quarta-feira, 6 de março de 2013

MT - Professor Antonio Novoas é entrevistado por Formadoras de Sinop

As professoras formadoras que compõem a equipe da área de linguagens e especificidades do Centro de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação Básica do Estado de Mato Grosso (Cefapro), polo de Sinop, pesquisadoras participantes do Grupo de Estudos e Pesquisas em Linguística Aplicada (GEPLIA), desenvolveram, ao longo do primeiro semestre de 2012, atividades reflexivas presenciais e em ambiente colaborativo de aprendizagem a distância  a partir da discussão da obra “Professores: Imagens do futuro presente” (Nódoas, 2009). Elas socializam com demais educadores de Mato Grosso parte da pesquisa que resultou em entrevista com o autor do livro pesquisado.

A equipe procurou relacionar os pressupostos teóricos defendidos pelo Professor Nóvoa, com o trabalho que realizam diariamente no contexto de formação continuada no “Projeto Sala de Educador”, especificamente na área da linguagem. Na última atividade a ser desenvolvida na plataforma, denominada Face a face com Nóvoa, as participantes realizaram uma entrevista acerca dos temas discutidos.

Na abordagem feita com o autor, ele trata sobre problemas e necessidades acerca da formação inicial e continuada do docente, os dasafios da profissão do professor, a ação, a reflexão e o desenvolvimento da profissionalidade a partir da autoformação e da autoreflexão.  Também estão registradas suas concepções sobre a relevância social do professor e a defesa de uma formação de professores construída dentro da profissão, mediante trabalho colaborativo. Segue abaixo o resultado desse trabalho e uma breve apresentação do auto.


Autor: Antônio Nóvoa é Professor Catedrático da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, e nela atua, atualmente, como reitor. Possui doutorado em Ciências da Educação na Universidade de Genebra, agregação em Ciências da Educação na Universidade de Lisboa e doutorado em História pela Universidade de Paris IV-Sorbonne. Tem o seu interesse como pesquisador especialmente voltado para questões que abrangem a qualificação profissional e o aprender contínuo de professores como motores para a melhoria do ensino.

Escreveu artigos e organizou vários livros: Os professores e a sua formação (1992), Formação de professores e trabalho pedagógico (2002), Novas disposições dos professores - A escola como lugar da formação (2004), Os professores e o novo espaço público da educação (2006), O regresso dos professores (2007), Professores: imagens do futuro presente (2009), para citar apenas alguns.

Confira a entrevista:

GEPLIA: Em seu livro “O regresso dos professores” (2007), o senhor afirma que estaríamos vivendo “uma espécie de consenso discursivo” no que diz respeito aos problemas e necessidades acerca da formação docente. O consenso ainda está apenas no discurso ou também aparece nas ações?
Nóvoa: Infelizmente, o consenso é bem mais evidente nos discursos do que nas práticas. Vivemos um tempo de muita inovação nas palavras e de pouca mudança na realidade concreta dos professores e da formação docente. Vivemos um tempo em que é necessário, mais do que nunca, avançar para novas experiências de formação, no terreno da escola e da ação pedagógica.

GEPLIA: O senhor acredita que a formação continuada possa ser apenas mais um modismo? O que o faz pensar assim?
Nóvoa: Na verdade, assim tem acontecido. O movimento da formação contínua nasceu, historicamente, no final da década de sessenta, em conjunto com uma reflexão sobre a educação permanente e a “desescolarização da sociedade”. A inspiração principal era a criação de modelos não formais, não escolarizados de formação. O que aconteceu foi a transformação deste movimento numa lógica de cursos e mais cursos, muitas vezes numa perspectiva de “consumo” e de “mercado”, sem uma verdadeira presença e participação dos professores e, sobretudo, sem a valorização da sua experiência pessoal e profissional.

