Reportagem // KAREN VISCARDI
É hora de perceber, discutir e
combater o preconceito e a violência para formar cidadãos que respeitem a
diversidade.
Uma pesquisa realizada no Distrito Federal fez a seguinte pergunta: quem
você não gostaria que fosse seu colega de escola? Homossexual foi a resposta
mais ouvida entre alunos de escolas públicas: 45% dos alunos e 15% das alunas
não querem ter um colega homossexual. “Há uma grande rejeição na sociedade, que
se reproduz na escola, e esta não consegue nem discutir, nem buscar
alternativas”, aponta a coordenadora do estudo, Miriam Abramovay, pesquisadora
e coordenadora da área de Juventude e Políticas Públicas da Faculdade
Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).
O cotidiano escolar está repleto de exemplos do que aponta Miriam. Para mencionar um deles, em certa escola, uma professora desenvolvia com seus alunos o projeto chamado Jornal no Mural. Na hora de afixar a capa da edição, surgiu o problema: naquele dia, ela estampava uma foto da Parada LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros), destacando a bandeira do arco-íris. O que fazer? A “solução” encontrada foi recortar a capa do jornal, excluindo a imagem. A situação ocorreu em uma escola brasileira e reflete o tratamento que muitas instituições de ensino dispensam à homossexualidade. “O que não é digno de ser dito cai na marginalidade”, alerta o coordenador-adjunto do Projeto Diversidade Sexual na Escola, da Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Alexandre Bortolini, que ouviu o relato em um encontro sobre diversidade sexual.
Para Bortolini, a homofobia vem sendo desconsiderada. “Essas violências são negligenciadas, mesmo as situações mais críticas. Como a escola não discute esse assunto, nem na formação inicial nem na continuada, acaba agindo a partir de parâmetros pessoais e do imediatismo”, considera. A pesquisadora Miriam Abramovay complementa: “Em um local privilegiado para discussão e aprendizado, de socialização e saber, como é a escola, o tema homofobia deveria ser abordado, até porque, quando se analisa a violência nas escolas, ele sempre aparece”.
Com a falta de um projeto de convívio escolar mais amplo, as escolas vivem na chamada “lei do silêncio”. Há um grande número de jovens que abandonam os estudos, pois não aguentam o sofrimento. Miriam lembra o caso emblemático de um aluno de 15 anos que desistiu de estudar na escola Estadual Onofre Pires, na cidade de Santo Ângelo (RS), depois que as constantes agressões verbais de seus colegas de ensino médio transformaram-se em agressão física.
Se o abandono é a solução encontrada por alguns alunos, a expulsão é a outra face do problema das escolas que não conseguem lidar de maneira efetiva com a homofobia. Expulsar os autores de bullying homofóbico, para a coordenadora de marketing da organização não governamental ECOS — Comunicação em Sexualidade, não é a solução: “Não se deve expulsar um menino de 11 anos, deve-se educar. A escola tem como modificar essa realidade, o problema é que não se está discutindo”, observa Maria Helena Franco, referindo-se ao caso de um aluno recentemente expulso de uma escola no ABC paulista. Ela destaca que esse tipo de situação só ocorre pela omissão, já que a homofobia é um aprendizado social.
Um dos problemas, segundo Miriam Abramovay, é a banalização da situação: “Não apenas os alunos, mas os professores também sofrem homofobia”, observa. Para Alexandre Bortolini, em uma cultura heteronormativa, que é reproduzida em sala de aula, essa distorção torna-se comum. “Agimos como se a heterossexualidade fosse a única forma de sexualidade”, alerta. Para ele, se a homossexualidade só aparece na aula sobre doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), está sendo construída determinada percepção: “E a escola fala também quando não fala”, pontua.
Homossexualidade no currículo
A todo o momento, professores de diferentes disciplinas deparam-se com questões relacionadas à homofobia que poderiam ser abordadas em suas aulas, como, por exemplo, ao estudar os movimentos sociais em geografia ou história. Seja nas imagens e nos conteúdos de livros didáticos, seja nos temas que surgem em sala de aula, há uma série de momentos nos quais a diversidade poderia aparecer, mas não aparece. “Mais do que pensar em adicionar conteúdos ao currículo, devemos trabalhar os conteúdos em uma perspectiva da diversidade — por exemplo, quando abordamos a família, já que existem diversos tipos de famílias”, defende Alexandre Bortolini.
