segunda-feira, 18 de abril de 2011

Jovens e festas: diversão sem drogas

jornal mundo jovem

Regina Maria Faria Gomes


Jovens e festas são uma mistura certa. Não ter amigos pode ser tão perigoso para a saúde como fumar ou consumir álcool em excesso, como diz um estudo de cientistas americanos, publicado recentemente. O que seria uma festa? Nada mais do que uma ruptura da rotina, de transição de espaços e comportamentos, como forma de destruição de um tempo velho e como forma de vislumbrar um novo, cheio de energia e força.


Mundo Jovem: Existe uma relação próxima entre jovem e festa?

Regina Maria Faria Gomes: As duas palavras juntas emanam uma imagem positiva. Remetem-me à minha juventude, um lugar agradável, de encontros, de diálogo, de dança, de alegria, de trocas, de construção. Remete-me hoje aos jovens da cidade de Tiradentes, bairro no extremo Leste de São Paulo, que constroem sua historia através da cultura e arte, do teatro, do rap, hip hop, funk, das Conferências Lúdicas da Criança e do Adolescente, e mais recentemente do Conselho de Juventude.

Mundo Jovem: A festa, então, é importante como lugar de socialização?

Regina Maria Faria Gomes: Com certeza, é uma das formas de socializar-se. A festa é um produto da realidade social e, como tal, expressa ativamente essa realidade, seus conflitos e suas tensões. Nesse sentido, podemos afirmar que a festa é o espaço de convivência social de múltiplas territorialidades. Não negando que a festa possa ser também um exagero da realidade, ou ainda uma transgressão, profanação, um espaço para a ilegalidade.

Mundo Jovem: Que importância tem para o jovem a socialização através da festa?

Regina Maria Faria Gomes: Vale lembrar que os jovens vivem uma fase da vida na qual estão elaborando suas identidades, em um processo no qual a imagem de si, para os outros e para si mesmo, assume uma importância fundamental. A festa é um espaço que permite a possibilidade de inúmeras interações, com demarcação de identidades e estilos, visíveis na formação dos mais diferentes grupos, que nem sempre coincidem com aqueles que os jovens formam fora desse espaço das festas. A sociabilidade através das festas para os jovens parece responder às suas necessidades de comunicação, de solidariedade, de democracia, de autonomia, de trocas afetivas e, principalmente, de identidade, enquanto sujeitos sociais.

Mundo Jovem: A relação festas juvenis, drogadização e bebidas é uma mistura inseparável?

Regina Maria Faria Gomes: O consumo de álcool é um assunto que envolve desde festas e comemorações ao perigo do abuso e da dependência. Não necessariamente as festas precisam ser regadas a bebidas e drogas. Segundo pesquisas, metade dos brasileiros admite beber com regularidade, sendo a idade média para o começar a beber de 12 anos e meio, mesmo que a lei só permita a venda de bebidas alcoólicas para maiores de 18 anos. Esse hábito costuma começar em casa, muitas vezes estimulado pelos próprios pais ou irmãos mais velhos. E quando chega a adolescência, período repleto de mudanças físicas, emocionais, sociais, a bebida pode tornar-se uma forma de ter novas experiências e testar limites.

Mundo Jovem: Por que há elevados níveis de uso dessas substâncias?

Regina Maria Faria Gomes: Uma das explicações para o consumo do álcool é que ele não tem aparência de algo que faz mal. Ao contrário, nas propagandas o álcool é glamorizado, associado a sexo e mulheres bonitas, sucesso nas relações. Um segundo ponto que explica a atração pelo álcool e outras drogas, sejam elas legais ou ilegais, é a busca de soluções fáceis e respostas rápidas para as coisas. Nós desenvolvemos na sociedade a crença de que há uma solução química para tudo. Não devemos nos frustrar, ir à batalha ou à luta. Vamos atrás de um remédio que resolva qualquer coisa.

Sabe-se, ainda, que em alguns grupos de jovens o padrão de beber muito ou de “beber até cair” é quase uma regra. “Pega bem” ser uma pessoa que exagera, que passa dos limites. Mas por que esse código passa a ser aceito por parte do grupo? Necessidade de afirmação? Pura diversão? Falta de controle? Falta de informação? São muitas as hipóteses. Precisamos ter clareza de que o álcool (como outras drogas) altera a capacidade de a pessoa avaliar o “tamanho do buraco” em que está se metendo.

Mundo Jovem: Mas há muitos jovens, que mesmo tendo oportunidade, curtem as festas sem consumir drogas...

Regina Maria Faria Gomes: Um dos motivos que vejo para o não uso e abuso do álcool e outras drogas é a oportunidade que o jovem se dá de escolher e de ter autonomia sobre a própria vida, quando possui consciência do que é a substância química, seja o álcool ou outras drogas, incluindo aqui os medicamentos. Uma das atividades que realizei nos anos de 1990 com grupos de jovens, filhos de alcoolistas e meus dois filhos e um sobrinho, foi vivenciar junto com eles outras formas de prazer, de curtir a vida, de realizar festas, que temos à nossa disposição. Realizamos trilhas e caminhadas, com direito a banho de cachoeira, passeios a cavalo e Jipe. Eram encontros, festas, alegria, músicas, troca de experiências sem nenhuma substância química. Porém com diálogo franco e presença na vida de todos eles.

Não há como escapar: por trás da curiosidade do jovem em relação ao álcool estão diversos valores sociais, como a ideia reforçada pela publicidade de que a bebida está associada ao poder, ao sucesso e à atração física. Faz-se urgente e necessária uma proposta sistemática de discussão do uso e do abuso de álcool e outras drogas de maneira honesta, sem fazer terrorismo ou falsas ameaças.

