Entrevista - Prof. Carlos Faraco
Convidado pela organização do Seminário da Olimpíada de Língua Portuguesa para abrir as atividades do evento, Carlos Alberto Faraco falou sobre o processo de constituição da norma culta no Brasil. Em entrevista ao Portal Cenpec, o professor titular aposentado da Universidade Federal do Paraná e doutor em linguística pela University of Salford comentou os resultados da Prova ABC e a polêmica em torno do ensino das variações lingüísticas. “A sociedade brasileira ainda não abriu a sua “ferida lingüística”, afirma.
Qual a importância de um seminário como esse, que promove o diálogo entre a academia e quem está em sala de aula?
O professor é que tem que dar o tom. Ele é quem tem que apresentar as suas demandas e ao mesmo tempo socializar a sua prática, o seu saber, a sua experiência, que se acumulam no fazer do cotidiano. O desafio que se põe para universidade, para academia é aceitar isso e se colocar na posição de interlocutor do professor e não como a sede do saber, do discurso e da fala. Um dos méritos do Seminário é esse: colocar em um mesmo espaço quem está na direção dos sistemas, quem está na academia e quem é professor.
Resultados divulgados recentemente da Prova ABC revelaram que metade das crianças não está alfabetizada na idade esperada. A que o senhor atribui isso?
Sempre olho com muita cautela os resultados dos sistemas de avaliação. A avaliação é muito importante, nos dá indicadores interessantes para pensar o sistema, mas não podemos pensar muito em termos absolutos. É preciso relativizar e contextualizar os resultados. De qualquer forma, a gente sabe que há dificuldades de boa parte dos alunos de se alfabetizarem e se tornarem leitores e produtores de textos. Uma razão é um problema histórico: a sociedade brasileira nunca foi uma sociedade que democratizou a cultura. O segundo problema é que o professor alfabetizador precisa ter um atendimento muito especial. Eu sou defensor de uma focagem na alfabetização, no apoio ao professor, na criação de condições boas e numa orientação didático-pedagógico que favoreça. O princípio geral é que toda criança tem plenas condições de se alfabetizar. O que a gente vê na classe média com muita freqüência: a criança se auto-alfabetizando, porque ela está em um contexto letrado, a família lê pra ela, dá livros, brinquedos que envolvem o alfabeto, chama a atenção para as letras e, de repente, aos cinco anos e meio, a criança está lendo. Se isso é possível em um contexto mais letrado, com essa dinâmica toda – veja, não é nada sistemático, a família faz isso como prática cultural -, então, nós temos também que encontrar os mecanismos para atender esse outro segmento que vem de uma experiência pouco letrada.
Embora presente nos PCN’s e em outros documentos oficiais, causou grande polêmica o ensino das variações lingüísticas, inclusive entre os docentes. Isso significa que não é uma prática de sala de aula.
A sociedade brasileira não se colocou ainda a sua questão lingüística. Esse é o grande problema. Ontem mesmo estava vendo um livro que tenta fazer um panorama geral do Brasil, apresentar uma agenda do Brasil contemporâneo. Há inúmeros trabalhos, inúmeros temas sendo discutidos; nenhum texto sobre a questão lingüística. Isso é muito revelador, porque é um livro acadêmico, feito e idealizado por intelectuais de grande peso, que tentam dar um quadro geral da sociedade brasileira, mas a língua não aparece. Isso significa que a sociedade brasileira ainda não abriu a sua “ferida lingüística”. Então, evidente que a escola vai reproduzir essa dinâmica social, essa maneira como sociedade se relaciona com a língua.
Os próprios cursos de formação em geral não aprofundam a questão da realidade sociolingüística do Brasil. São alguns em que a pesquisa se faz, mas a maioria não traz. Eu vejo muitos blogs de estudantes de Letras, inclusive que estão concluindo o curso, em que eles demonizam a variação lingüística. Há realmente um problema social mais amplo, que se manifesta na prática escolar, na formação dos professores. É um tema extremamente complexo e é aquilo que eu tentei dizer na minha fala: precisamos achar um meio de abrir essa ferida.
Em uma sociedade heterogênea, a língua é todo um emblema de identidade positivo, de inclusão, pelo fato de falarmos a mesmo língua nos sentimos parte de um mesmo grupo. Mas ao mesmo tempo como a língua é heterogênea, refletindo a heterogeneidade social, também serve como discriminação negativa. Ela afasta os falantes – “Eu falo certo, ele fala errado”. Todas essas adjetivações, essa compreensão que vem do outro pela forma como ele fala.
Fabiana Hiromi
segunda-feira, 10 de outubro de 2011
“A sociedade brasileira ainda não abriu a sua “ferida linguística”, afirma o Prof. Faraco
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