Como formar leitores com ajuda de Narizinho e a turma do Sítio
Entrevista
Pedro Bandeira defende a leitura de Monteiro Lobato na escola
Planos de aula
Primeiras leituras de Monteiro Lobato
Leitura de "Memórias de Emília", de Monteiro Lobato
Introdução
Compartilhar a leitura de uma obra, trocar impressões sobre seu enredo, construir significados comuns e defender pontos de vista divergentes são algumas das práticas que contribuem para a formação de uma comunidade de leitores. É também consenso entre os educadores que é tarefa fundamental da escola criar situações de contato frequente e sistemático com textos literários de qualidade, em especial as obras clássicas que constituem o acervo cultural da humanidade. Elas possibilitam, entre outras coisas, a formação do gosto, criam repertório, oferecem modelos estéticos e favorecem a construção de diferentes sentidos para a leitura. Por meio delas, as crianças podem construir, pouco a pouco, intimidade com a linguagem, apreciando não apenas o que o texto diz, mas também a forma como o faz, aproximando-se da palavra, criando suas próprias interpretações e dialogando com tempos e espaços próprios do universo literário.
E nada melhor do que construir essa intimidade com os livros e com a leitura com base na obra de um dos maiores autores da literatura infantil brasileira: Monteiro Lobato.
Embora sejam inúmeras as referências que atestam a qualidade dos seus textos, grande parte dos alunos conhece suas histórias apenas por meio das referências contidas em livros didáticos e outros materiais educativos, nos quais alguns trechos são citados ou ilustrações de personagens são apresentadas. Poucos são desafiados a ler suas aventuras completas e a experimentar a alegria e o encantamento causados pelo contato com o mundo maravilhoso do Sítio do Picapau Amarelo e seus personagens inesquecíveis.
Essa sequência de leitura pretende contribuir para a valorização da produção literária de Monteiro Lobato a partir de uma proposta de leitura de uma de suas obras mais conhecidas: Reinações de Narizinho. Espera-se que, por meio desse trabalho, as crianças possam compartilhar escolhas, leituras, escutas e comentários sobre os livros lidos, construindo seu próprio percurso leitor, utilizando, aos poucos, os conhecimentos que possuem para interpretar as obras lidas, imprimindo, cada vez mais significado às suas leituras.
Por que Reinações de Narizinho?
Reinações de Narizinho, lançado em 1931, é considerado o ponto de partida da literatura infantil produzida por Monteiro Lobato. Composto pela reunião de várias aventuras publicadas anteriormente de forma isolada, é nesse livro que "se firma o núcleo lobatiano - Dona Benta, Narizinho, Tia Nastácia, Emília, Rabicó, Pedrinho, Visconde de Sabugosa - e se estabelece o Sítio do Picapau Amarelo como espaço das histórias, a partir do qual as personagens partem para viver suas aventuras (BERTOLUCCI in LAJOLO e CECCATINI, 2010)." Nele, Narizinho, movida pelo desejo de viver experiências extraordinárias, transita entre o mundo real e sua imaginação com naturalidade, como se a fantasia pudesse fazer parte do cotidiano, sem necessariamente apoiar-se em explicações - comportamento facilmente observável na maior parte das crianças em idade escolar.
Por meio dessa obra, Lobato resgata parte do patrimônio cultural da humanidade, possibilitando o encontro do leitor com inúmeros personagens da ficção que invadem o Sítio, em um maravilhoso jogo de intertextualidade. Dona Carochinha, O Pequeno Polegar, Pinóquio, Gato Félix e Peter Pan são alguns deles. Enfrentar essa leitura é abrir inúmeras "janelas literárias", favorecendo a construção da autonomia, dos gostos próprios e do desejo de explorar novas obras.
Essa sequência propõe o trabalho com o texto completo, atualmente publicado em dois volumes pela editora Globo. Essa opção justifica-se pelo fato de que, na escola, poucos são os momentos nos quais os alunos lêem os clássicos em suas versões originais e, com isso, perdem a possibilidade de adentrar o universo da literatura em sua forma mais elaborada e conhecer livros mais complexos. Para isso, o desafio de enfrentar uma obra extensa como essa será dosado em momentos de leitura em voz alta feita pelo professor, leitura compartilhada em pequenos grupos e por meio da organização de círculos de leitura.
Dessa forma, pretende-se desenvolver a autonomia leitora, garantindo, inicialmente, momentos de leitura compartilhada e, progressivamente, a organização de situações nas quais os alunos possam também assumir a responsabilidade por suas aprendizagens, desvinculando-se, aos poucos, seu percurso do apoio e da mediação do professor.
A sequência está dividida em duas grandes etapas, as quais poderão ser subdivididas em aulas de acordo com o tempo destinado ao trabalho com leitura e o "fôlego"do grupo para realizar a leitura dos capítulos com autonomia.
