domingo, 22 de maio de 2011

Quem sabe Português?

Hoje, eu fui enfática ao enviar a um grupo a seguinte frase: “não gosto da expressão ‘não sabe português’ (tenho verdadeiro horror a ela, pois é a máxima do preconceito linguístico)”. Eu fora motivada por um debate sobre opinião de alguns blogueiros que afirmam que “quem não sabe português não deveria ter um blog”. Eu entendi que a discussão era sobre o cuidado que devemos ter ao publicar o nosso texto, pois isto também demonstra o carinho com que o escrevemos. O que não entendi até agora é o significado de “não saber português” e desconfio de que também não sei.

Uma das primeiras coisas que faço, ao me apresentar em uma turma do Ensino Médio, é perguntar quantos alunos gostam da disciplina Língua Portuguesa; a maioria diz detestar. Quando eu pergunto o motivo, ouço sempre a mesma resposta: “Ah, professora, eu não sei português!”. A minha atitude é perguntar ao aluno em que língua ele foi alfabetizado, fala com seus amigos e familiares, escreve no caderno, no Orkut, no Twitter, enfim, comunica-se durante os 365 dias; todos concordamos, então, que falamos e escrevemos em PORTUGUÊS. Os alunos retrucam e afirmam estar fartos das regras de concordância, regência, orações coordenadas, orações subordinadas e outras chatices gramaticais (palavras deles!). Concluo, então, que uma coisa é saber português e outra é dominar as regras impostas pela gramática normativa. E concordo, principalmente, que tudo não passa de um “gramatiquês” se o professor não mostrar a utilidade de tantas normas!

A ideia de que alguém não sabe português é um dos preconceitos linguísticos analisados em várias obras do professor Marcos Bagno e vai de encontro a uma das principais orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais:

A Língua Portuguesa, no Brasil, possui muitas variedades dialetais. […] Mas há muitos preconceitos decorrentes do valor social relativo que é atribuído aos diferentes modos de falar: é muito comum considerar as variedades linguísticas de menor prestígio como inferiores ou erradas. […] A escola precisa livrar-se de alguns mitos: o de que existe uma única forma “certa” de falar – a que se parece com a escrita – e o que de escrita é o espelho da fala – e, sendo assim, seria preciso “consertar” a fala do aluno para evitar que ele escreva errado. Essas duas crenças produziram uma prática de mutilação cultural que, além de desvalorizar a forma de falar do aluno […] denota desconhecimento de que a escrita de uma língua não corresponde inteiramente a nenhum de seus dialetos, por mais prestígio que ele tenha em um dado momento histórico. (Grifo meu)

Se considerarmos o saber linguístico apenas aquele apresentado pelas gramáticas e manuais escolares, poderemos mesmo afirmar que sabemos português ou qualquer outra língua? Podemos garantir que falamos e escrevemos rigorosamente como eles determinam?

Pronominais
Oswald de Andrade

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro

E como o bom negro e o bom branco de Oswald, dizemos e escrevemos “me dá”, “me empresta”, “me liga”, “me manda um e-mail” – afrontas às regras de colocação pronominal e emprego do imperativo, um tipo de construção incorporada há anos na língua de todos os brasileiros, como tantas outras.

Não estou afirmando que o ensino de gramática seja desnecessário, tampouco que o cuidado com a escrita possa ser negligenciado. O debate que originou este texto trazia o seguinte questionamento: quem não domina as regras da gramática normativa pode ter um blog? Bem, eu não vou dizer quem pode ou não ter blog, pois alguém também pode se achar no direito de dizer que eu nem deveria ter aberto os meus, não é verdade? As perguntas deveriam ser outras: “qual é a variedade linguística mais adequada a um blog?” , “o descuido com questões como ortografia e regras de acentuação, por exemplo, podem afetar negativamente a credibilidade de um texto?” . O que você pensa a respeito?

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