segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Piso, bolsas e carreira são promessas para valorizar professor

Políticas são importantes, mas insuficientes para profissão ser atraente. “Construir nova cultura levará anos”, diz especialista
Priscilla Borges, iG Brasília | 15/10/2011 00:03
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Investir na valorização dos professores brasileiros é fundamental para mudar a realidade do ensino no País. Especialistas são unânimes ao afirmar que, se o Brasil quiser superar desafios na área como a erradicação do analfabetismo e garantir a aprendizagem de crianças e adolescentes, precisa mudar a carreira desses profissionais. Condições de trabalho ruins e salários baixos espantaram jovens talentos da profissão.

Maioria dos Estados não cumpre lei do piso nacional
Alterar esse status do professor hoje é o desafio dos gestores. Nos últimos anos, políticas nacionais e regionais apontam um horizonte mais promissor para os professores brasileiros. Uma das mais importantes para os especialistas é a lei que define quanto deve receber, no mínimo, cada professor brasileiro. Aprovada em 2008 pelo Congresso Nacional, a lei do piso também determina que um terço da jornada de trabalho deles seja utilizada fora da sala de aula, para planejamento de aulas ou estudo.

O Ministério da Educação tem criado políticas para estimular a formação dos profissionais do magistério. Professores da rede pública que queiram fazer uma licenciatura ou pedagogia têm bolsas garantidas no Programa Universidade para Todos (Prouni). Podem ainda usar o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) e abater a dívida com o próprio trabalho. Estudantes que queiram ser professores também têm o benefício no Fies: cada mês trabalhado em escolas públicas elimina 1% da dívida.

Dar continuidade aos estudos de quem leciona é outro alvo de políticas do MEC – que conduz em parcerias com Estados e municípios o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor) – e de iniciativas individuais dos gestores locais. O governo de São Paulo, por exemplo, possui um plano próprio de formação continuada, que oferece bolsas de estudo para quem deseja cursar mestrado (R$ 1,3 mil mensais) ou doutorado (R$ 1,6 mil). O governo federal também anunciou a oferta de bolsas de mestrado recentemente.

Na avaliação da secretária de Educação Básica do MEC, Pilar Lacerda, a carreira do professor só voltará a ser valorizada com a definição de políticas públicas “fortes” e capazes de “atrair os jovens mais talentosos” para a profissão. “Não vai faltar emprego para o professor por muitos anos com a ampliação da obrigatoriedade do ensino (4 aos 17 anos de idade). A partir desse arcabouço – formação sólida, incentivo à pesquisa, definição de planos de carreira e remuneração adequada – teremos a possibilidade de atrair mais jovens para a profissão”, diz.

Pilar acredita que as políticas públicas hoje traçam um caminho positivo para a carreira. A definição do piso, para ela, é promissora, especialmente porque define tempo da jornada de trabalho para outros projetos. “Essa é uma profissão complexa, cada dia mais sofisticada. É preciso garantir boa formação inicial, mas também a continuidade dessa formação”, afirma.

Desafio: tirar projetos do papel

Especialistas alertam que definir estratégias novas para a carreira é um passo importante, mas apenas o primeiro. Articular iniciativas e acelerar a execução dessas políticas em todo o País devem ser prioridades para os gestores.

Maria Amabile Mansutti, coordenadora técnica do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), cita o piso salarial dos professores como exemplo de política difícil de sair do papel. Apesar de ter sido aprovada em 2008, a lei ainda não é cumprida na maioria dos Estados e municípios brasileiros.

Naquele ano, a constitucionalidade da lei foi questionada por governadores de cinco Estados, que queriam incorporar gratificações no valor do piso. Só este ano o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que a lei deveria ser cumprida e o valor mínimo (hoje R$ 1.187) não deveria considerar benefícios. Mesmo assim, conforme levantamento do iG, nove Estados não pagam o valor mínimo e pelo menos 16 não reservam tempo estabelecido para preparo do profissional.

“Vivemos um momento mais promissor, mas percebemos que a execução das medidas é muito difícil. É importante termos um conjunto de políticas articuladas para mudar e redimensionar o próprio trabalho do professor. Mas elas não impactam de imediato a escolha dos jovens”, comenta Maria Amabile. “O piso, a prova para ingresso na carreira, as bolsas são facilitadores. Mas construir uma nova cultura levará anos”, define.

Roberto Franklin de Leão, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), diz que há boas iniciativas para valorizar a carreira, mas defende aperfeiçoamento e integração das políticas e aumento de investimentos em educação. “O piso é um grande passo e um elemento motivador de outras lutas”, analisa. Leão defende que se exija melhores condições de trabalho e planos de carreira.

Estímulo constante

Apesar de o Conselho Nacional de Educação (CNE) ter aprovado em 2009 diretrizes para que Estados e municípios elaborassem planos de progressão dos professores na carreira, essa não é uma realidade de muitos municípios. “Os planos têm muitas diferenças hoje e são pouco atraentes, não estimulam a entrada e a permanência do jovem na profissão”, critica Leão.

A pesquisadora do Cenpec aponta a experiência da rede estadual de Educação do Acre como um caso de sucesso. O plano de carreira dos professores de lá foi aprovado em 1999. Promoções por capacitação profissional e por tempo de serviço estão previstas e ainda bônus por desempenho, medido pela participação do educador nas atividades e formações, entre outros itens objetivos. O regime dos docentes é de 30 horas semanais e um terço delas é reservado à formação. O último acordo salarial definiu que, em dezembro de 2012, o piso do Estado será de R$ 2.010. Hoje, já se paga mais que os R$ 1.187 previstos na lei.

“Ainda não é o plano ideal. Precisamos definir melhor o bônus ainda, por exemplo, e gostaríamos de que os contratos fossem de 40h semanais, com dedicação exclusiva. Mas esse ainda é um debate que precisa ser feito por aqui”, ressalta o secretário de Educação do Acre, Daniel Queiroz Sant’Ana. Para ele, uma das políticas de educação mais importantes do Estado, que começou há 13 anos, é a de investimento na formação dos professores.

Em 1999, ele conta que apenas 27% dos docentes de lá tinham diploma de ensino superior. Hoje, o índice chega a 94%. Até o final do ano, 9,6 mil professores terão se formado. “Esse é um programa muito consolidado, assim como o da formação continuada. Trabalhamos com base nos resultados dos nossos alunos nas avaliações internas e externas”, afirma.

* Colaboraram Cinthia Rodrigues, Daniel Aderaldo e Wilson Lima, iG São Paulo, Ceará e Maranhão

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