sábado, 23 de abril de 2011

Opinião - Cem anos esta tarde

Wanda Camargo

No dia 25 de março de 1911 aconteceu uma tragédia que não deve ser esquecida: cento e quarenta e seis trabalhadores de uma indústria de confecções de Nova Iorque morreram em um incêndio, era sábado, cinco da tarde.

Este evento é associado aos movimentos pelos direitos das mulheres trabalhadoras, e a data em que ocorreu é muitas vezes dita a origem do Dia Internacional da Mulher, o que não é verdade. Desde meados do século XIX as mulheres operárias lutavam bravamente ao lado de seus companheiros por melhores condições de trabalho e salário, nesta época as jornadas de até quinze horas eram comuns para homens e mulheres, mas os salários das mulheres eram significativamente inferiores aos dos homens, chegando a valer menos da metade daqueles.

Fala-se que o incêndio da “Triangle Shirtwaist Company” teria sido intencional, há versões de que os trabalhadores realizavam uma assembleia para decretação de greve e que os patrões teriam mandado trancar as portas e atear fogo ao prédio. Esse crime pode não ter ocorrido desta maneira, a confecção localizava-se nos últimos andares de um edifício com estrutura e pisos de madeira, sem condições de segurança e evacuação rápida; era prática comum manter trancadas as portas de instalações industriais para controlar a entrada e saída dos trabalhadores, até as idas ao banheiro eram controladas e racionadas.

Quando o incêndio começou, provavelmente causado por pane em instalações elétricas sabidamente precárias, havia mais de quinhentos trabalhadores na fábrica, cento e quarenta e seis morreram, dos quais cento e vinte e cinco eram mulheres. Mesmo tendo sido não intencional, e sim de descaso, de descuido, de irresponsabilidade, de ganância, foi um crime brutal e imperdoável.

Há uma frase infeliz sobre as “limpezas” étnicas e políticas do nazismo e do stalinismo: o assassinato de um ser humano é um crime, o assassinato de um milhão de seres humanos é um dado estatístico. Além de infeliz a frase é mentirosa, cada vítima dos dachaus, gulags, hiroshimas e revoluções culturais era uma pessoa, teve sonhos, amou, foi amada, teve desilusões; jamais poderá ser reduzida a apenas um número. Da mesma forma, não podemos estabelecer comparações numéricas entre o crime bárbaro que ocorreu há cem anos e os demais crimes bárbaros do barbaramente criminoso século XX, na verdade não devemos fazer comparações de qualquer tipo, as monstruosidades também ocorrem cada uma à sua maneira.

Hoje é mais intenso o estudo sobre a situação feminina, tanto na educação e vida familiar, quanto no trabalho e na política. Sua saúde reprodutiva e o acompanhamento das violências sexuais ou domesticas são objetos de profundas análises nas universidades, organizações não governamentais e grandes unidades de pesquisa. Destas, decorreu o conceito de gênero, sociologicamente construído para diferenciar o papel social e comportamento feminino de sua caracterização sexual, campo marcado essencialmente pelo estabelecimento das relações de poder, simbólico ou efetivo, entre homens e mulheres, característicos de cada cultura e época.

A complexidade e ambiguidade da sexualidade permeiam todo o relacionamento humano e influencia até os perfis epidemiológicos de cada região, já que os valores norteadores dos comportamentos idealizados dos tipos masculino ou feminino, dos papéis diferenciados tanto nos aspectos laborais quanto na reprodução, cuidados de saúde, das crianças e da casa, são preponderantemente marcados pela divisão sexual das tarefas.

No Brasil, a ausência masculina no ambiente doméstico, mesmo quando a companheira dedica igual tempo ao trabalho fora de casa é percebida na grande maioria dos estados, mesmo que isso afete a qualidade de vida de ambos, mas o aumento expressivo do número de famílias chefiadas por mulheres colabora para uma demarcação menos estrita das desigualdades de gênero.

A perspectiva mais otimista, porém, é a da maior permanência das meninas nas escolas, que seria uma ótima notícia, se não ocorresse em detrimento da retirada precoce dos meninos do ambiente escolar para entrada, sem qualificação e preparo emocional adequado, no mercado de trabalho.

O Dia Internacional da Mulher foi proposto pela militante pelos direitos da mulher Clara Zetkin em um Congresso Socialista ocorrido em 1910 na Dinamarca, mas apenas alguns anos depois definido para o dia 8 de março. Esta não é (ou não deveria ser), uma data de comemoração. É um dia de homenagem aos milhares de mulheres e homens que perderam até a própria vida pela causa da igualdade e da justiça entre gêneros.

O momento é adequado para refletir sobre a condição feminina enquanto condição humana, contemplarmos os ganhos e avanços, que são muitos, e as perdas e retrocessos, que infelizmente também são. O Dia da Mulher apenas será um dia de comemoração plena quando não for mais necessário que exista um Dia da Mulher.

Wanda Camargo assessoria@unibrasil.com.brPresidente da Comissão Central de Processo Seletivo da UniBrasil.

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