O pagador de promessas
O Pagador de Promessas é a história de Zé Burro, um lavrador simples do interior da Bahia. Símbolo da cultura brasileira – “miscigenada” desde o Descobrimento - Zé precisa pagar a promessa que fizera à Santa Bárbara para que seu burro Nicolau fosse curado de uma hemorragia: levar, até a igreja da santa, uma cruz tão pesada quanto a de Cristo. Não havendo uma igreja perto de casa, Zé fizera a promessa em terreiro de Candomblé, mas estava determinado a cumprir o que prometera ainda que precisasse caminhar léguas até a igreja em Salvador. Ao chegar, Zé é surpreendido pela intolerância religiosa do padre e o oportunismo político de outros personagens.
Escrita por Dias Gomes, a obra pertence ao gênero literário dramático; isto é, foi escrita para a encenação teatral (Lembramos que drama, em grego, significa ação). O texto foi encenado, pela primeira vez, em 29 de julho de 1960, no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), em São Paulo, sob a direção de Flávio Rangel. Os papéis principais eram interpretados por Leonardo Vilar (atualmente, na novela Passione, no papel de Antero), Natália Timberg e Elísio de Albuquerque.
Em 1962, o texto foi adaptado para a linguagem cinematográfica, o que lhe garantiu a Palma de Ouro, do Festival de Cannes, um dos mais importantes festivais de cinema do mundo. O elenco, dirigido por Anselmo Duarte, contava com Leonardo Vilar, Othon Bastos, Geraldo Del-Rey, Dionizio Azevedo, Glória Menezes, Norma Bengell. A versão teatral recebeu, sete importantes prêmios em dois anos de apresentação; no cinema, O Pagador recebeu oito. Em 1988, a obra foi adaptada para a TV, com José Mayer no papel principal, e recebeu o Prêmio Fipa de Prata, também no Festival de Cannes.
O crítico de teatro, Sábato Magaldi, escreveu, 23 de julho de 1960, no Suplemento Literário do jornal O Estado de São Paulo:
Não se considere ingênua ou inverossímil a trama, porque se assenta num episódio estranho aos nossos hábitos civilizados. Zé do Burro é homem primário […], natural do sertão da Bahia e pagando promessa numa igreja de Salvador. Toda a sua psicologia […] se define pela crença na intervenção sobrenatural, que não permite depois, da parte dele, recuo estratégico ou argumento sofista. Por nada deste mundo deixaria de cumprir o compromisso assumido com a santa. […] Dias Gomes foi hábil ao fazer que o público adotasse a perspectiva de Zé do Burro e se solidarizasse com ele.
Em nota, Dias Gomes explica um pouco de sua obra:
Zé do Burro não é trucidado pela Igreja, mas por toda uma organização social, na qual somente o povo das ruas com ele confraterniza. […] O sincretismo religioso que dá origem ao drama é fato comum nas regiões brasileiras que, ao tempo da escravidão, receberam influências de cultos africanos. Não podendo praticar esses cultos, procuravam os escravos burlara vigilância dos senhores brancos, fingindo cultuar santos católicos, quando, na verdade, adoravam deuses nagôs.
No início de 2010, usei esta obra de Dias Gomes como leitura em uma de minhas turmas do Ensino Médio. Nossa motivação foi o alto índice de notícias sobre agressões motivadas por intolerância religiosa (Em 2009, vários templos de candomblé foram depredados na Baixada Fluminense e muitos líderes religiosos foram agredidos.). Os alunos surpreenderam-se com meu pedido, por saberem que sou católica e por haver muitos alunos evangélicos na turma. Não propus nenhuma prova sobre o livro. Organizamos um debate sobre a obra e deixei claro que a discussão não seria sobre religião. Nossa reflexão seria sobre a maneira como o dramaturgo abordou, em 1960, uma questão social muito discutida ainda hoje.
GOMES, Dias. O pagador de promessas. 44.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. 176p. Escrito por Andréa Motta
sexta-feira, 22 de abril de 2011
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