Mundo Jovem: Como se dissemina o mercado e o consumo das drogas?

Regina Maria Faria Gomes: Lawrence Werner, num de seus estudos, pergunta: “Como é que o consumo de álcool associado ao esporte não é percebido como uma ironia cultural?” A publicidade do álcool ligada aos esportes é contraditória, proporciona uma desejável relação com um estilo saudável, dinâmico e divertido de vida. Não há dúvida de que a mídia é a grande responsável por divulgar todas as marcas e potenciais qualidades das bebidas alcoólicas disponíveis no mercado. Afinal, realizar comerciais que atingem um público de dois bilhões de consumidores certamente é um negócio rentável. O uso comercial de nossa seleção por uma marca de cerveja, por exemplo, não é liberdade de expressão, é uma ironia, uma forma sofisticada de estimular a dependência do álcool desde a mais tenra idade.

Não basta criar clínicas de tratamento, que são necessárias é bem verdade, mas temos que agir principalmente nas regras de mercado e de propagandas de incentivo ao uso e ao desencadeamento das dependências químicas.

Mundo Jovem: Que atitude deve ter a família diante do filho usuário?

Regina Maria Faria Gomes: A família também necessita de informação correta sobre o uso e abuso do álcool. Isso é um fato a se considerar. Na média, quanto mais novo se entra em contato com o químico, maior a dificuldade de controle do quanto se bebe. A pressão e a aceitação do grupo, a autoestima e a necessidade de afirmação ajudam a explicar o que acontece com o jovem. Para tentar entender melhor por que o(a) jovem começa a beber tão cedo ou por que bebe de forma exagerada, pais e mães devem abrir o instrumento da escuta, do diálogo, da responsabilização de suas atitudes e escolhas. Se o jovem não estiver envolvido nessa reflexão, não há alternativas. Proibição ou tolerância são dois extremos. Acredito mais no caminho do meio.

Mundo Jovem: E a escola, como pode lidar com essas situações?

Regina Maria Faria Gomes: Trabalhos de prevenção e de responsabilidade realizados na escola certamente ajudam. Mas o processo é bem mais amplo! Não cabe a nós continuarmos tendo uma visão simplista e superficial sobre esse assunto. Não se trata de desconsiderar os riscos e as complexidades bioquímicas do uso dessas substâncias, mas de abrir mais espaço para esse tipo de reflexão na discussão sobre o uso e abuso do álcool e outras drogas.

Bebida alcoólica no Brasil é barata. A TV tem uma enxurrada de propagandas: cervejas e bebidas “ice” já aparecem em oferta o dia inteiro. Para completar, comprar bebida não é complicado para os menores. A bebida alcoólica tem presença maciça nos acidentes de trânsito, e muitos remédios causam níveis altos de dependência. Entretanto não podemos imputar somente à escola a possibilidade de solucionar o problema. Ela é de fundamental importância nesse debate e entra como mais uma instituição na análise de uma solução multi-institucional.

Sabemos também que devemos estar atentos e atuar em políticas contra o aliciamento de menores para o tráfico de drogas e a prostituição. Muitos destes fazem parte de empresas de organização de bailes. Eles se utilizam dos espaços da escola, e convidam os estudantes para participar das festas. Os meninos são aliciados para o tráfico de drogas e as meninas para a prostituição.

As “drogas” estão na sociedade e nas culturas. Portanto não podem ser entendidas fora delas. Pesquisadores, legislação, os meios de comunicação e as instituições devem levar em consideração a dimensão cultural do uso e abuso de álcool e drogas para cunhar políticas públicas mais eficazes e mais adequadas à realidade brasileira.

“A mudança na família exige escuta”

Vejo que ser pai e mãe é aventurar-se sempre. A principal ferramenta é o diálogo e a responsabilização pelos atos e escolhas desde a mais tenra idade. Percebo que a socialização dos jovens e a sua relação com a família têm sido alvos de debates que tendem a cair numa visão apocalíptica, de “fim dos tempos”, sobre o fracasso da família. Vejo também que a relação atual da juventude com a família é expressão de mutações profundas que vêm ocorrendo na nossa sociedade, interferindo na realidade social dos indivíduos, nos seus tempos e espaços.

As diferenças geracionais entre pais, mães e filhos são muito profundas. Nessa sociedade cada vez mais globalizada, a dimensão local se encontra articulada com a dimensão global, trazendo novos desafios para a relação entre pais, mães e filhos. Os adultos, especificamente os pais e as mães, não podem mais contar tanto com a sua experiência anterior como referência para lidar com os jovens. Quando o ser humano faz novas interrogações, os pais, as mães, a escola e seus profissionais também têm de se interrogar sobre qual é o seu papel nessa relação.

Parece que os filhos jovens, nas formas em que vivem a experiência das festas, estão nos dizendo que não querem tanto ser tratados como iguais, mas reconhecidos nas suas especificidades. Isso implica serem reconhecidos como jovens, na sua diversidade, um momento privilegiado de construção de identidades, de projetos de vida, de experimentação e aprendizagem da autonomia. Exigem de seus pais e de suas mães uma postura de escuta - para que se tornem seus interlocutores diante das crises, dúvidas e perplexidades da vida. Enfim, nos parece que demandam da família recursos e instrumentos que os tornem capazes de conduzir a própria vida em uma sociedade na qual a construção de si é fundamental para dominar seu destino.

Regina Maria Faria Gomes,
psicóloga, servidora pública pela prefeitura de São Paulo, atuante no movimento de mulheres.
Endereço eletrônico: egomes1@gmail.com

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