REINALDO JOSÉ LOPES
Ainda não é possível cravar que alguém descende de portugueses, judeus ou iorubás, por exemplo, mas há hoje boas ferramentas para estimar a origem geográfica na escala dos continentes.
Uma das mais usadas aparece no infográfico desta página: um conjunto de variações em 40 "indels" (sigla para "inserções e deleções") no DNA do núcleo das células.
Há frequências específicas dessas variantes para populações da África, da Europa, da Ásia e das Américas, capturando o grosso da ancestralidade de todos os brasileiros.
O pioneiro desse método no país é Sergio Danilo Pena, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), responsável pelos perfis genéticos de jovens desta página.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
Independentemente da cor declarada pelas pessoas testadas e da região do país, o quadro encontrado por Pena e seus colegas tem sido mais ou menos o mesmo: uma contribuição predominante de europeus --entre 60% e 80% do DNA, em média-- com doses variáveis de herança da África ou dos índios.
Isso significa que dois sujeitos, autoclassificados como branco e negro, podem ter essencialmente as mesmas proporções de ancestralidade. O "milagre" é um resultado natural de casamentos em uma população miscigenada.
Essa uniformidade não esconde outra história, mais sombria. Quando se olha o DNA do cromossomo Y --a marca genética da masculinidade, passada só de pai para filho homem--, salta aos olhos o fato de que os homens indígenas e africanos parecem ter sido condenados com frequência ao celibato.
Numa amostra de negros de São Paulo, por exemplo, mais da metade tinha versões do cromossomo Y de origem europeia. Entre brancos de todas as regiões do Brasil, havia apenas 2% de cromossomos Y de origem africana e nenhum de origem indígena.
A explicação mais simples para esses dados é que, pelo uso da violência ou pelo status mais elevado, os europeus monopolizaram o acesso a parceiras africanas ou índias.
Que impacto esse tipo de pesquisa deveria ter sobre a política de cotas? "A ciência é capaz de estabelecer fatos, ou seja, 'o que é', mas a partir daí ela não pode dizer 'o que deve ser' ", afirma Pena.
Por outro lado, para o pesquisador, as últimas décadas de estudo contribuíram para sepultar a ideia de que existem raças humanas.
É que, embora seja possível agrupar as pessoas por origem geográfica ao olhar muitas regiões do DNA ao mesmo tempo, a variação genética segue padrões graduais de uma região para outra.
Povos "brancos" e "negros" que sejam vizinhos, como os muçulmanos do norte da África e os sudaneses logo ao sul deles, por exemplo, compartilham muitos genes.
Para muitos cientistas, isso mostra que não dá para falar em raças rigidamente separadas -e, para Pena, que é melhor usar o critério social, e não o racial, nas cotas.
Maria Cátira Bortolini, geneticista da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), diz que é natural ser arrastada para esse debate. "Mas o tema é pautado por decisões e opiniões políticas, que às vezes acabam criando um ambiente hostil ao debate e às opiniões contrárias."
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