GEPLIA: Será o professor um sujeito que se apropria minimamente do saber e da profissão por uma questão de fraqueza de discurso e de identidade criadas pelas situações sociais, culturais e históricas vivenciadas ao longo de sua vida?
Nóvoa: É um processo difícil de explicar. Durante muito tempo, os professores eram mestres do seu ofício e, num certo sentido, controlavam a sua própria profissão. Mas detinham um estatuto social e profissional muito baixo. Com a expansão e a progressiva complexidade dos sistemas de ensino, a partir de meados do século XX, foi necessário recorrer a um conjunto de especialistas (do currículo, do planejamento, dos manuais escolares, da didática, da administração, da avaliação, da formação, das tecnologias etc.) que passaram a exercer certa tutela sobre os professores. Esta divisão tem sido perniciosa para o desenvolvimento da profissão docente.

GEPLIA: Em relação ao Brasil como o senhor vê os avanços na formação dos
professores brasileiros e o que ainda precisa avançar? E em especial em Mato Grosso, como vê a formação continuada dos professores da rede pública estadual?
Nóvoa: Não tenho conhecimento suficiente para poder me pronunciar, com rigor, sobre o que me perguntam. Pessoalmente, considero que seria necessário criar uma nova instituição que juntasse os centros universitários de formação, os grupos de pesquisa e as escolas da rede. Esta instituição não está muito distante de algumas das nossas práticas. Mas é preciso dar um passo a mais e criá-la, com uma unidade e uma organização própria. Nesta instituição: os formadores universitários devem fazer pesquisa e dar aulas nas escolas da rede; os pesquisadores devem participar na formação e intervir pedagogicamente nas escolas; os professores da rede devem participar na pesquisa e na formação dos seus futuros colegas.

GEPLIA: Sabemos dos dilemas enfrentados diariamente pelos Professores e que não são poucos, mas também, percebemos um número expressivo de professores que ainda pensa em brilhos pessoais, e não podemos esquecer que tivemos esta formação individualista. Como reverter esta situação?
Nóvoa: A profissão docente tem mantido uma matriz individualista muito forte.
Contrariamente a outras profissões que evoluíram num sentido mais coletivo – médicos, engenheiros, arquitetos, advogados etc. – os professores ainda não encontraram todos os caminhos da cooperação e da colaboração. Certamente que tal se deve, e muito, à organização das escolas e, sobretudo, à organização dos horários dos professores. Mas estou convencido de que este passo, no sentido de uma profissão mais cooperativa e colaborativa, é decisivo para o nosso futuro. 

GEPLIA: No livro “Professores: Imagens do futuro presente” (2009), o senhor aponta cinco disposições essenciais à definição do perfil dos professores nos dias de hoje: o conhecimento, a cultura profissional, o tato pedagógico, o trabalho em equipe e o compromisso social. Nesta perspectiva, como contribuir para esta formação, visto que tivemos uma formação totalmente fragmentada?
Nóvoa: A resposta encontra-se em dois movimentos. Por um lado, a renovação da formação inicial, na perspectiva de uma maior cooperação e trabalho conjunto com as escolas. Por outro lado, uma mudança da formação contínua, acentuando as dinâmicas de desenvolvimento profissional no seio das escolas, em vez da lógica que hoje predomina do “mercado da formação”.

GEPLIA: Estudos apontam que a capacidade reflexiva em grupo desponta como característica primordial da profissão docente. Em que a reflexão pode, efetivamente, contribuir para o desenvolvimento da profissionalidade?
Nóvoa: A docência não é uma profissão técnica, na qual as soluções são racionais e objetivas. Não. A docência baseia-se sempre numa resposta contextualizada, em situação, diferente de uma sala de aula para outra, diferente de um aluno para outro. A docência é sempre um momento humano, de relação, marcado pela imprevisibilidade e pela necessidade de respostas caso a caso. Ora, para ser capaz de estar à altura destas exigências, o professor necessita desenvolver disposições reflexivas, designadamente no diálogo com os outros colegas, que lhe permitam, no momento certo, nesse dia a dia pedagógico, responder com inteligência e tato a cada situação concreta.

GEPLIA: Em que o professor em pré-serviço deve fundamentar sua formação inicial
para que consiga formar-se e fortalecer-se enquanto docente?
Nóvoa: Respondo-lhe com três termos: conhecer, relacionar, organizar. Capacidade de conhecimento das matérias e das pessoas – sem conhecimento não há ensino nem aprendizagem. Capacidade de relação com os outros – a pedagogia é sempre um espaço de relação e esse espaço deve alargar-se, também, ao trabalho conjunto com os outros professores. Capacidade de organização do trabalho escolar – o ensino, hoje, exige a definição de prioridades e um sentido apurado do que é e de como deve ser organizado o trabalho escolar.

