''A Educação é um esforço coletivo''
Entrevista com Gustavo Ioschpe, especialista em Educação
O especialista em Educação Gustavo Ioschpe atravessou o Brasil na última semana para conhecer e analisar bons e maus exemplos da Educação brasileira. Ao lado do repórter André Luiz Azevedo, da Rede Globo, Ioschpe participou do projeto JN no Ar, Blitz da Educação.
As reportagens, veiculadas diariamente no Jornal Nacional, apresentaram escolas públicas com os melhores e os piores desempenhos no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de cinco cidades do país. A blitz começou no dia 16 de maio, em Novo Hamburgo, e seguiu para municípios das outras quatro regiões do país, terminando em Belém do Pará, na sexta-feira.
Confira abaixo as impressões de Ioschpe sobre as visitas e sobre a Educação no país:
Zero Hora – Ao longo desta semana, o JN no Ar acompanhou uma série de bons e de maus exemplos em escolas das cinco regiões do país. Como explicar diferenças significativas de desempenho entre instituições de uma mesma cidade?
Gustavo Ioschpe – Tem muitos fatores, e em cada cidade são fatores diferentes, mas algumas coisas transparecem: comprometimento das escolas vitoriosas com o aprendizado dos alunos, utilização eficiente do tempo em sala de aula e do material didático, ter professores com boa formação, passar dever de casa e corrigir, fazer avaliação, monitorar, fazer um esforço para envolver a comunidade de pais.
Zero Hora – Nas reportagens, é possível notar que há iniciativas individuais importantes por trás dos bons exemplos.
Ioschpe – Com exceção da escola de Goiânia, que tem uma diretora muito batalhadora, não diria que é uma dependência de esforços individuais, é um esforço coletivo, a Educação é um esforço intrinsecamente coletivo. Não é apenas um bom diretor, é preciso ter uma secretaria de Educação que faça a sua parte, professores e orientação pedagógica que façam também a sua parte. As escolas que dão certo são como uma orquestra que toca harmoniosamente. Mesmo que se tenha um grande maestro na orquestra, se os músicos forem ruins, não vai sair nada.
As escolas que funcionam bem são aquelas em que cada um faz a sua parte, e faz bem. Uma das coisas que essa série de matérias comprovou é de que não há nada de excepcional que se precise fazer para se ter uma escola que funcione dentro de padrões normais. Não precisa de herói, de mártir, precisa que as pessoas sejam preparadas para exercer aquela função. E elas cumpram a função com comprometimento e vontade. Sempre que se vê casos muito ruins, tem alguma coisa estapafúrdia acontecendo.
Zero Hora – Muitas vezes, as escolas pertencem à mesma rede pública, na mesma cidade, e apresentam desempenho tão diferente. Por que não há um sistema que consiga identificar o problema e atuar de forma que a escola ruim fique como a outra, o bom exemplo?
Ioschpe – Porque não tem demanda. Não tem pressão. Quem sofre quando uma escola vai mal? O prefeito perde votos? Não. O secretário de Educação perde o cargo? Não. O diretor perde o cargo ou o salário? Não. O professor é punido, repreendido? Não. Só quem sofre são os alunos e os pais. E os pais estão felizes, estão dando graças a Deus que o filho tem acesso à escola, a maioria não sabe o que é Ideb, não sabe avaliar a qualidade da Educação do filho.
Zero Hora – Existe alguma qualidade comum entre os professores que se mostraram entusiasmados e bastante envolvidos com o bom desempenho dos alunos e da escola?
Ioschpe – A primeira qualidade é o comprometimento, que infelizmente deveria ser uma condição sine qua non, mas é uma qualidade. Em segundo, eles tendem a ser professores bem-formados, sabem o que estão fazendo, dominam o conteúdo. E são professores que têm uma didática envolvente. Mas o primeiro passo é um comprometimento, um sentimento de responsabilidade, de se sentir responsável. O que a gente vê nos professores das escolas que dão errado é que eles terceirizam o problema. A tarefa da sociedade brasileira é fazer com que essas escolas assumam a responsabilidade.
Zero Hora – Em várias escolas, apareceram estudantes dispersos e indisciplinados. Há solução? Muitos já jogaram a toalha, inclusive colégios privados.
Ioschpe – A indisciplina vem depois de a escola jogar a toalha. É uma consequência e não uma causa.
Zero Hora – Nessa sua experiência in loco nas escolas, o que mais lhe assustou?
Ioschpe – É uma realidade que eu já conhecia. O mais forte, para mim, é um sentimento de muita indignação, de muita raiva, de ver quantas crianças têm tido seu potencial desperdiçado. Algumas coisas poderão ser recuperadas, mas muitas vão ser danificadas para sempre. Talvez tenham crianças com talento para ser um novo Moacyr Scliar, Guimarães Rosa, Eike Batista ou Adib Jatene, e elas não vão conseguir realizar esse potencial porque não receberam uma instrumentalização básica.
Zero Hora – Qual é hoje o maior desafio da Educação brasileira?
Ioschpe – Antes de poder haver qualquer superação dos desafios educacionais, o grande desafio é fazer com que a sociedade entenda a dimensão do problema, se envolva e cobre a solução. Se a Educação for deixada unicamente para os educadores, eles criaram tal carapaça, tal mecanismo de defesa, as coisas não vão mudar. A sociedade precisa entrar nesse jogo.
ÂNGELA RAVAZZOLO | Editora de Educação
angela.ravazzolo@zerohora.com.br
segunda-feira, 23 de maio de 2011
Entrevista com Gustavo Ioschpe, especialista em Educação
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário