segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Crianças e literatura

Observa-se que a maioria das crianças brasileiras não tem o hábito da leitura como um dos seus pontos fortes. Todavia, de maneira geral, estão naturalmente acessíveis para essa experiência. Poder contribuir com elas, nesse sentido, é sempre um prazer ...


MARINALDO CUSTÓDIO


Pouca coisa é capaz de me dar tanta alegria quanto o retorno que às vezes me dão as crianças e os jovens em relação àquilo que escrevo. E, considerando que esse público geralmente não se interessa por artigos nem por ensaios, é de literatura mesmo que estou falando aqui. No caso específico, falo do livro Viagens inventadas: crônicas e quase contos, lançado pela Editora Entrelinhas, de Cuiabá, no início de 2011.

Nesses cerca de seis meses que o meu livro se encontra “na praça”, tinha recebido a notícia de que duas meninas (ambas de 10 anos) estavam lendo-o (ou já o tinham lido). Então, em viagem recente ao interior, pude enfim avaliar mais de perto a situação descrita. Uma das minhas pequenas leitoras eu sabia que morava no povoado de Caramujo, próximo a Cáceres. Então, quando me vi frente a frente com ela, aconteceu algo entre o engraçado e o comovente, algo parecido com aquele impagável relato de Rolando Boldrin no seu “Disco da Moda”, em que ele canta a duas vozes, como se fosse uma dupla. Diz ele que, depois de tanto tempo cantando músicas caipiras e outras pérolas do cancioneiro regional, muitas vezes imitando duplas, chegou a um posto de gasolina de beira-estrada, por este interiorzão do Brasil, e um capiau logo o interpelou:

– Que mar lhe pergunte: o senhor não é daquela dupla Rolando e Boldrin?

Mas voltando à minha história: ao ver a menina – Letícia é o seu nome – na companhia dos seus familiares, logo deduzi quem era ela, então lhe disse:

– Ah, então você é que é a minha leitora?

E ela, altiva, com as mãos na cintura:

– Ah, então o senhor é que é o famoso Marinaldo Custódio?

Disse-lhe que sim, sou o Marinaldo Custódio, agora esse “famoso” aí não sou não. Isto fica por sua conta e risco.

Já no município de São José dos Quatro Marcos, para onde me dirigi em seguida, a experiência foi bem mais ampla e proporcionalmente mais gratificante. Lá, na Escola Municipal Boa Esperança, onde por sinal trabalham o meu irmão Onivaldo e a minha cunhada Ivanilde, estive em várias salas de aula dialogando com alunos e professores, apresentado ora pelo diretor José Charupá, ora pela coordenadora Sônia Goloni. Seria cansativo e inoportuno enumerar todas as situações vividas ali, por isso vou fazer um recorte e destacar apenas algumas das mais representativas. Para mim, elas aconteceram precisamente na “grande sala” onde se reuniram os alunos da 5ª à 8ª série, visto que, devido ao tempo relativamente curto, apenas as salas do 2º grau receberam a minha visita “individualizada”. A título de facilitação, além de um livro que eu tinha na mão e outro com a professora Cristiane, distribuí mais alguns para que os estudantes os fizessem girar de mão em mão pela sala, de modo que eles pudessem ter um contato “físico” com o objeto livro, perceber sua capa, sua proposta estética e coisas assim. Acontece, porém, que dois dos exemplares colocados em circulação “encravaram” nas primeiras fileiras, muito simplesmente porque dois alunos (um menino e uma menina) começaram a folhear o livro e se puseram a ler de uma forma na qual não cabiam interrupções, nem comentários, nem chamadas de atenção, nem nada. Liam, apenas e tão somente, esquecidos do mundo.

No dia seguinte, já na cidade, encontrei a menina Keitilyn acompanhada de sua família, e pude presenteá-la, enfim, com o livro acrescido de dedicatória e tudo o mais. Quanto ao menino (não sei o seu nome), da próxima vez que lá estiver, certamente o presentearei também. O prazer é e será todo meu, como se diz comumente.

Nos meus tempos de criança, ávido por leituras de todo tipo, uma das coisas que mais me marcaram foi um texto de Guimarães Rosa falando de uns boiadeiros que iam em viagem de trabalho quando vem a chuva, mas não chuva perpendicularmente caída do céu e sim “chuva rápida e traiçoeira, vinda de frente, de carreira”. Aquele texto, trazido pela professora da escola rural que eu frequentava no Oeste paulista, deu-me o toque necessário do encanto significativo que a literatura pode trazer à nossa vida.

Observa-se que a maioria das crianças brasileiras não tem o hábito da leitura como um dos seus pontos fortes. Todavia, de maneira geral, estão naturalmente acessíveis para essa experiência. Poder contribuir com elas, nesse sentido, para nós que amamos a literatura e as demais artes, é sempre um prazer a ser renovado a cada dia.

(*) MARINALDO CUSTÓDIO é mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal Fluminense (UFF), escritor e colaborador de HiperNotícias. E-mail: marinaldocustodio@hotmail.com

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