GEPLIA: Que teorias devem/podem subsidiar a formação continuada do docente para atender às demandas do século XXI?
Nóvoa: A formação continuada deve ser feita dentro das escolas, no quadro de duas orientações principais. Por um lado, uma lógica de desenvolvimento profissional docente, isto é, um trabalho conjunto dos professores em torno dos problemas da escola, dos alunos, da pedagogia e da profissão. Por outro lado, uma lógica de desenvolvimento do projeto educativo da escola, isto é, uma formação continuada que está intimamente articulada com as dinâmicas da escola e do dia a dia dos professores. A formação continuada não pode ser mais um “problema” para os professores; tem de ser um “apoio” suplementar que eles recebem para a realização do seu trabalho.

GEPLIA: Em alguns dos seus textos o senhor relata uma dicotomia entre pacotes de Formação Padronizados e a Formação proposta e desenvolvida pelas próprias
instituições escolares. Qual a diferença fundamental entre estes dois modelos e qual mais se adequa a realidade educacional de nosso Estado?
Nóvoa: Como respondi anteriormente, temos de evoluir no sentido de uma formação desenvolvida pelas próprias instituições escolares, obviamente em colaboração com outras entidades, como universidades e centros de pesquisa. Mas a formação de professores e, em particular a formação continuada, deve ter lugar na escola.

GEPLIA: Percebemos que muitos de nós, profissionais da educação, temos como hábito a renovação pedagógica no fazer, seja através da formação continuada ou mesmo na busca individual. Mesmo assim, não nos vemos como professores pesquisadores. Em sua opinião, por que isso acontece? Por que nós professores da educação básica não nos encorajamos a falar e escrever sobre essas construções? Será uma imagem construída na sociedade sobre nossa profissão?
Nóvoa: Tem toda a razão. Num certo sentido, os professores cederam essa dimensão de pesquisa aos universitários e aos especialistas. É um erro. É preciso reunir as
capacidades de “ação” e de “reflexão” nos professores. Claro que isso obriga a
mudanças de fundo, necessariamente lentas, no estatuto dos professores, na organização do seu tempo etc. Mas se essas mudanças tiveram lugar em vários países, nomeadamente na Europa, não há qualquer razão para que não aconteçam também no Brasil.

GEPLIA: O senhor afirma que é fundamental reforçar a pessoa-professor e o
professor-pessoa e que é importante estimular os futuros professores e professores em início de exercício práticas de autoformação e hábitos de autorreflexão. Então perguntamos: quem seria responsável por este estímulo? Como poderiam ocorrer essas
práticas? É possível citar exemplos de ações e práticas bem sucedidas nesse sentido?
Nóvoa: Sim, há muitos exemplos, em todos os países, da existência de professores que revelam uma significativa capacidade de autoformação e de autorreflexão. Se formos capazes de valorizar os livros escritos sobre professores descrevendo e refletindo sobre experiências concretas ou o papel dos professores mais reconhecidos na formação dos jovens professores estaremos a caminhar na direção certa e a dar passos consistentes para reforçar a pessoa como professor e o professor como pessoa.

GEPLIA: Para argumentar a necessidade de uma formação de professores construída dentro da profissão, em seu livro “Professores: Imagens do futuro presente” (2009), o senhor apresenta cinco facetas da problemática, os cinco “P”: Práticas, Profissão, Pessoa, Partilha, Público. Vamos aos “P”:

GEPLIA: Práticas – O senhor defende um esforço de reelaboração visando uma “transformação deliberativa”. Como o docente pode chegar a esse tipo de
transformação?
Nóvoa: É preciso sublinhar que a ação pedagógica implica que o professor tome, diariamente, centenas de decisões. O trabalho docente não se traduz numa aplicação mecânica de conhecimentos, mas antes na transformação do conhecimento em ensino e aprendizagem.