Objetivos
- Realizar a leitura integral de um clássico da literatura infantil em sua versão original.
- Valorizar a leitura literária como experiência estética.
- Socializar escolhas, leituras, escutas, comentários e efeitos que as obras produzem nos leitores.
- Utilizar o conhecimento sobre o autor e sobre o mundo para interpretação mais ajustada do texto.
Conteúdo
Leitura.
Anos
Do 3º ao 5º ano.
Tempo estimado
3 meses.
Material necessário
Os dois volumes do livro Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato, Ed. Globo.
Desenvolvimento
1ª etapa: Leitura em voz alta feita pelo professor para os alunos
A primeira etapa da sequência consiste na leitura em voz alta, pelo professor, do primeiro volume da obra. O livro é organizado em 7 capítulos, os quais poderão ser lidos semanalmente, dependendo do tempo disponível para esse trabalho na rotina escolar.
Apresentação da proposta de leitura para os alunos
É fundamental que você apresente aos alunos os objetivos dessa leitura, justificando a escolha dessa obra e compartilhando seus motivos, estratégias e interesses relacionados ao autor e a outros livros de Monteiro Lobato, se os conhecer. No início do trabalho, informe como será organizada a proposta, a frequência com a qual os capítulos serão lidos e a previsão de término dessa primeira etapa do trabalho. Também esclareça para o grupo que, em um outro momento, os alunos farão sozinhos a leitura de alguns dos capítulos do segundo volume e conversarão sobre suas impressões com colegas que escolherem a mesma aventura, elaborando uma indicação que convide os demais para a leitura.
Comece apresentando a obra aos alunos e conversando com o grupo sobre os conhecimentos prévios que possuem acerca do autor e dos personagens que fazem parte do Sítio do Picapau Amarelo. É provável que as crianças possuam algumas referências e, portanto, devem ser incentivadas a apresentar as informações que possuem, indicando, se possível, de que forma as mesmas foram descobertas. Nas edições mais recentes de Reinações de Narizinho há um pequeno texto que informa brevemente sobre a vida do Monteiro Lobato e outro no qual o universo do Sítio é apresentado aos leitores. Se desejar, faça a leitura desses textos para a classe.
Preparação da leitura pelo professor
É fundamental que a leitura de cada um dos capítulos seja preparada anteriormente. Nos momentos em que lê para os alunos, você atua como modelo de leitor e, sendo mais experiente, compartilha suas práticas com o grupo, emprestando sua voz para a construção de sentidos do texto. Por isso, é imprescindível que você ensaie sua leitura, observando a entonação a ser empregada, o ritmo e as pausas que deseja fazer.
Antes da leitura, durante a leitura e depois da leitura
A cada capítulo, planeje também as intervenções que serão feitas, pensando em boas perguntas que possam alimentar a conversa apreciativa que as crianças farão após a leitura de cada capítulo, favorecendo a realização de inferências. É fundamental que as questões propostas não sigam os modelos dos chamados "questionários de interpretação de textos".
Comece essa conversa, como qualquer leitor real faria, comentando e justificando o trecho do qual mais gostou (porque lhe pareceu bem escrito ou interessante, por exemplo), uma expressão que julgou bem humorada, algum acontecimento que lhe pareceu inusitado etc. O objetivo é dar início a um diálogo sobre um texto compartilhado pelo grupo, para que os alunos possam começar a se ver, pouco a pouco, como leitores que comunicam suas impressões sobre as leituras que realizam.
No caso dessa obra, em cada uma das aventuras o autor apresenta um dos personagens do sítio que passa a integrar as reinações vividas por Narizinho. Por isso, é interessante que você ofereça espaço nos momentos iniciais de leitura para que os alunos retomem os episódios anteriores. Quais foram os personagens que surgiram? Como são? De que forma apareceram no texto? Ajude-os a estabelecer relações entre os episódios da narrativa e as relações de causa e efeito entre as ações dos personagens nas aventuras por eles vividas em cada um dos capítulos.
Ao final de cada leitura, compartilhe também seu comportamento leitor apresentando e levantando as antecipações sobre as leituras seguintes. Dessa forma, voocê estará gerando expectativas sobre os próximos acontecimentos, podendo questionar o grupo sobre as "pistas" oferecidas pelo autor para sugerir o que o leitor pode encontrar nas páginas que virão.
No caso dos momentos de conversa coletiva dessa obra, especificamente, além de poder evidenciar o conteúdo do texto, incentive os alunos a analisar a linguagem empregada pelo autor. A presença do humor, da ironia, o uso de expressões típicas da linguagem popular e o emprego de termos característicos da época em que a obra foi escrita são exemplos de recursos que podem ser ressaltados durante e após a leitura de cada capítulo.