É assim que o Colégio Renovação, de São Paulo (SP), aborda o assunto. A homofobia surge como um tema transversal, trabalhado junto com os conteúdos de sala de aula. Dessa forma, considera a diretora pedagógica, o tema é tratado com mais naturalidade: “Ele perpassa todas as disciplinas, dependendo do contexto. A proposta é lidar com a homossexualidade de maneira natural, o que é mais socialmente aceito”, observa Claudia Baratella.
Claudia explica que os professores são orientados a não ter qualquer tipo de preconceito e a ensinar o respeito ao próximo, independentemente de gênero, religião ou orientação política. Ela afirma que a escola não registra problemas de homofobia e credita esse comportamento ao trabalho de respeito ao ser humano que é difundido. “Se há algum preconceito, guardam para eles”, observa. Conforme seu relato, apenas duas alunas declararam-se lésbicas, há mais de cinco anos, e a orientação dada a elas foi a mesma: nada de namorar na escola. “É proibido qualquer relacionamento, seja de um menino e uma menina, duas meninas ou dois meninos. A escola é local de socialização global”, explica a pedagoga.
Na Escola Municipal Severina Brito da Silva, de Caicó (RN), os professores trabalham o conteúdo continuamente na sala de aula, conta o diretor Thiago Costa, destacando que toda forma de preconceito é combatida. Longe de ser tabu, a homossexualidade, assim como a discriminação racial e o bullying, é abordada periodicamente, no chamado dia de estudo. É quando os professores e a direção reúnem-se, relatando as dificuldades em sala de aula e discutindo as soluções.
Também nas atividades recreativas da escola são ensinados princípios de respeito mútuo. No Carnaval, por exemplo, Caicó tem como tradição o Bloco das Virgens, em que os homens se vestem de mulher e as mulheres se vestem de homem. Na ocasião, aproveita-se a oportunidade para rea–lizar rodas de conversa sobre a sexualidade e as escolhas sexuais. O enfoque, segundo o diretor, é o respeito às escolhas pessoais de cada ser humano, com o intuito de valorizar o espírito de solidariedade, comunhão e respeito mútuo.
Para Thiago Costa, que estimula a participação dos 360 alunos e da comunidade no ambiente escolar, o fato de nunca ter acontecido um caso de homofobia na Escola Severina Brito da Silva demonstra que o tipo de abordagem está tendo êxito e que esse trabalho no ensino fundamental deve refletir-se positivamente no ensino médio. “É de extrema significância trabalhar, desde o princípio da vida escolar, o combate a toda forma de discriminação e violência, pois só assim podemos propiciar aos nossos alunos a construção de valores sólidos”, afirma o diretor. E acrescenta: “Espera-se que, quando jovens, eles ingressem no ensino médio conscientes dos princípios de cidadania que são tão necessários à prática democrática”.
Com o objetivo de promover a discussão sobre o assunto, a prefeitura de São Paulo lançou o Cá entre nós: guia de educação integral em sexua–lidade entre jovens. O guia aborda gênero, sexualidade e diversidade através de sugestões de bate-papo, filmes, oficinas, jogos, livros e sites na internet. A publicação, em cooperação com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), faz parte do Projeto Segurança Humana e é resultado de uma série de ações que começaram na região de Itaquera, zona Leste do município. A diretora de orientação técnico-pedagógica da Diretoria Regional de Educação de Itaquera, Eliane Prado, conta que inicialmente foram realizados cursos sobre gênero e sexualidade para professores, diretores, coordenadores pedagógicos e supervisores de ensino da região. Esses cursos agora começam a ser ampliados.
