ser
decisivas.
GEPLIA: Partilha –
“Através dos movimentos pedagógicos ou das comunidades de prática, reforça-se um
sentimento de pertença e de identidade profissional que é essencial para que os
professores se apropriem dos processos de mudança e os transformem em práticas
concretas de intervenção” (NÓVOA, 2009, p. 42). O que nos impede de criarmos e
mantermos “comunidades de prática”?
Nóvoa: O dia a dia dos
professores é, por vezes, muito asfixiante. O tempo é uma condição essencial
para a reflexão e para a criação de “comunidades de prática”. O mesmo se passa
com os movimentos pedagógicos, que tiveram tanta importância até a década de
1960. A renovação da profissão e da formação docente passa, também, pela
capacidade de nos envolvermos em movimentos pedagógicos, de debate, de discussão
e de intervenção.
GEPLIA: Público – Se o
trabalho do professor é uma tarefa tão “nobre” para
a
sociedade, por que não conseguimos
conquistá-la?
Nóvoa: Não sou tão
pessimista. Julgo que os professores têm tido, pelo menos nos últimos cem anos,
um papel de grande relevância social. Hoje, as sociedades têm uma consciência
muito forte da importância da educação e do conhecimento. Mas é verdade que,
muitas vezes, não são coerentes e não concedem aos professores o estatuto que
eles merecem. Há uma distância a percorrer, que depende também, e muito, da
nossa capacidade para nos organizarmos internamente de outro modo e para
respondermos de forma inovadora, com inteligência, aos desafios do mundo
contemporâneo.
Referências
MATO GROSSO. Política de formação dos profissionais da Educação
Básica de Mato Grosso: formação em rede entrelaçando saberes. SUFP/SEDUC/MT.
Cuiabá, 2010.
NÓVOA, A. Os professores e a sua formação. 2. ed. Lisboa: D.
Quixote, 1992.
NÓVOA, A. Formação de professores e trabalho pedagógico. Lisboa:
Educa, 2002.
NÓVOA, A. Novas disposições dos professores - A escola como lugar
da formação. Correio da Educação, n. 47, 16 de Fevereiro de
2004.
NÓVOA, A. Os professores e o novo espaço público da educação.
Educação e
sociedade: perspectivas educacionais no século XXI. Santa Maria:
Centro Universitário Franciscano, p.19-45, 2006.
NÓVOA, A. O
regresso dos professores. In:
Teacher Professional development for the quality and equity of lifelong
learning. Lisboa: European
Commission, 2007.
NÓVOA, A. Professores: imagens do futuro presente. Lisboa:
Educa, 2009.
Fonte: Revista de Letras Norte@mentos – Revista de
Estudos
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