REVISTA EDUCAÇÃO - EDIÇÃO 163
As classes com alunos de diversas idades em localidades isoladas representam um dos maiores desafios pedagógicos da educação brasileira
As escolas multisseriadas, em que um mesmo docente atende estudantes de diferentes idades em uma mesma turma, são marca registrada da educação rural brasileira. Em 2009, o Censo Escolar apontou a existência de mais de 96,6 mil turmas multisseriadas no ensino fundamental. Segundo dados do Observatório da Educação, a distorção idade-série chega a 38,9% ainda nas séries iniciais das escolas rurais.
Esse número sinaliza o baixo aprendizado nas escolas rurais com essa característica, responsáveis principalmente pela oferta do 1º ao 5º do ensino fundamental. A existência das classes multisseriadas se dá por diversos fatores. Entre eles, a baixa densidade populacional na zona rural - escolas pequenas, com poucos alunos matriculados -, a carência de professores e de infraestrutura. Além disso, há poucos docentes das séries iniciais do ensino fundamental com nível superior. São apenas 35% na zona rural, contra 67,4% na zona urbana. Nas séries finais, são 44,6% e 88,3%, respectivamente.
Um levantamento do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Rural na Amazônia (Geperuaz), realizado com base no Censo Escolar 2006, mostrou que 75% das escolas de Educação Básica do Pará estão localizadas no campo, sendo a maioria das classes multisseriadas. Nessas escolas, a taxa de distorção idade-série é de 81,2%. O atraso escolar ainda nos primeiros anos de escolarização é grande: a distorção entre as crianças matriculadas na 4ª série é de 90,51%; na 1ª série, a taxa de reprovação atinge 36,27%.
Armênio Schimdt, da Secad, diz que não é possível prescindir das escolas multisseriadas, pois é necessário entender a densidade populacional do campo. "O que faltava era uma proposta pedagógica para atender diferentes alunos em uma mesma sala de aula. Hoje, o programa Escola Ativa é justamente para qualificar os professores, que têm anualmente 240 horas de formação."
"Hoje há processos de formação, tanto inicial quanto continuada. O problema é que são muitos professores para serem formados ao mesmo tempo. Além disso, não dá para tratar da mesma forma as populações quilombolas, ribeirinhos, povos da floresta, indígenas, nem mesmo formá-los da mesma maneira, ainda que haja aspectos comuns a eles", pondera Salomão.
Ausência de avaliação
A baixa qualidade da educação na zona rural costuma ser analisada principalmente pelos indicadores de fluxo escolar, com as taxas de reprovação e distorção idade-série. A participação das escolas rurais em avaliações de grande escala é pequena no Brasil. As turmas multisseriadas, por exemplo, não são avaliadas pela Prova Brasil e/ou pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
Marcelino Rezende, da USP de Ribeirão Preto, aponta dois motivos que inviabilizam a avaliação das escolas rurais: o custo de chegar a todas elas e a possibilidade de os indicadores nacionais caírem ainda mais, dada a realidade educacional no campo. Segundo ele, é comum municípios terem um bom Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) com base no desempenho das escolas urbanas, enquanto as rurais, que muitas vezes são maioria na rede, ficam à margem do sistema. Para o pesquisador, não é possível avaliar sem que primeiro se ofereça uma escola com boa infraestrutura e professores qualificados.
"É preciso avaliar também os conhecimentos específicos que são ensinados nas escolas rurais, que muitas vezes não são captados nessas provas. Temos de buscar uma prova que avalie com mais clareza aquilo que é trabalhado no campo", defende Schmidt.
Outro aspecto que interfere na qualidade da educação no campo é a faixa salarial dos docentes, aliada aos desmandos políticos. Segundo Josemar da Silva Martins, o Pinzoh, professor do Departamento de Ciências Humanas da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) que atua em um projeto junto a 43 escolas rurais, a falta de infraestrutura e os baixos salários são determinantes.
"Há escolas muito isoladas, cujo suprimento básico do quadro de pessoal é uma única pessoa: a professora, que se encarrega da limpeza, da merenda, que leva água na cabeça porque se não tiver água não haverá comida", relata o pesquisador. Por outro lado, aponta ele, as formações hoje disponíveis são boas, mas têm de ser atreladas a um salário melhor, pois a rotatividade é muito grande. Nesse cenário, os professores que se qualificam buscam mudar para centros maiores, onde se paga melhor e as redes são
mais estruturadas.
Pinzoh aponta outro problema: o desconhecimento das editoras de livros didáticos do Brasil profundo. Por esse motivo, a saída é produzir
conteúdos que dialoguem com as realidades locais. "É preciso melhorar o acesso aos conteúdos e aumentar a capacidade do professor de contextualizar os conhecimentos, com uma prática pedagógica que transite entre a escola e a comunidade." O desafio maior está em fazer esse movimento sem tratar o conhecimento de forma reducionista. (E.F. e Rubem Barros)
O campo e o PNE
A preocupação com as classes multisseriadas também esteve presente na Conferência Nacional de Educação, evento que reuniu educadores de todo o Brasil em março último. Como um dos temas do eixo 6 da Conae, que tratou da questão da diversidade, o texto final recomendou que as salas multisseriadas tenham número reduzido de alunos em relação às turmas de série única, além de recursos humanos e didáticos em consonância com suas necessidades pedagógicas.
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
Realidade complexa - Educação do Campo
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