GEPLIA: Profissão – O encontro dos professores colabora para criar um contexto propício para o diálogo entre os pares. Os professores estão desejosos e preparados para terem “de volta sua formação”? A simples agregação de professores é suficiente para o diálogo?
Nóvoa: Não. É preciso organizar as escolas de uma forma que estimule este diálogo e, sobretudo, é preciso que os professores sintam que a cooperação é um elemento positivo para as suas vidas profissionais. Sei que a colaboração entre professores é muito difícil. Mas sei também que, quando ela tem lugar, se verifica avanços extraordinários na pedagogia e no trabalho escolar.

GEPLIA: Pessoa – Gostaríamos que comentasse sobre os problemas emocionais e físicos advindos de uma vida dedicada à educação e onde se encontra o nó que necessita ser desfeito para que tenhamos professores em final de carreira gozando de vida plena e saudável, pois não é isso que a sociedade tem produzido.
Nóvoa: Na docência, não é possível separar as dimensões pessoais e profissionais. É um dos grandes “problemas” da nossa profissão, mas também uma das grandes
“vantagens”. Quando estas duas dimensões se cruzam harmoniosamente, surge uma situação de bem-estar que sentimos em tantos professores; mas quando elas entram em conflito, o mal-estar torna-se inevitável. Nessas alturas, é preciso criar as condições para que os professores tenham um tempo de renovação, seja dedicando-se a outras tarefas (apoio, biblioteca etc.), seja mudando de escola. Também aqui, as dinâmicas de cooperação e de colaboração podem ser decisivas.

GEPLIA: Partilha – “Através dos movimentos pedagógicos ou das comunidades de prática, reforça-se um sentimento de pertença e de identidade profissional que é essencial para que os professores se apropriem dos processos de mudança e os transformem em práticas concretas de intervenção” (NÓVOA, 2009, p. 42). O que nos impede de criarmos e mantermos “comunidades de prática”?
Nóvoa: O dia a dia dos professores é, por vezes, muito asfixiante. O tempo é uma condição essencial para a reflexão e para a criação de “comunidades de prática”. O mesmo se passa com os movimentos pedagógicos, que tiveram tanta importância até a década de 1960. A renovação da profissão e da formação docente passa, também, pela capacidade de nos envolvermos em movimentos pedagógicos, de debate, de discussão e de intervenção.

GEPLIA: Público – Se o trabalho do professor é uma tarefa tão “nobre” para a
sociedade, por que não conseguimos conquistá-la?
Nóvoa: Não sou tão pessimista. Julgo que os professores têm tido, pelo menos nos últimos cem anos, um papel de grande relevância social. Hoje, as sociedades têm uma consciência muito forte da importância da educação e do conhecimento. Mas é verdade que, muitas vezes, não são coerentes e não concedem aos professores o estatuto que eles merecem. Há uma distância a percorrer, que depende também, e muito, da nossa capacidade para nos organizarmos internamente de outro modo e para respondermos de forma inovadora, com inteligência, aos desafios do mundo contemporâneo.

Referências
MATO GROSSO. Política de formação dos profissionais da Educação Básica de Mato Grosso: formação em rede entrelaçando saberes. SUFP/SEDUC/MT. Cuiabá, 2010.
NÓVOA, A. Os professores e a sua formação. 2. ed. Lisboa: D. Quixote, 1992.
NÓVOA, A. Formação de professores e trabalho pedagógico. Lisboa: Educa, 2002.
NÓVOA, A. Novas disposições dos professores - A escola como lugar da formação. Correio da Educação, n. 47, 16 de Fevereiro de 2004.
NÓVOA, A. Os professores e o novo espaço público da educação. Educação e
sociedade: perspectivas educacionais no século XXI. Santa Maria: Centro Universitário Franciscano, p.19-45, 2006.
NÓVOA, A. O regresso dos professores. In: Teacher Professional development for the quality and equity of lifelong learning. Lisboa: European Commission, 2007.
NÓVOA, A. Professores: imagens do futuro presente. Lisboa: Educa, 2009.

Fonte: Revista de Letras Norte@mentos – Revista de Estudos

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