Avanços e retrocessos
O kit anti-homofobia encomendado pelo MEC, que teve sua distribuição nas escolas suspensa pela presidente Dilma Rousseff, abriu um debate acalorado. O veto é considerado um retrocesso pela coordenadora de marketing da ONG ECOS — Comunicação em Sexualidade, Maria Helena Franco. “Em vez de a educação dar um passo à frente, retrocedeu”, considera a ativista dos direitos humanos, que foi uma das idealizadoras do projeto. O material trazia informações sobre diversidade sexual, conceitos teóricos sobre o tema e exemplos para discussão de direitos humanos em sala de aula.
Agora o MEC prepara um material mais amplo sobre direitos humanos e, entre os temas, aborda a homofobia. Além disso, também com apoio do MEC, um livro sobre violência nas escolas, incluindo a questão da homofobia, está sendo finalizado por Miriam Abramovay.
Em São Paulo, uma iniciativa da Coordenadoria de Políticas Públicas para a Diversidade Sexual da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado vem somar-se aos esforços de respeito ao próximo com a promoção de cursos a distância para os funcionários públicos. O curso Conquista da cidadania LGBT: a política da diversidade sexual em São Paulo apresenta casos concretos para discussão e é dividido em três módulos: decifrando a diversidade sexual, direitos humanos da população LGBT e educação, cidadania e homofobia.
Lançado no final de 2011, o programa deve capacitar 6 mil servidores até o final de 2012. “A procura é maior do que esperávamos”, conta Heloisa Gama Alves, coordenadora da Coordenadoria de Políticas Públicas para a Diversidade Sexual. Ela ressalta a importância de aliar a teoria à prática em função da dificuldade de abordagem do tema: “É preciso reforçar que homossexualismo não é opção, mas sim orientação sexual. Há um reconhecimento de que a sociedade é plural, mesmo que alguns ainda resistam a isso”, afirma.
Preconceito cresce e afeta desempenho da escola
A homofobia não está em declínio. Essa percepção é compartilhada por especialistas em gênero de instituições de ensino, estudiosos e ativistas de ONGs. Segundo a pesquisadora Miriam Abramovay, coordenadora da área de Juventude e Políticas Públicas da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), a percepção é de que os casos de homofobia não se reduziram. Pelo contrário: “Pode-se dizer que há muita homofobia e que não melhorou nada nos últimos 12 anos, desde que comecei a estudar o tema”, explica. E faz um alerta: “Não avançaremos enquanto não trabalharmos a questão da educação na escola, com pais e educadores”.
Na visão do coordenador-adjunto do Projeto Diversidade Sexual na Escola, da Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o preconceito cresceu. “Sempre houve alunos homossexuais, o que mudou foi a visibilidade desses sujeitos na escola”, observa Alexandre Bortolini. Outra mudança, para ele, é o enfrentamento: “Antes os professores mandavam o aluno calar-se. Hoje, especialmente no ensino médio, essas pessoas enfrentam”. Diante desse fato, a escola fica em uma situação difícil, e os educadores começam a se questionar sobre como lidar com a questão. “É uma combinação de incapacidade pessoal e também profissional. Junto a isso há um desejo de aprender, de superar os próprios preconceitos”, afirma o coordenador.
A discriminação não é negativa apenas para a vítima e o agressor: também piora o desempenho da escola. Pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, da Universidade de São Paulo (FIPE/USP), para o Ministério da Educação (MEC) sobre ações discriminatórias no âmbito escolar indica que, quanto maior o preconceito entre os alunos, pior o resultado da escola na Prova Brasil. “Isso faz pensar que o ambiente escolar preconceituoso prejudica a condição humana e, além disso, diminui a nota geral da escola, e não apenas do aluno preconceituoso”, ressalta Alexandre Bortolini. Miriam Abramovay reforça essa tese: “A violência escolar é um fator determinante para o desempenho da escola”.
