segunda-feira, 21 de março de 2011

Para refletir

A oportunidade de recomeçar
Somente após passar a época do Carnaval é que parece que o Brasil realmente acorda para o Ano Novo, que oficialmente começou em 1° de janeiro. Tudo parece voltar ao ritmo normal e as cidades retornam à rotina que as caracteriza ao longo de todo o ano. As merecidas férias acabaram e agora as aulas recomeçam. Quantas novidades para contar! Quantas mudanças acontecendo!
Betinho, por exemplo, tinha seis anos e sempre fora um garoto tímido, que não gostava de sair de casa. Tinha medo de tudo e os poucos amigos que tinha eram parentes, mais especificamente, primos. Quando teve que ir para a escola pela primeira vez chorou muito. Não queria ir, pois não queria sair do seu mundinho conhecido, familiar.
A realidade lá fora lhe parecia assustadora e perigosa. Não conhecia ninguém da sua futura turma e isto lhe deixava ainda mais inseguro. As aulas começaram e ele não teve escolha: teve que ir. Como os pais não podiam ficar o tempo todo com ele na escola (até que ele se acostumasse), o jeito era ir se apegando aos que pareciam tão assustados quanto ele.
E assim o tempo foi passando. O choro a cada dia durava menos e os novos amigos cada vez aumentavam mais. Um dia sentiu vergonha de chorar. Afinal, agora havia a Ana Luisa, uma colega que ele considerava especial e para a qual não queria parecer medroso. E aquele menino tímido, que estava acostumado a receber toda a atenção da família só para si, foi aprendendo a respeitar limites, a dividir o que tinha, a ouvir os outros, a aceitar opiniões contrárias, enfim, foi se inserindo em novas regras de convivência. Em pouco tempo o problema se inverteu: agora Betinho torcia para que demorasse a hora de voltar para casa. Que transformação a escola lhe proporcionou!
Mundo novo
O que aconteceu com nosso pequeno personagem há tanto tempo atrás deve estar prestes a se repetir com milhares de crianças que vão à escola pela primeira vez agora, no início do ano. Por mais que algumas delas, em um primeiro momento, possam não gostar da idéia de estudar, vão acabar percebendo que a educação foi, é e continuará sendo um presente da vida, um privilégio a ser bem aproveitado.
A escola, todos nós sabemos, não é mais uma simples transmissora de conhecimentos: ela abre horizontes e socializa, principalmente as crianças. Para quem já está estudando, recomeçar as aulas é como acompanhar as estações do ano: sempre há um encanto novo em cada mudança.
O nosso amigo Betinho cresceu e não se casou com a Ana Luisa, mas percebeu que a maioria dos seus amigos e relacionamentos originou-se do período em que era estudante. Além disso, a educação que recebeu também incluiu valores que internalizava, principalmente na convivência com os mestres com quem ele tinha mais sintonia. Sem perceber, foi se tornando um homem de verdade, um cidadão, e muito do que se tornara era mérito da educação escolar.
O educador
Acredito que por mais experiente que seja um professor, ele jamais conseguirá aquilatar devidamente todo o tamanho da influência que exerce nos seus alunos. É claro que essa influência pode ser positiva ou negativa, mas, quero crer que a maioria das pessoas que abraça a profissão de professor o faz, especialmente, por vocação. E vocação se faz muito com ideais, com amor e com sonhos de um mundo melhor. Sendo assim, a influência maior tende a ser positiva.
Eu, por exemplo, ainda hoje guardo muito presente alguns conselhos que certos mestres me transmitiram, direta ou indiretamente, há décadas. É uma pena não poder reencontrá-los agora para agradecer-lhes e dizer o quanto eles continuam sendo importantes na minha jornada pela vida. Como seria bom se tivéssemos pela vida afora sempre pessoas disponíveis e bem-intencionadas, como os verdadeiros mestres, para nos orientar nos momentos mais difíceis!
Por essas e outras reflexões, é certo que, quando observo, principalmente nessa época do ano, aquele frenesi de crianças correndo para o portão de entrada de uma escola, sinto um pouco de inveja. Inveja da oportunidade que elas têm de aprender sempre mais, de fazer amizades com tanta facilidade, de recomeçar a vida com a simplicidade de quem não apenas sonha, mas tem certeza em um futuro cada vez melhor.
Carlos Alberto Veit,
doutor em Psicologia, professor na Faculdade de Psicologia da PUCRS.
Endereço eletrônico: carlosveit@ig.com.br
Artigo publicado no jornal Mundo Jovem, edição nº 383, fevereiro de 2008, página 16.
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