segunda-feira, 21 de março de 2011

Artigo - ENEM

Mateus Prado
Educador analisa o Enem, os vestibulares e o ensino brasileiroEscola tenta ensinar demais, mas não consegue nem o necessário
Excesso de conteúdo repassado a alunos no ensino médio atrapalha educação para pensar e aprender
Compartilhar: Na escola de ensino médio, os conteúdos que todos deveriam aprender são aqueles que são indispensáveis para que o aluno possa aprender todo e qualquer conteúdo. Uma pessoa, na escola e após passar por ela, precisa, além de gostar de conhecer, ter os instrumentos necessários para que possa aprender conteúdos em qualquer área do conhecimento.
Este deveria ser o papel assumido pelo ensino médio. Como hoje os conteúdos são infinitos, mesmo se a escola quiser, ela não consegue ensinar todos os conteúdos do mundo. Mas, se a escola preparar o aluno para aprender conteúdos na hora que ele quiser – e/ou precisar –, para gostar de conhecer, para aprender a fazer, ser e conviver, terá formado cidadãos capazes de obter sucesso no ensino superior, na vida profissional e nas relações sociais.
Acontece que a escola, no Brasil, não está disposta a ensinar apenas os conteúdos básicos e depois educar para que o aluno aprenda a conhecer, a fazer, a ser e a conviver. Nossa escola gosta mesmo é do mais puro conteúdo. E quanto mais sem sentido, melhor.
Tenho um exemplo do último ano do ensino fundamental. Nos tigres asiáticos, por exemplo, um livro de matemática desta série tem menos que 20 tópicos a serem ensinados. No Brasil, a mesma série propõe entre quarenta e sessenta tópicos. Não custa lembrar que os tigres asiáticos apresentam índices muito melhores que o Brasil nas avaliações internacionais de qualidade de ensino.
Ensinamos, ou tentamos ensinar, demais e acabamos atrapalhando que os alunos assimilem o que realmente é necessário. Por excesso de conteúdo, a maioria dos alunos do ensino médio não aprende quase nada e a escola ainda abre mão do tempo em que poderia cumprir sua função de educar.
Nossos alunos, como ilustra a série do IG Educação , não conseguem calcular o valor das parcelas do décimo terceiro salário, não resolvem contas com regra de três e não conseguem indicar a função de um texto. Mas os índices dos livros didáticos, as apostilas das grandes redes particulares e muitas aulas pelo Brasil afora querem que consigam resolver complicadas equações matemáticas, que conheçam impecavelmente as normas da gramática normativa, que conheçam os domínios morfoclimáticos brasileiros classificados por Aziz Ab´ Saber e que saibam tudo sobre a Revolução dos Cocos em Papua Nova Guiné, entre outras coisas.
E, por mais paradoxal que pareça, todo professor quer que o aluno acumule a maior carga possível de informações sobre sua matéria. Em geral, professores de humanas não sabem nada de exatas, os de exata não sabem nada de biológicas e os de biologicas acham que humanas é somente "perfumaria". Cada um só quer saber de sua área, mas acham completamente normal querer que os alunos entendam, muito bem, todas as áreas.
O que não se percebe é que o aluno que domina os instrumentos para aprender consegue aprender qualquer conteúdo quando quiser ou quando ele sentir necessidade. É muito mais racional, e mais inteligente, prepará-lo para a autonomia do que tentar "depositar" conhecimento em sua cabeça.
Convido o leitor a conferir o programa proposto para a prova de qualquer vestibular das grandes universidades públicas. Uma leitura atenta vai mostrar que o que é cobrado é impossível de ser ensinado em três anos. Alguns itens do programa são tão abertos que poderíamos dizer que "o céu é o limite" quando preparam uma prova de seleção.
Mas alguns dirão que a educação conteudista dá certo, que tem gente que se esforça e aprende, que alguns até passam em universidades públicas e que isto é meritocracia. Sim, é verdade, a educação conteudista dá certo, mas dá certo para poucos, para uma minoria, e não podemos fazer políticas públicas que privilegiem a minoria da população. A esmagadora maioria tem seus talentos e capacidades podados durante o ensino médio.
Uma análise mais atenta mostra, por exemplo, que a maioria dos alunos que foram para a segunda fase da Fuvest (o maior e mais concorrido vestibular do país) este ano acertou menos da metade da primeira prova. Como os demais, também não aprendem todo o conteúdo desnecessário.
Outros ainda insistirão em dizer que antigamente tudo era diferente, que a escola pública tinha qualidade, que todos que passavam por ela obtinham sucesso escolar. Claro que sim. O fundamental 1 era para poucos, principalmente para as famílias de melhor condição social e residentes nos grandes centros urbanos. Aí, para ir para o fundamental 2, havia exame de admissão. Quem passava pelo exame já se dava bem com este tipo de educação conteudista, por isto adorava e se dedicava à escola. O ensino médio era quase inexistente, e a seleção afunilava ainda mais o processo. Quem passava pelo médio não encontrava muita concorrência no ensino superior. Lembremos, para ilustrar, que a FFLCH, unidade que deu origem à USP (Universidade de São Paulo), tinha mais vagas abertas do que alunos interessados quando foi criada, na década de 30.
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