Ao abrir espaço para que as crianças comuniquem suas opiniões, é preciso estar atento para o fato de que são muitas as leituras possíveis e que os alunos podem apresentar divergências em suas interpretações sobre o texto. Por isso, crie um ambiente propício para que as crianças possam manifestar-se e, principalmente, justificar suas impressões sempre apoiadas no texto ou em seus conhecimentos prévios, apresentando-as claramente para o grupo de forma que todos possam compreender os sentidos construídos a partir da leitura compartilhada.
2ª etapa: Trabalhando com os círculos de leitura
Segundo COLOMER (2007), "o gosto e o juízo de valor são inseparáveis da experiência da leitura logo que esta se inicia na infância e ocorrem sempre em relação a algum parâmetro comparativo. São aspectos que se formam através da prática." Para a especialista espanhola, "não se aprende apenas lendo ‘muito bem’ uns poucos textos, também é necessário ajudar as crianças a estabelecer relações entre muitas leituras."
Por isso, é fundamental criar situações nas quais elas tenham acesso à diversidade de textos e opiniões para que construam seu repertório e possam criar mecanismos de comparação entre diferentes leituras, compartilhando experiências leitoras significativas. Uma das formas de atender a esses objetivos é a proposta de trabalho com os círculos de leitura.
Informe que após a leitura compartilhada do primeiro volume de Reinações de Narizinho os alunos lerão as aventuras do segundo volume da obra em cinco pequenos grupos, conversarão sobre suas impressões acerca do capítulo e farão indicações sobre os textos lidos convidando os demais leitores a conhecê-los. Para isso, é necessário que todos os alunos tenham o livro e possam fazer a leitura do capítulo escolhido com antecedência.
Planeje previamente a formação dos grupos, optando por reunir as crianças de acordo com competências leitoras próximas. Cada grupo deverá ler uma aventura e cada aluno lerá apenas um dos capítulos do volume por vez.
Antes de iniciar o trabalho, compartilhe com o grupo a responsabilidade pela leitura das aventuras que compõem o segundo volume da obra, combinando qual o prazo necessário para realização da mesma. Se achar necessário, os alunos poderão dividir cada capítulo em duas partes, fazendo a leitura e discussão de um primeiro trecho em um momento e finalizando-a em outro.
Decida coletivamente se a leitura será realizada na escola ou em casa, conforme a disponibilidade da maioria e a rotina da sala de aula. Com os maiores pode-se, por exemplo, decidir que toda a leitura será feita em casa e marcar uma data para compartilhar em grupos. O importante é deixar claro o compromisso que todos deverão assumir em fazer a leitura do texto para, no momento oportuno, discutir com os colegas, trocar suas impressões e fazer indicações aos demais.
Para despertar o interesse e oferecer elementos que orientem a escolha das crianças, faça uma breve apresentação do enredo de cada uma das aventuras (Cara de coruja, O irmão de Pinóquio, O circo de cavalinhos, Pena de papagaio e O pó de pirlimpimpim). Convide os alunos a decidirem qual capítulo vão ler durante o período combinado.
Em seguida, explicite o que os alunos deverão observar ao longo do texto, pedindo que anotem sentimentos que a leitura despertou, relações que estabeleceram com outras histórias já conhecidas, características dos personagens, palavras que provocaram dúvidas e os significados que conseguiram atribuir com base no contexto, perguntas que vieram à mente, como imaginaram uma determinada cena etc. Oriente-os a registrar os trechos que acharam engraçados, os "truques" do autor para chamar a atenção do leitor, palavras e expressões interessantes etc.
No dia combinado, o grupo se reúne para trocar impressões sobre o capítulo ou trecho lido. Retome as orientações que foram dadas antes da leitura. Ajude os alunos a guiar a conversa apreciativa com base nas anotações que fizeram durante a leitura. Circule entre os grupos, verificando como estão se saindo nessa tarefa e ofereça ajuda, quando necessário. Também anote os comentários que lhe parecerem interessantes para compartilhá-los no momento da discussão geral.
No trabalho com os alunos maiores, aprofunde as questões relacionadas à intertextualidade oferecendo versões de alguns dos contos citados pelo autor para que os grupos possam estabelecer relações entre o texto original e as referências feita a eles por Lobato nos capítulos dessa obra. Os alunos poderão conversar sobre o modo como os personagens do conto aparecem no Sítio, as "brincadeiras" do autor para fazer referências às características de cada um deles, discutindo se o conhecimento das obras citadas favorece ou não a interpretação do capítulo lido.
Em seguida, amplie a discussão, solicitando que cada grupo conte algo interessante que foi compartilhado durante a conversa, propondo que reflitam também sobre o processo de conversar sobre a leitura, levantando os procedimentos que ajudaram a discussão e as dificuldades encontradas na realização da tarefa.
