domingo, 17 de julho de 2011

Solidão e amizade: companheiras de vida

Márcia Campos Andrade

A solidão e a amizade são importantes experiências existenciais na vida de todos nós, seres humanos. À primeira vista, a solidão nos remete ao isolamento social, ao medo do outro, ao medo do abandono, à dificuldade de relacionamento que provoca a fuga do encontro com outras pessoas. Mas não precisa ser só isso.

Para o psicanalista Donald W. Winnicott, a solidão também pode ser positiva, estimulante e criadora quando, nos relacionamentos com quem nos cuida desde a infância, desenvolvemos o que ele chamou de “capacidade de estar só” mesmo estando na presença de outra pessoa. Seria quando a criança consegue brincar perto da mãe sem necessitar o tempo inteiro de sua atenção. Esta experiência nos proporciona desde muito cedo a capacidade de lidarmos com o sentimento de solidão, sem que isso nos provoque angústia ou ansiedade. Assim teremos maiores e melhores possibilidades de construir encontros profundos com outros seres humanos, sendo a amizade um deles.

Para além da ideia comum em nossa sociedade de que a solidão representa uma maior dificuldade de se abrir para outras pessoas e de fazer amizades, preferimos pensar que a solidão e a amizade podem ser vistas como complementares e mesmo companheiras, se ampliarmos nosso foco de análise sobre a vida relacional e o cotidiano de todos nós, nas diversas fases do desenvolvimento humano.

Jogo do encontro

Podemos perceber, então, que desde a mais tenra infância lidamos com sentimentos contraditórios como a busca do encontro com o outro, mas também o estranhamento diante dos que não conhecemos. Esse interjogo existencial é fundamental em nossos encontros posteriores em todos os campos da vida.

Na adolescência, esses sentimentos contraditórios são intensificados e são mais complexos. Nesse sentido, tanto a solidão quanto a amizade - como busca e afastamento do contato com os outros - são importantes e presentes no cotidiano das relações sociais satisfatórias. Contribuem para a formação do sentimento de pertencimento não só a si mesmo mas à família e ao grupo de amigos, e de diferenciação do que não é próximo ou familiar.

Estas experiências contribuem para a construção da identidade e da subjetividade do adolescente, sendo a solidão o sentimento de estar só em contato com sua própria intimidade, sentindo-se bem com essa experiência, sentindo-se mais forte diante dos acontecimentos inerentes ao relacionamento com os amigos e com a família. E a amizade é a vivência de se reconhecer e ser reconhecido como integrante de um grupo diferente da família, onde é possível experimentar coletivamente a vida, tendo suporte emocional e social.

Solidão e adolescência

Não podemos esquecer do contexto sócio-histórico, psicossocial-cultural e econômico-político no qual vivemos. Assim, pensemos sobre a solidão e a amizade na vivência da adolescência em nossa sociedade que, entre outras coisas, tem sido marcada por relações de instrumentalidade - transformar as outras pessoas em objetos a serem utilizados de acordo com determinados interesses; de descartabilidade - realizar contatos de curta duração sem interesse em encontros afetivos, apenas curtição momentânea; e de animosidade pelo preconceito e discriminação com os que são diferentes.

Como essas questões interferem na vivência da solidão, como uma experiência importante de contato consigo mesmo, e na vivência da amizade, como uma experiência de encontro, amor, cuidado, reconhecimento e respeito com as outras pessoas? Faço esse questionamento para provocar reflexões sobre as relações de solidão e de amizade entre os adolescentes no contexto em que vivemos e como podemos contribuir para que sejam mais satisfatórias, mais afetivas e acolhedoras. Este é um desafio coletivo e cotidiano de responsabilidade de todos nós.


Márcia Campos Andrade,professora da Universidade Estadual de Maringá, PR.
Endereço eletrônico: maringa2008@yahoo.com.br

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