segunda-feira, 21 de março de 2011

Artigo - Ensino

Mateus Prado
"Aprovação automática" ou "progressão continuada"?
Pouca diferença faz se o governo do Estado de São Paulo terá dois, três ou quatro ciclos em que a repetência será possível
A progressão continuada teve sua primeira experiência quando Paulo Freire foi secretário de Educação na prefeitura de São Paulo, na gestão de Luiza Erundina. Nosso grande educador tinha claro que repetir o aluno e sujeitá-lo à vergonha de ficar um ano atrás de seus colegas de turma mais atrapalhava do que ajudava. Todas as pesquisas mostram que o aluno que passa pela repetência tende a repetir a situação de fracasso nos próximos anos de vida escolar.
Da experiência de Paulo Freire na Secretaria de Educação de São Paulo até a "aprovação automática" do governo do Estado de São Paulo há uma grande diferença. A progressão continuada não pode ser a simples promoção do aluno de uma série à outra. Entre uma série e outra existe, pelo menos ainda, um ano escolar. Neste ano as escolas precisam ter estratégias e projetos pedagógicos.

Acontece que governos costumam confundir projetos pedagógicos com as terríveis "grades curriculares". Ao invés de estabelecerem estratégias, além de implantá-las e avaliá-las, para a formação de alunos cidadãos, capazes de intervir na sociedade e com 'fome' de conhecimento, os governos tendem a definir a quantidade de conteúdos que devem ser depositados nos alunos. A educação bancária, na qual ao aluno só cabe escutar e decorar, escutar e decorar, escutar e decorar, é mantida. Aqueles que costumamos achar que obtêm mais sucesso escolar conseguem lembrar dos conteúdos até o dia do vestibular. E só.

Para uma progressão continuada de sucesso é preciso de uma série de estratégias pedagógicas. Os alunos, todos, não só os que apresentam dificuldades, precisam experimentar intervenções psico-pedagógicas. E estas intervenções não podem ser pontuais, precisam ser constantes, fazer parte do dia-a-dia da escola. Os alunos, professores, pais e dirigentes precisam entendê-las. A escola, mais do que qualquer outro setor da sociedade, tem como obrigação entender e incluir as diferenças. E entre estas diferenças, as escolas precisam levar mais a sério a que existe entre as capacidades de aprendizagem de cada aluno e as diversas experiências pré e fora da escola.

Lembro sempre da história de uma mãe que conheci, que resistia em matricular seus três filhos na escola. Ela dizia que a instituição "não gosta de quem não sabe". E ela tinha certa razão. Nas escolas, em geral, quem vai bem em um ano também se deu bem nos anos anteriores. As avaliações no sistema de ensino demonstram bem essa questão. A escola que vai bem em um ano também vai bem no outro. São poucas as exceções.

Há três principais motivos para isso. O primeiro deles é que a escola, de fato, se organiza em torno desses alunos que fazem sucesso relativo. Quem não se adapta ou não se enquadra no padrão tende a ser tratado à margem, de forma periférica. O segundo motivo é que a escola valoriza apenas um tipo de inteligência, desconsiderando todas as demais. Para a escola, de nada adianta a inteligência espacial, emocional ou a capacidade de resolver problemas práticos e cotidianos se o aluno não se prende aos conteúdos da sua "grade escolar". Por último, e talvez de forma mais grave, as escolas ainda fazem avaliações de forma absoluta, como se todos os alunos fossem iguais. Nós sabemos que eles não são. A melhor forma de avaliação é aquela que considera onde o aluno estava e onde ele chegou no transcurso de um período de aprendizagem. Um aluno com nota 8 durante toda a vida escolar pode ter nota maior, mas não agregou mais em seu processo pedagógico do que outro que tinha 3, passou pra 4 e chegou a 7. Isso também vale para as notas das escolas nos processos oficiais de avaliação. Não são melhores as que possuem as maiores notas absolutas. Prefiro aquelas que conseguem melhorar o resultado de seus alunos.

Neste contexto, pouca diferença faz se o governo do estado de São Paulo terá dois, três ou quatro ciclos em que a repetência será possível. O problema real está no que se faz entre estes ciclos. Nossa escola, inclusive a estadual paulista, não está preparada para receber alunos que não atendem às expectativas do "programa" e da "grade curricular". O que deve mudar são os programas e as estratégias pedagógicas. Mesmo com toda a dedicação e esforço dos professores, podemos dizer que muito pouco do que se faz na escola tem a ver com educação. Tem qualquer outro nome, mas educação não é.

Os vestibulares e os vestibulinhos acabam incentivando as escolas a serem assim. Cobram um monte de conteúdos que não servem para nada e que serão, em sua maioria, e rapidamente, esquecidos pelos alunos. Provavelmente, alguns de nossos reitores e professores das universidades públicas não passariam no vestibular hoje, por que ele cobra muito conhecimento descartável, daqueles que você aprende pra entrar na universidade e nunca mais lembra. Em São Paulo, parece que estamos cada vez mais distantes de mudar isso. As nossas universidades públicas - USP, Unicamp e Unesp - foram parar na Secretaria de Desenvolvimento. O governador, que foi professor de cursinho pré-vestibular, finge não saber que os vestibulares são os grandes indutores dos programas ensinados no ensino médio. Colocar as estaduais paulistas atreladas ao desenvolvimento faz com que desconfiemos de que o governador não fará uma gestão integrada dos diferentes níveis de educação e que, além disto, irá direcionar estas universidades para que priorizem as pesquisas que interessam ao mercado, em contraposição àquelas de interesse público. Não custa lembrar que o secretário nomeado foi presidente da Associação Comercial de São Paulo.

A iniciativa de fazer uma avaliação semestral e centralizada de todos os alunos da rede estadual até pode indicar para a secretaria aqueles que mais precisam de acompanhamento. Será um avanço, desde que a educação de São Paulo adote a perspectiva de que nas avaliações é preciso considerar onde o aluno estava e onde ele chegou, tendo um programa que valorize as várias inteligências e talentos e que sua "grade curricular" defina um conjunto de conteúdos mínimos condizentes com as necessidades de nossos alunos, com o mundo moderno e com a vida em sociedade.

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