Esse momento de troca entre os grupos pode durar uma ou duas aulas, de acordo com a produtividade da discussão observada pelo professor. Depois dessa conversa, peça para que os alunos escrevam um pequeno texto, recomendando o capítulo lido para os demais colegas. É importante discutir sobre a realização dessa tarefa: os grupos não devem, por exemplo, revelar ou resumir toda a história, porque assim, poucos se interessariam em lê-la. Esclareça que é preciso garantir um certo mistério, algo no texto de recomendação que destaque o melhor da história, que envolva e convide à leitura, sem revelar muitos detalhes sobre o desenrolar do conto. A descrição de um personagem ou de um sentimento despertado pela leitura são exemplos de estratégias eficientes para "fisgar"o interesse do leitor.
É importante apresentar aos alunos alguns modelos de indicações literárias que podem ser encontradas em catálogos de editoras, em sites que promovem a leitura ou nas quartas capas dos livros, cuidando para selecionar apenas indicações de obras que sejam conhecidas por grande parte dos alunos. Faça a leitura desse material e discuta cada uma delas, destacando os trechos que despertam o desejo de ler.
Após esse contato, peça para que os alunos escrevam a indicação do capítulo que acabaram de ler e discutir. Oriente-os para que coloquem os dados bibliográficos do texto (nome da obra, capítulo, autor e editora).
Terminada a etapa de produção das indicações literárias, organize a sala em uma roda e peça a cada um dos grupos que leia a indicação que escreveu. Caso perceba que a orientação de não constar a história toda não foi cumprida, intervnha, retomando o que havia sido combinado anteriormente.
Depois que todos os grupos apresentarem suas indicações, os alunos escolhem, pautados nas recomendações, qual o capítulo que desejam ler em seguida. Se quiserem, os alunos de um mesmo grupo podem escolher capítulos diferentes e formar novas parcerias com outros colegas. Combine um novo prazo para a realização de uma nova rodada do círculo de leitura.
A proposta é que o trabalho tenha, no mínimo, duas rodadas para que cada criança tenha a oportunidade de explorar a leitura de mais de um capítulo e participar de encontros em que possa conversar em torno do literário, aprendendo a levar em conta o seu ponto de vista e dos demais colegas, refletindo sobre as questões trazidas pelo grupo e suas próprias ideias acerca do que foi lido até o momento.
Se possível, providencie cópias das indicações para que os alunos possam colá-las nos cadernos, organizando uma coletânea. Esse material também pode ser disposto em fichas e guardado em uma caixinha de indicações, às quais podem ser somadas outras recomendações escritas pelos alunos ao longo do trabalho com a leitura de outras obras realizada durante o ano.
Avaliação
Acompanhe as aprendizagens desenvolvidas pelas crianças nessa sequência observando se o aluno:
- mantém-se atento enquanto ouve a leitura realizada pelo professor e concentrado quando realiza suas leituras silenciosamente;
- acompanha a leitura em voz alta, retomando trechos lidos anteriormente, fazendo antecipações coerentes;
- relê (ou pede que o professor releia trechos), esforçando-se para compreender o que não compreendeu inicialmente;
- solicita ajuda do professor ou dos colegas para compreender melhor suas leituras;
- faz uso do contexto para compreender palavras ou expressões desconhecidas;
- participa das conversas apreciativas, citando passagens do texto e complementando as ideias apresentadas pelo grupo;
- identifica pistas para interpretação e avaliação dos textos literários que extrapolam os critérios de gosto pessoal;
- estabelece relações entre suas leituras e outros textos conhecidos e experiências vividas;
- elabora uma indicação literária coerente com a proposta;
- ao fazer a indicação, utiliza passagens interessantes do texto para ampliar o interesse do futuro leitor.
Quer saber mais?
BIBLIOGRAFIA
Andar entre livros, Teresa Colomer, Editora Globo, 2007.
Dicionário Crítico da Literatura Infantil e Juvenil Brasileira, Nelly Novaes Coelho, Companhia Editora Nacional, 2006.
Monteiro Lobato, livro a livro, Marisa Lajolo e João Luís Ceccantini, Editora UNESP e Imprensa Oficial, 2008.
Reinações de Narizinho vol. 1 e 2, Monteiro Lobato, Editora Globo, 2008.
NA INTERNET
http://mundodositio.globo.com/
VÍDEO
Sítio do Picapau Amarelo - Reinações de Narizinho - Som Livre - DVD (2010)
Consultoria Denise Silva
Formadora de professores
sexta-feira, 22 de abril de 2011
Aula - Círculos de leitura de "Reinações de Narizinho"
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário