segunda-feira, 9 de maio de 2011

O que se ensina além de Biologia

Ebenezer de Menezes

Agência EducaBrasil

Além do conteúdo científico da Biologia, os professores e os livros didáticos ensinam formas de pensar e de se relacionar na sociedade. Essa idéia foi apresentada pela professora Nádia Geisa Silveira de Souza, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), durante o VIII EPEB (Encontro Perspectivas do Ensino de Biologia), realizado entre os dias 20 e 22 de fevereiro na Cidade Universitária, em São Paulo. Junto com a professora, compondo a mesa redonda “A contribuição do ensino para a leitura das questões recentes da Biologia ”, participaram também o professor José Mariano Amabis, do Instituto de Biociências da USP, e o professora Sandra Escovedo Selles, da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense.

Nádia Geisa abordou o ensino de Biologia a partir dos estudos culturais. Ela entende que o trabalho científico é uma atividade profundamente ligada aos demais processos sociais e, portanto, inseparável das questões de ordem social, política e econômica. Em sua tese de doutorado, a professora examinou como as práticas culturais presentes na mídia, na família e na escola produzem determinados significados que atribuímos ao corpo. Ela entende que abordar o corpo como objeto na Anatomia, na Fisiologia, na Citologia, na Genética etc. produz “formas de pensar, saberes e procedimentos fragmentados em relação à sua constituição e seu funcionamento e também desvinculados de suas interações históricas e culturais”.

Num estudo sobre como o corpo é representado nos livros didáticos do ensino médio, Nádia verificou, junto com seus alunos da universidade, que o corpo estava destituído de identidades. “Geralmente, (o corpo) era assexuado, reduzido à máxima divisão possível, numa visão cartesiana, cujo conhecimento de cada uma das partes pressupõe o conhecimento do todo”, explicou a professora, salientando que o todo não é retomado no livro didático e raramente o é no nosso ensino, seja médio ou superior.

Em vários momentos de sua participação, Nádia mostrou-se preocupada com a formação dos futuros professores de Biologia e com o material didático utilizado. Por exemplo, ainda fazendo referência aos seus estudos, o corpo com características étnicas ocupa lugares sociais distintos em alguns livros. “O branco aparece praticando atividades esportivas e o negro, de pés descalços para apresentar os ciclos da esquistossomose”. Outro exemplo foi sobre uma unidade de genética: “Os indivíduos que não têm genótipo como o padrão são vistos como defeituosos, sendo o caso mais citado o albinismo”.

Diante dessas constatações, o ensino de Biologia, segundo as idéias da professora, vai além do conteúdo científico trabalhado em sala de aula. Para ela, “mais do que conteúdos biológicos neutros ensinamos também lugares sociais ou hierarquias instituídas entres as pessoas e dessas com os outros seres vivos”. E reforçando sua atenção aos futuros educadores, disse que “a preocupação é para formar professores que ensinem não só conceitos, teorias, procedimentos e técnicas disciplinares do campo biológico, mas também nos outros sentidos que estão funcionando nos materiais pedagógicos”.

Em outro momento de sua palestra, apresentou algumas reportagens publicadas em jornais e revistas. Na revista Veja, por exemplo, uma matéria enaltecia as tecnologias para a estética do corpo. “No futuro, todos seremos bonitos”, lembrou a professora um trecho de um parágrafo com o depoimento de um especialista que utiliza a plástica, o silicone, o laser, os ácidos e outras técnicas para o trabalho estético. Em outro veículo, Nádia explicitou que havia dicas de ginástica para ter um bumbum que “brasileira tem que ter”. A professora deixou claro, em sua fala, que as reportagens como as apresentadas “permitem discutir o corpo além das questões biológicas”.

A propaganda também, segunda a professora, teria um espaço de construção do conhecimento. Para ilustrar seu argumento, mostrou um anúncio em que o agressor é o animal e não o ser humano. Em outra propaganda, havia uma natureza que não existe mais, segundo as análises de Nádia.

Na parte final de sua participação no VIII EPEB, ela ressaltou a importância de olhar e questionar as próprias ações em sala de aula, colocando-as em permanente suspeitas e examinando a quem elas se dirigem, a que discursos e práticas estão vinculadas e quais são seus objetivos.

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