MARTA HELENA COCCO
Quando se pensa que a poesia não tem mais espaço na sociedade, pois todos estão ocupados demais em ganhar dinheiro e consumir, em dar conta da agenda cheia de compromissos - entre outras contingências deste mundo contemporâneo, a cidade de Cuiabá surpreende os amantes da boa literatura com lançamentos de novos livros, com saraus alternativos e com a inclusão de uma poeta da terra numa importante antologia de autores nacionais.
Isso mesmo. Lucinda Persona, poeta duas vezes premiada nacionalmente, compõe o Roteiro da poesia brasileira - anos 90, para orgulho dos mato-grossenses. Aos poucos a nossa literatura vai ganhando corpo e chegando lá.
A recentemente lançada Antologia (anos 90) reúne 45 poetas das várias regiões do Brasil, que começam a publicar seus trabalhos na década de 90. Cada autor participa com quatro poemas. A organização coube a Paulo Ferraz, Mestre em Teoria Literária e poeta, cujo prefácio/ensaio revela um real panorama da poesia no decênio em pauta, marcado pela "heterogeneidade de vozes".
A Série completa está composta de 15 títulos/volumes focalizando vários períodos, oferecendo uma visão do processo poético brasileiro desde as raízes até nossos dias. Cada título da série conta com um antologista e prefaciador, sob a direção geral de Edla van Steen e o selo da Global.
Além de Lucinda, outros poetas da terra tem contribuído para o que podemos chamar de reverdecimento da literatura em Mato Grosso, neste ano. No dia 20 de setembro o jornalista Lorenzo Falcão, escritor premiado no Estado, brindou-nos com mais uma obra: Mundo cerrado (Ed. Entrelinhas). Um livro de quase cem poemas (contemplando, em ordem, as letras do alfabeto) em que o que salta aos olhos é um lirismo irreverente e divertido; no próximo dia 30, o consagrado Ivens Scaff (autor de belíssimas histórias infantis) lança Kuyaverá, sob uma frondosa mangueira do Sesc Arsenal.
Também neste ano um grupo de pesquisas da Unemat de Sinop, sob a coordenação da Profª Drª Rosana Rodrigues, lançou a antologia "Nossas vozes, nosso chão" (Ed. Carlini e Caniato) reunindo 50 poemas (comentados por pesquisadores da Unemat e de outras Instituições). Nessa antologia estão Aclyse de Matos, Dom Pedro Casaldáliga, Luciene Carvalho, Lucinda Persona e Marilza Ribeiro. A poesia de Casaldáliga também foi tema de documentário criado pela Unemat e TV AL-MT.
Há várias semanas, uma iniciativa de um grupo de poetas veteranos, como Eduardo Ferreira, e de jovens artistas e trabalhadores da cultura, têm organizado o "Sarau das Artes" na praça da mandioca e em outros locais (nesta sexta-feira será no Centro Cultural da UFMT), pois a ideia do grupo é fazer um movimento itinerante. Lá se reúnem pessoas que gostam de recitar, cantar, tocar, que expõem suas telas e esculturas, ou que gostam de apreciar o que de bom e bonito o ser humano produz e compartilha.
E para não deixarmos a prosa de lado, foi também em 2011 que livros inéditos de Ricardo Guilherme Dicke, o principal romancista de Mato Grosso, vieram à tona, pela Carlini e Caniato. Os primeiros a serem lançados depois da morte do autor ocorrida em 09/07/2008. Dentre os títulos , a narrativa Os semelhantes, até o momento, foi o livro mais lido e tem deixado os leitores de Dicke extasiados com o potencial imagético do escritor.
Outro destaque em 2011 foi a participação da pesquisadora Drª Yasmin Nadaf, uma das pioneiras nos estudos sobre a nossa literatura, na Feira Internacional do livro, a FLIP, que acontece em Parati-RJ. Com a exposição de almanaques da professora, o Mato Grosso se fez presente em um dos eventos literários mais prestigiados do país.
Enfim, 2011 vai se cumprindo como um ano em que a literatura produzida neste pedaço do Brasil vai se encorpando, apesar hostilidades da vida contemporânea e apesar da mísera atenção que os governos dão para a arte.
O orçamento da pasta da cultura é ínfimo e fica ainda menor diante da qualidade dos artistas que este estado possui. Não bastasse isso, tem sido mal gerenciado, pois há aprovação de projetos de qualidade discutível e para pessoas e instituições questionáveis. Mas isso é tema para outro artigo.
Hoje, queremos destacar que o Mato Grosso tem Lucinda Persona, tem Ricardo Guilherme Dicke, além de Aclyse de Matos, Antonio Carlos Lima e muitos e muitas mais, o que equivale a dizer que temos poesia e prosa que não deixam nada a desejar a nenhum estado. Somado a isso, devemos destacar o trabalho primoroso de algumas editoras locais, que têm dado dignidade às obras.
Tenho esperança de ainda ver o Brasil inteiro voltado para as nossas letras e desejando conhecer o Mato Grosso (que se apresenta como uma economia pujante), também como a terra que pariu artistas da grandeza de um Manoel de Barros e que acolheu outros, capazes de plasmar aspectos profundos da força cósmica deste espaço. Coisas que só a arte consegue alcançar.
Marta Helena Cocco é poeta e professora de literaturas da língua portuguesa da Universidade do Estado de Mato Grosso.
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