O cotidiano escolar está repleto de exemplos do que aponta Miriam. Para mencionar um deles, em certa escola, uma professora desenvolvia com seus alunos o projeto chamado Jornal no Mural. Na hora de afixar a capa da edição, surgiu o problema: naquele dia, ela estampava uma foto da Parada LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros), destacando a bandeira do arco-íris. O que fazer? A “solução” encontrada foi recortar a capa do jornal, excluindo a imagem. A situação ocorreu em uma escola brasileira e reflete o tratamento que muitas instituições de ensino dispensam à homossexualidade. “O que não é digno de ser dito cai na marginalidade”, alerta o coordenador-adjunto do Projeto Diversidade Sexual na Escola, da Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Alexandre Bortolini, que ouviu o relato em um encontro sobre diversidade sexual.
Para Bortolini, a homofobia vem sendo desconsiderada. “Essas violências são negligenciadas, mesmo as situações mais críticas. Como a escola não discute esse assunto, nem na formação inicial nem na continuada, acaba agindo a partir de parâmetros pessoais e do imediatismo”, considera. A pesquisadora Miriam Abramovay complementa: “Em um local privilegiado para discussão e aprendizado, de socialização e saber, como é a escola, o tema homofobia deveria ser abordado, até porque, quando se analisa a violência nas escolas, ele sempre aparece”.
Com a falta de um projeto de convívio escolar mais amplo, as escolas vivem na chamada “lei do silêncio”. Há um grande número de jovens que abandonam os estudos, pois não aguentam o sofrimento. Miriam lembra o caso emblemático de um aluno de 15 anos que desistiu de estudar na escola Estadual Onofre Pires, na cidade de Santo Ângelo (RS), depois que as constantes agressões verbais de seus colegas de ensino médio transformaram-se em agressão física.
Se o abandono é a solução encontrada por alguns alunos, a expulsão é a outra face do problema das escolas que não conseguem lidar de maneira efetiva com a homofobia. Expulsar os autores de bullying homofóbico, para a coordenadora de marketing da organização não governamental ECOS — Comunicação em Sexualidade, não é a solução: “Não se deve expulsar um menino de 11 anos, deve-se educar. A escola tem como modificar essa realidade, o problema é que não se está discutindo”, observa Maria Helena Franco, referindo-se ao caso de um aluno recentemente expulso de uma escola no ABC paulista. Ela destaca que esse tipo de situação só ocorre pela omissão, já que a homofobia é um aprendizado social.
Um dos problemas, segundo Miriam Abramovay, é a banalização da situação: “Não apenas os alunos, mas os professores também sofrem homofobia”, observa. Para Alexandre Bortolini, em uma cultura heteronormativa, que é reproduzida em sala de aula, essa distorção torna-se comum. “Agimos como se a heterossexualidade fosse a única forma de sexualidade”, alerta. Para ele, se a homossexualidade só aparece na aula sobre doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), está sendo construída determinada percepção: “E a escola fala também quando não fala”, pontua.
Homossexualidade no currículo
A todo o momento, professores de diferentes disciplinas deparam-se com questões relacionadas à homofobia que poderiam ser abordadas em suas aulas, como, por exemplo, ao estudar os movimentos sociais em geografia ou história. Seja nas imagens e nos conteúdos de livros didáticos, seja nos temas que surgem em sala de aula, há uma série de momentos nos quais a diversidade poderia aparecer, mas não aparece. “Mais do que pensar em adicionar conteúdos ao currículo, devemos trabalhar os conteúdos em uma perspectiva da diversidade — por exemplo, quando abordamos a família, já que existem diversos tipos de famílias”, defende Alexandre Bortolini.
É assim que o Colégio Renovação, de São Paulo (SP), aborda o assunto. A homofobia surge como um tema transversal, trabalhado junto com os conteúdos de sala de aula. Dessa forma, considera a diretora pedagógica, o tema é tratado com mais naturalidade: “Ele perpassa todas as disciplinas, dependendo do contexto. A proposta é lidar com a homossexualidade de maneira natural, o que é mais socialmente aceito”, observa Claudia Baratella.
Claudia explica que os professores são orientados a não ter qualquer tipo de preconceito e a ensinar o respeito ao próximo, independentemente de gênero, religião ou orientação política. Ela afirma que a escola não registra problemas de homofobia e credita esse comportamento ao trabalho de respeito ao ser humano que é difundido. “Se há algum preconceito, guardam para eles”, observa. Conforme seu relato, apenas duas alunas declararam-se lésbicas, há mais de cinco anos, e a orientação dada a elas foi a mesma: nada de namorar na escola. “É proibido qualquer relacionamento, seja de um menino e uma menina, duas meninas ou dois meninos. A escola é local de socialização global”, explica a pedagoga.
Na Escola Municipal Severina Brito da Silva, de Caicó (RN), os professores trabalham o conteúdo continuamente na sala de aula, conta o diretor Thiago Costa, destacando que toda forma de preconceito é combatida. Longe de ser tabu, a homossexualidade, assim como a discriminação racial e o bullying, é abordada periodicamente, no chamado dia de estudo. É quando os professores e a direção reúnem-se, relatando as dificuldades em sala de aula e discutindo as soluções.
Também nas atividades recreativas da escola são ensinados princípios de respeito mútuo. No Carnaval, por exemplo, Caicó tem como tradição o Bloco das Virgens, em que os homens se vestem de mulher e as mulheres se vestem de homem. Na ocasião, aproveita-se a oportunidade para rea–lizar rodas de conversa sobre a sexualidade e as escolhas sexuais. O enfoque, segundo o diretor, é o respeito às escolhas pessoais de cada ser humano, com o intuito de valorizar o espírito de solidariedade, comunhão e respeito mútuo.
Para Thiago Costa, que estimula a participação dos 360 alunos e da comunidade no ambiente escolar, o fato de nunca ter acontecido um caso de homofobia na Escola Severina Brito da Silva demonstra que o tipo de abordagem está tendo êxito e que esse trabalho no ensino fundamental deve refletir-se positivamente no ensino médio. “É de extrema significância trabalhar, desde o princípio da vida escolar, o combate a toda forma de discriminação e violência, pois só assim podemos propiciar aos nossos alunos a construção de valores sólidos”, afirma o diretor. E acrescenta: “Espera-se que, quando jovens, eles ingressem no ensino médio conscientes dos princípios de cidadania que são tão necessários à prática democrática”.
Com o objetivo de promover a discussão sobre o assunto, a prefeitura de São Paulo lançou o Cá entre nós: guia de educação integral em sexua–lidade entre jovens. O guia aborda gênero, sexualidade e diversidade através de sugestões de bate-papo, filmes, oficinas, jogos, livros e sites na internet. A publicação, em cooperação com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), faz parte do Projeto Segurança Humana e é resultado de uma série de ações que começaram na região de Itaquera, zona Leste do município. A diretora de orientação técnico-pedagógica da Diretoria Regional de Educação de Itaquera, Eliane Prado, conta que inicialmente foram realizados cursos sobre gênero e sexualidade para professores, diretores, coordenadores pedagógicos e supervisores de ensino da região. Esses cursos agora começam a ser ampliados.
Avanços e retrocessos
O kit anti-homofobia encomendado pelo MEC, que teve sua distribuição nas escolas suspensa pela presidente Dilma Rousseff, abriu um debate acalorado. O veto é considerado um retrocesso pela coordenadora de marketing da ONG ECOS — Comunicação em Sexualidade, Maria Helena Franco. “Em vez de a educação dar um passo à frente, retrocedeu”, considera a ativista dos direitos humanos, que foi uma das idealizadoras do projeto. O material trazia informações sobre diversidade sexual, conceitos teóricos sobre o tema e exemplos para discussão de direitos humanos em sala de aula.
Agora o MEC prepara um material mais amplo sobre direitos humanos e, entre os temas, aborda a homofobia. Além disso, também com apoio do MEC, um livro sobre violência nas escolas, incluindo a questão da homofobia, está sendo finalizado por Miriam Abramovay.
Em São Paulo, uma iniciativa da Coordenadoria de Políticas Públicas para a Diversidade Sexual da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado vem somar-se aos esforços de respeito ao próximo com a promoção de cursos a distância para os funcionários públicos. O curso Conquista da cidadania LGBT: a política da diversidade sexual em São Paulo apresenta casos concretos para discussão e é dividido em três módulos: decifrando a diversidade sexual, direitos humanos da população LGBT e educação, cidadania e homofobia.
