A Fronteira entre a escola e a família: conhecimentos e aproximações possíveis
05/08/2013
Isabel Parolin, palestrante
Isabel Parolin, palestrante
"Nós nos saímos
muito bem nas avaliações institucionais e nossos alunos fizeram bonito no ENEM.
Além de termos dado um duro danado nas questões do ensino por áreas, pegamos
firme nas questões de relação, tanto com nossos alunos, quanto com suas
famílias." (depoimento prof. de Português - Ensino Médio)
"Nos ficamos muito felizes com nossos
resultados que obtivemos no IDEB. Nossos professores estudaram bastante e
mudamos algumas condutas dentro da secretaria de educação. Uma delas, a que eu
sei que muito te interessa, é que passamos a ter trabalhos mensais com os pais,
tanto de esclarecimento das rotinas das escolas, quanto desenvolvendo temas para
que eles pensassem mais sobre a vida que estão oferecendo aos seus filhos, sobre
o valor da escola, sobre o quanto uma pessoa precisa estudar para superar a
ignorância. Sabe que, lógico, não tivemos a adesão total, mas está valendo e
muito! Acho que, depois desse resultado, vamos aumentar o número de pais nos
programas.." (Diretora de ensino municipal de SP)
Analisando os
resultados das avaliações oficiais (SAEB, IDEB, PISA) que estão disponíveis na
internet, constata-se que "todas" (dado importante) as escolas que se saíram bem
nessas avaliações, tanto do ensino fundamental quanto do médio, apontaram,
dentre outras ações, o desenvolvimento de um trabalho com as famílias de seus
alunos. Descreveram diferentes estratégias de trabalho, no entanto, os objetivos
eram claros:, melhorar a qualidade do ensino, criar uma cultura do papel da
escola e da família no processo de aprender e ensinar; fortalecer a relação com
a família e da família com os profissionais da escola, evitando invasões de
fronteiras de ambas as partes, e o empurra-empurra, cujo resultado (lamentável)
tem sido culpar a criança ou jovem por não aprender.
Arrisco afirmar que
as escolas que têm um olhar para a família como parceiras no processo educativo,
desenvolvem, além de melhores rotinas de aprendizagem, laços de confiança com a
comunidade educativa e passam a "fiar com" (junto) a construção de um aprendiz
melhor instrumentalizado para ser o cidadão de que a nossa sociedade precisa e
deseja.
Quando se pensa em
aprendiz, está-se falando de um sujeito que tem clareza de ser dele o movimento
de aprender - eu aprendo - no entanto, para apropriar-se do que a humanidade já
produziu, precisará do olhar atento e a mediação competente dos educadores que
estão em sua jornada, quer sejam seus familiares ou seus
professores.
É fato e consenso
que, desenvolver um bom relacionamento com a famílias dos nossos alunos, é ponto
fundamental para quem quer desenvolver um bom trabalho educativo, entretanto, a
clareza dessa fronteira relacional está, ainda, por ser construída. Constata-se
que muito se fala sobre o tema, mas pouco se direciona para ele de modo
competente.
O que é competência
da escola e o que é da família? O que a escola pode esperar da família no
processo de educar uma criança? Uma família disfuncional pode impedir que a
escola cumpra seu papel de ensinar? Por que, afinal, a escola tem de ouvir a
família, se esta traz muito mais complicações que soluções? Como trabalhar com
as famílias, em parceria, sem perder o sentido de escola?
Perguntas complexas
que merecem mergulhos reflexivos, igualmente complexos.
Vamos apontar alguns caminhos que, se refletidos,
discutidos e percorridos em grupo (no seu grupo e na sua escola) podem clarear e
ajudar muito.
Indiscutivelmente a
escola é espaço para apreender os conhecimentos que permitem a inserção social.
Espera-se que uma criança, ao ir à escola, possa ser o construtor de uma
realidade diferente e melhor do que a que agora se vive - uma sociedade cada vez
mais de Todos e para Todos.
