Rosângela Cadidé
Faltando quatro meses para encerrar o ano letivo de uma determinada escola pública, uma professora foi convidada por uma colega de profissão para substituir uma licença médica no período noturno. Ela topou. Seria uma renda extra, afinal, já estava próximo ao final do ano. Foi à escola para conversar com a diretora a respeito dessas aulas. A diretora disse que ela teria uma sala com alguns menores assistidos pela Justiça. Em princípio, estranhou e perguntou: “O que era isso?”. A diretora resumiu respondendo que se tratavam de menores que praticaram crimes, como roubo, assalto, tráfico de drogas e, inclusive, mataram e estavam inseridos na escola com os demais alunos.
Ela perguntou a diretora se os professores que trabalhavam com essa turma tinham capacitação e acompanhamento diferenciados para trabalhar com os menores assistidos. A diretora respondeu que não e ainda acrescentou que o papel da escola é a inclusão e não a exclusão. A professora chegou a pensar que estava agindo com discriminação. Aceitou o trabalho. Quando a diretora foi falar os nomes desses menores para que ela ficasse atenta, rapidamente disse que não queria saber quem eram, usando uma das falas anteriormente dita pela diretora: “Não é para incluí-los!”. No dia seguinte, com muito receio, foi trabalhar. Nunca tinha passado por essa situação. Ficou sabendo que com ela era a sétima professora a atuar com aquela turma e que a professora titular da sala estava com problemas de saúde decorrentes da profissão, principalmente em razão da tensão vivida em sala de aula.
Fiquei curiosa e perguntei a ela como havia conseguido terminar o ano letivo naquela escola. Demonstrando sinceridade, ela me respondeu que teve muita sorte e também porque não quis saber nomes dos menores para não motivá-la a tratá-los com diferença. Disse que até se adaptar com aquela situação teve muito medo, mas acabou o desafio, fazendo amizade com a turma. Contatou que sempre percebia professores amedrontados com ameaças verbais constantes e com algumas atitudes de represália, como carros e motos riscados e com pneus furados.
Perguntei a ela como ficou sabendo depois quem eram esses menores. Ela me respondeu que aos poucos eles iam se aproximando e contando as suas histórias e que achava que conseguiu conquistar a confiança deles. Assim ficava sabendo de situações que iriam acontecer, como, quantidade de drogas que iam ser trazidas para comercializar na escola, o que lucravam e até quando iam armados (quase sempre). Disse também que conseguiu evitar algumas tragédias, conversando com eles e que pensou várias vezes em denunciar, mas acabava desistindo.
Ao analisar a situação, via que estaria “colocando a sua cabeça a prêmio”. Na convivência escolar, os menores se comportavam como se não tivessem praticado crimes no dia anterior. Ela relatou que a cada dia que passava se espantava com ela mesma, porque o convívio com aquela situação estava fazendo com que enxergasse tudo o que ocorria com normalidade e vivia se sentindo culpada por não denunciar, dizendo que estava sendo cúmplice.
Perguntei se era apenas ela que sabia que alunos estavam indo para escola armados... traficavam... usavam drogas... Responde que não e que vários colegas falavam em desistir da profissão. Quando conversávamos, falava para ela que procurasse não ficar assustada com ela mesma, pois, enquanto educadores, sempre procuramos esperar o melhor das pessoas por piores que sejam os seus atos e que ela não estava sendo cúmplice de nada. Era mais uma vítima que estava tentando sobreviver.
Rosângela Fernandes Cadidé é professora há 10 anos da rede pública, formada em Letras com Especialização em Recreação e Lazer pela Universidade Federação de Mato Grosso
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