José Pacheco*
Quando, convicto e sem vacilar, Crato defende ancestrais modos de fazer escola, que já se mostraram nefastos e são responsáveis pelo caos em que a Educação está imersa, presta um mau serviço à Educação.
Quero distância relativamente aos cultores do "eduquês", como busco distanciar-me relativamente àqueles que contribuem para querelas estéreis. Raramente reajo, mas abro uma exceção...
O drama de Nuno Crato é o mesmo dos cultores do eduquês. Os eduqueses completam as suas licenciaturas numa área qualquer das ciências, "dão umas aulas", acedem a mestrados e doutoramentos, publicam. Entregues a devaneios teóricos, cativos de um jargão (que quase consegue disfarçar a sua ignorância da teoria e prática pedagógica), influenciam a tomada de perniciosas medidas de política educativa (o que Crato legitimamente denuncia).
Por seu turno, Crato completou a sua licenciatura em Economia, fez mestrado em Métodos Matemáticos para Gestão de Empresas e doutoramento em Matemática Aplicada. Não consta que alguma vez tenha frequentado um curso de pedagogia. Que seja público, nada mais fez que o habilitasse a emitir juízos sobre áreas em que não possui formação específica. O que diriam os leitores, se eu me atrevesse a dar opinião sobre Economia, ou criticasse os Métodos Matemáticos para Gestão de Empresas, que Crato preconiza?...
Numa comunicação social sensacionalista, carente de jornalistas capacitados para a abordagem de questões estritamente pedagógicas, raramente é conferido espaço para a intervenção de pedagogos. Qualquer bicho-careta se atreve a dissertar sobre aquilo que ignora. Os seus discursos refletem aquilo que eu denomino de "pensamento único". São agradáveis ao ouvido de professores (e do público em geral) dotados de uma frágil formação pedagógica e que consideram existir somente um modelo de ensino - aquele que, há séculos inventado, continua a semear "facilitismo" e insucesso.
Crato continua a cruzada iniciada há anos. São inúmeras as suas aparições na TV, em jornais (Público, Notícias Magazine, e muitos outros), revistas e livros. É bem conhecido o seu best-seller "O 'Eduquês' em Discurso Direto: Uma Crítica da Pedagogia Romântica e Construtivista", onde se mistura senso comum pedagógico com algumas evidências.
No jornal i do dia 2 de janeiro de 2010, sibilinamente, continua a defender medidas fósseis, por séculos repetidas nas escolas: "centrar o ensino nos conteúdos, valorizar a transmissão de conhecimentos, exames e provas, valorizar primeiro as matérias e depois a formação pedagógica...". Parece querer afirmar que, para ser professor de Matemática, basta obter uma licenciatura ou um doutoramento em Matemática. E Crato até se aventura a opinar sobre uma área tão pedagogicamente exigente como a iniciação à leitura...
Qualquer pessoa que possua saberes (teóricos e práticos!) de pedagogia conhece alternativas (testadas com êxito!) aos obsoletos dispositivos a que Crato faz apelo. Quando, convicto e sem vacilar, Crato defende ancestrais modos de fazer escola, que já se mostraram nefastos e são responsáveis pelo caos em que a Educação está imersa, presta um mau serviço à Educação. É, pois, nosso dever exercer uma crítica fraterna das suas intervenções.
O que me surpreende é a escassa reação daqueles a quem competiria alimentar o debate. Também me surpreende que, não tendo eu sequer esboçado um ataque pessoal e reconhecendo o mérito científico e profissional de Nuno Crato (como reconheço idêntico mérito num outro professor de Matemática que, não por acaso, é meu filho), alguém me acuse de "má educação". Porque me acusam de "má educação", se eu apenas busco acabar com a má Educação que temos?...
*José Pacheco Mestre em Ciências da Educação pela Universidade do Porto, foi professor da Escola da Ponte. Foi também docente na Escola Superior de Educação do IPP e membro do Conselho Nacional de Educação.cadeza.
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