Lançado no final de 2011, o programa deve capacitar 6 mil servidores até o final de 2012. “A procura é maior do que esperávamos”, conta Heloisa Gama Alves, coordenadora da Coordenadoria de Políticas Públicas para a Diversidade Sexual. Ela ressalta a importância de aliar a teoria à prática em função da dificuldade de abordagem do tema: “É preciso reforçar que homossexualismo não é opção, mas sim orientação sexual. Há um reconhecimento de que a sociedade é plural, mesmo que alguns ainda resistam a isso”, afirma.
Preconceito cresce e afeta desempenho da escola
A homofobia não está em declínio. Essa percepção é compartilhada por especialistas em gênero de instituições de ensino, estudiosos e ativistas de ONGs. Segundo a pesquisadora Miriam Abramovay, coordenadora da área de Juventude e Políticas Públicas da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), a percepção é de que os casos de homofobia não se reduziram. Pelo contrário: “Pode-se dizer que há muita homofobia e que não melhorou nada nos últimos 12 anos, desde que comecei a estudar o tema”, explica. E faz um alerta: “Não avançaremos enquanto não trabalharmos a questão da educação na escola, com pais e educadores”.
Na visão do coordenador-adjunto do Projeto Diversidade Sexual na Escola, da Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o preconceito cresceu. “Sempre houve alunos homossexuais, o que mudou foi a visibilidade desses sujeitos na escola”, observa Alexandre Bortolini. Outra mudança, para ele, é o enfrentamento: “Antes os professores mandavam o aluno calar-se. Hoje, especialmente no ensino médio, essas pessoas enfrentam”. Diante desse fato, a escola fica em uma situação difícil, e os educadores começam a se questionar sobre como lidar com a questão. “É uma combinação de incapacidade pessoal e também profissional. Junto a isso há um desejo de aprender, de superar os próprios preconceitos”, afirma o coordenador.
A discriminação não é negativa apenas para a vítima e o agressor: também piora o desempenho da escola. Pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, da Universidade de São Paulo (FIPE/USP), para o Ministério da Educação (MEC) sobre ações discriminatórias no âmbito escolar indica que, quanto maior o preconceito entre os alunos, pior o resultado da escola na Prova Brasil. “Isso faz pensar que o ambiente escolar preconceituoso prejudica a condição humana e, além disso, diminui a nota geral da escola, e não apenas do aluno preconceituoso”, ressalta Alexandre Bortolini. Miriam Abramovay reforça essa tese: “A violência escolar é um fator determinante para o desempenho da escola”.
Como abordar a homossexualidade na escola
Não há uma receita pronta, mas é importante analisar os seguintes aspectos: Perceber o educador deve ter a consciência de que a homofobia é uma realidade. A escola deve conhecer sua realidade através de um diagnóstico das relações sociais. Grande parte das escolas reconhece, mas a maioria das ações é feita sem reflexão. Também o Estado deve ter políticas públicas sobre o tema. Analisar é preciso ter consciência de que alunos homossexuais ou apontados como “problema” nas situações de discriminação e violência são problemas da escola. Cabe analisar como alunos, educadores e a própria escola percebem o assunto. É fundamental trabalhar a formação dos professores, pois são eles os agentes da mudança. Planejar a ação institucional como a escola age frente à situação de gênero e de violência? Há escolas que não aceitam travestis, onde diretores e professores levam o aluno para conversar e ficam enumerando problemas que esse aluno trará. Como a escola age em relação aos alunos com duas mães ou dois pais? Quando ocorre algum tipo de violência, os pais do agredido ou do agressor são chamados? Questionar o currículo e a prática pedagógica é importante questionar o que se está ensinando sobre gênero e sexualidade. Por exemplo: a divisão nas aulas de educação física indica uma orientação definida de gênero? Quando a atividade é mista, é de fato integrada? Fontes: Alexandre Bortolini e Miriam Abramovay. |
Créditos das Imagens:
Foto: Maria Bernadete da Silva/divulgação
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