Uma pessoa se faz
em relação com seus educadores e a comunidade na qual está inserida. Notem que
explicitei "seus", querendo subentender que o sentimento de pertença a esses
dois grupos (não apenas a eles) é que dará o disparador para sua forma de
entender o mundo e o modo de viver e conviver.
Vivendo conforme
seus familiares vivem, a criança construirá sua modalidade de aprendizagem, que
será fortemente influenciada pela modalidade de ensino de seus professores. Vale
afirmar que a qualidade das relações que a criança estabelece ao longo de sua
formação é que vai potencializar, ou não, sua atividade cognitiva. (Isso é
Wallon)
Parece obviedade
desejar que a família cumpra seu papel formador, permitindo que a criança
construa sua pertença ao grupo familiar, ofertando os limites necessários e
explicitando os princípios que os geraram, responsabilizando-se nessa
construção. O pertencimento e a individuação de uma pessoa acontecem no convívio
familiar, na partilha de valores e ideias, na forma como desempenham suas
tarefas e como enfrentam medos, desafios, derrotas e sucessos.
Cabe uma alerta
importante: a escola, mesmo sem a desejável parceria da família, tem como
trabalhar e deveria buscar bem desenvolver seu papel formador. Claro que uma
família disfuncional atrapalha muito o bom trabalho educativo, mas, com a
desculpa de que a família é desorganizada e não ajuda, muitos educadores deixam
de cumprir seu papel, que nesses casos, é ainda mais valioso, por ser a única
referência da criança.
Uma família precisa
entregar o seu filho à escola, e esta precisa receber o seu aluno. Dessa forma
ele será da família e da escola, ambas se responsabilizando por ele. Para que se
obtenha essa clareza e desenvoltura, a escola tem trabalhado na busca do
entendimento dessas fronteiras, das mudanças na organização e dinâmica da
família. Reflitam sobre os exemplos abaixo:
"A mãe da L.
nunca vem às reuniões da escola e, depois, fica pedindo pra gente escrever o que
foi decidido em reunião, que não entendeu tal coisa. Se fosse interessada tinha
vindo! Não vem e quer as informações... Uma chatice essas mães". (Coordenadora
da EMES)
"Eu trabalho num
lugar por escalas e turnos e pra eu sair no meu turno eu preciso saber do
horário da reunião com uma semana de antecedência. Elas não se organizam e
depois dizem que eu não fui à reunião porque não quis. Eu tenho chefe, tenho um
contrato e tenho regras a cumprir. Custa planejar essas reuniões com
antecedência?" (mãe da EMES)
"Tua professora
não te ensinou a ter bons modos? Não sei por que eu te mando pra escola!" (da
família)
"Mãe, precisamos
que você faça o R. estudar e que ele faça as lições. Ele anda desobediente e
está fraquinho nas provas. Desinteressado e meio conversadorzinho." (Prof. de R.
6 anos)
Enfim, espera-se
que enganos como os dos relatos acima não mais aconteçam, e para que isso se
faça verdade, uma boa estratégia é iniciar trabalhos para estudar e entender as
famílias dos nossos alunos. Note-se que esse trabalho precisa começar na escola
para que essa delicada e necessária relação se fortifique pelos laços do
conhecimento e não dos preconceitos ou achismos..
Quando as
fronteiras relacionais entre a família e a escola são construídas a partir de
diálogos, escutas e olhares atentos, quem sai ganhando é a criança, que aprende;
a escola, que bem desenvolve sua missão de ensinar; a família, que desenvolve
de maneira adequada o papel constitutivo do sujeito e a sociedade que se torna
mais rica e com melhores seres humanos.
Isabel Parolin, psicopedagoga clínica; consultora
institucional de escolas públicas e privadas; professora em cursos de
pós-graduação na área da Aprendizagem e relação família e escola. Palestrante
para pais e professores. Pesquisadora do grupo GAE-PUCPR. Autora de vários
livros. A palestrante estará no 7o Congresso Internacional de Educação de
Maceió, que acontece de 8 a 10 de agosto.
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